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Dois silêncios que mudaram a História

O Evangelho proposto para este 4º Domingo do Advento nos revela atraentes verdades a respeito de São José, pai adotivo de Jesus e esposo da Virgem Imaculada.

anjo sao jose

Redação (18/12/2022 09:15, Gaudium Press) Com breves e inspiradas palavras, São Mateus nos narra o mais grandioso acontecimento da História, a Encarnação do Verbo.

À primeira vista, a singela descrição do Evangelista pode nos causar a impressão de que tudo transcorreu de modo suave e aprazível, não havendo lugar para qualquer sofrimento e menos ainda para a terrível provação que levou São José à extrema decisão de “abandonar Maria em segredo”.

Contudo, a realidade foi bem outra.

A encarnação do Verbo, momento de gáudio e provação

A origem de Jesus Cristo foi assim: Maria, sua Mãe, estava prometida em casamento a José, e, antes de viverem juntos, Ela ficou grávida pela ação do Espírito Santo. (Mt 1,18)

De acordo com o direito judaico da época, o matrimônio entre israelitas era constituído por dois atos distintos aos quais poderíamos chamar de esponsais e núpcias. Antes do casamento, os pais dos nubentes redigiam o contrato matrimonial, onde constavam os bens que cada parte entregaria para formar o patrimônio da nova família.

Bem estabelecido esse ponto, realizava-se uma cerimônia, diante de testemunhas, na qual o noivo entregava simbolicamente à noiva um objeto de valor. Com esse gesto ficava selado o compromisso, tornando-se os contraentes marido e mulher, pois os esponsais judaicos “constituíam verdadeiro contrato matrimonial”.[1] Não obstante, era costume esperar até as núpcias, para viverem juntos os esposos.

Assim, ao afirmar que Maria “estava prometida em casamento a José, e, antes de viverem juntos, Ela ficou grávida pela ação do Espírito Santo”, o Evangelista situa a Encarnação do Verbo no período posterior à cerimônia do compromisso, mas antes de Maria ir habitar na casa do esposo.

Silêncios de humildade e confiança

Ao tomar conhecimento desse altíssimo mistério, pareceria compreensível que Maria Santíssima convidasse parentes e amigos para se unirem em orações de preparação e de ação de graças, durante os nove meses de espera do nascimento do Messias. Entretanto, Ela guarda completo silêncio sobre aquele mistério inefável, até com o próprio esposo, pois nenhuma ordem recebera de Deus em sentido contrário. Revela, assim, uma excelsa submissão e docilidade aos desígnios da Providência. E, após a revelação do mensageiro celeste, dirige-se apressadamente à casa se Isabel.

José, seu marido, era justo e, não querendo denunciá-La, resolveu abandonar Maria em segredo. (Mt 1,19)

São José era justo, frisa o Evangelista. E diante dessa Virgem que lhe fora dada como esposa, tomou uma atitude humilde e admirativa. Pode-se conjecturar que, à medida que melhor A ia conhecendo, crescia seu enlevo por Ela. Contudo, era-lhe reservada uma prova duríssima com relação àquela que ele tanto respeitava.

Quando São José foi buscar Nossa Senhora na casa de Santa Isabel, eram visíveis os sinais da gestação do Menino Jesus. No entanto, Ela nada lhe disse… E ele nada perguntou…

Uma coisa era certa: como afirma um famoso mariólogo, “ele bem sabia como era admirável a virtude de Maria, e, apesar da evidência exterior dos fatos, não conseguia acreditar ser Ela culpada”.[2]

Qual foi a atitude desse glorioso Patriarca?

Ele, pressentindo que acontecera algo de grandioso com a sua puríssima esposa, e estimando-se tão aquém desse acontecimento, decidiu fugir. Abandonando, assim, a esposa grávida, e assumindo, deste modo, sobre si, a infâmia de ter desamparado sem motivo a esposa inocente e o futuro filho, ficando ele mal perante a sociedade.

Este descendente de Davi resolveu deixar Maria em segredo, pois, se comunicasse a sua decisão a Ela, receava pô-La na contingência de expor-lhe aquele mistério que ele, por humildade, julgava não ser digno de conhecer.

Nossa Senhora do seu lado, tendo ciência infusa, discernia o que se passava na alma do esposo e rezava.

O episódio da provação de São José é dos mais pungentes e grandiosos já havidos em matéria de confiança. Nele, esta virtude é eximiamente praticada tanto por Nossa Senhora em relação a Deus e a seu esposo, como por este em relação a Deus e a Ela. Ambos souberam manter um silêncio humilde e confiante.

Recebeu ele o prêmio dos humildes

Quando São José já tinha assim planejado a sua dolorosa “fuga”, e se punha a descansar antes de realizá-la, apareceu-lhe o Anjo do Senhor num sonho a lhe resolver o terrível impasse. E revelou a miraculosa maternidade de Maria e, a fim de frisar o papel dele nesse acontecimento, incumbiu São José com a missão de nomear o Divino Infante, missão essa que competia somente ao verdadeiro chefe de família.

Bem podemos imaginar que, vencida a provação, ao acordar de manhã, foi São José logo adorar a Jesus Cristo no seu primeiro e mais santo sacrário: Maria Santíssima. Deus tinha Se encarnado e ali estava, sob sua guarda! Ele já não mais poderia olhar para Nossa Senhora sem adorar o Deus Menino entronizado naquele incomparável tabernáculo.

É de se supor que, sem dizer palavra alguma, ele tenha se ajoelhado diante de Nossa Senhora. Ela teria discernido, por esse ato de seu esposo, que Deus lhe comunicara a grande nova, e deve ter dado graças ao Senhor. Sem dúvida, São José, depois de atravessar com admirável paz de alma uma terrível e lancinante provação, teve esse momento gloriosíssimo de adoração ao Menino Jesus vivendo em Maria.

“Deus pediu à Virgem” — comenta o padre Llamera — “seu consentimento para a Encarnação. Ela o concedeu livremente, e neste ato voluntário se radica sua maior glória e mérito”.[3] Mas também ao Santo Patriarca foi solicitada sua anuência ao virginal matrimônio com Maria, condição para a Redenção; outrossim, pediu-lhe a Providência uma heroica aceitação, sem entender, do mistério da Encarnação: mais acreditou ele na inocência de Maria do que na evidência da gravidez, constatada pelos seus olhos. Sem dúvida, foi esse “fiat!” de São José um dos maiores atos de virtude jamais praticados na Terra.

Imploremos então, ao Patriarca da Santa Igreja, que ele nos obtenha de seu Divino Filho, de que a seu exemplo, tenhamos uma confiança inabalável, firme e total, e uma submissão perfeita diante das perplexidades que a Providência nos possa enviar ao longo de nossas vidas.

 

Extraído, com adaptações, de: CLÁ DIAS, João Scognamiglio. O inédito sobre os Evangelhos. Città del Vaticano-São Paulo: LEV-Instituto Lumen Sapientiæ, 2013, v. 1, p. 57-69.


[1] LLAMERA, OP, Bonifacio. Teología de San José. Madrid: BAC, 1953, p. 39.

[2] JOURDAIN, Zéphyr-Clément. Somme des grandeurs de Marie. 2. ed. Paris: Hippolyte Walzer, 1900, v. 2, p. 321.

[3] LLAMERA, op. cit., p. 120.

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