As parábolas sobre o Reino
As três parábolas sobre o Reino — a do tesouro escondido, a da pérola e a da rede — são preciosos ensinamentos para a nossa vida espiritual, a fim de alcançarmos a eterna salvação.
Redação (30/07/2023 14:33, Gaudium Press) Ninguém jamais chegou a ser mestre, ou virá a sê-lo, em toda significação do termo, como o foi Jesus Cristo. Quem, de fato, conseguirá ultrapassar em pedagogia o Pregador Divino?
Consideremos quanto o homem é moralmente incapaz de conhecer por si só e em sua plenitude as verdades religiosas, necessitando para tal do concurso da Revelação. A esse respeito devemos questionar: quem melhor do que o próprio Jesus para oferecer essa Revelação? Ele trazia do alto uma rica variedade de temas para nos instruir, entre os quais se encontrava o do Reino de Deus.
Duas visões opostas do Reino
Os judeus tinham uma concepção equivocada sobre este ponto em particular. Julgavam ser a vinda do Messias uma oportunidade única para a realização do sonho nacionalista do povo eleito: uma intervenção divina para instaurar uma era histórica, na qual a supremacia política, social e financeira sobre todos os povos seria atingida com glória e triunfo.
Bem no sentido oposto estava o conteúdo da Revelação sobre o verdadeiro Reino. Neste, tudo é despretensão, lentidão e enfrentamento de obstáculos. Daí sua aproximação com as figuras do grão de mostarda, do joio e do trigo, parábolas contrapostas aos erros de visualização do povo judeu.
A parábola do tesouro escondido
Naquele tempo, disse Jesus a seus discípulos: “O Reino dos Céus é como um tesouro escondido no campo. Um homem o encontra e o mantém escondido. Cheio de alegria, ele vai, vende todos os seus bens e compra aquele campo” (Mt 13,44).
São Mateus tem um objetivo concreto em mente. Por tal razão sintetiza a parábola nos seus elementos essenciais, deixando de lado, por exemplo, a indicação de como foi descoberto o tal tesouro.
O homem esconde novamente o tesouro. De uma perspectiva moral, procede bem, não se apropriando das riquezas encontradas. E, ao mesmo tempo, mostra-se prudente não deixando à vista aquelas preciosidades, para evitar as tentações que alguém pudesse ter ao deparar-se com elas.
Olhando para os primeiros tempos da Igreja, vemos quanto custou aos judeus e pagãos convertidos “comprar o campo” no qual se escondia o tesouro da salvação. A renúncia exigida era total: família, bens, reputação e até a própria vida. Quão bem procederam, todavia, os que então abraçaram a Fé Católica!
A humanidade atual, qual dos dois papéis representa: o do homem que deseja comprar ou o do que quer vender? Infelizmente, a quase totalidade dos fatos nos inclina à segunda hipótese. Muitos de nós, hoje em dia, caímos na insensatez de não mais nos importarmos com esse tesouro de nossa Fé, que tanto custou aos nossos antepassados, e pelo qual o Salvador derramou todo o seu preciosíssimo Sangue no Calvário. Por quão miserável preço vendemos, alguns de nós, esse tão elevado tesouro, tal como fez Esaú com sua primogenitura, ao trocá-la por um mísero prato de lentilhas! Hoje, mais do que nunca, multiplicam-se as “lentilhas” da sensualidade, da corrupção, do prazer ilícito, da ambição etc.
Aqui também poderia estar incluída a figura do religioso que se deixa arrastar pelos afazeres concretos e vai se olvidando do “tesouro” pelo qual tudo abandonou em seu primitivo fervor.
Essa plenitude de alegria do homem da parábola deve nos acompanhar a vida inteira, sem interrupção, por ser um dos efeitos da verdadeira Fé. A virtude é um dom gratuito; não se compra. No entanto, sua posse contínua e crescente custa esforços de ascese, piedade e fervor. É preciso “vendermos” todas as nossas paixões, caprichos, manias, vícios, sentimentalismos, em síntese, toda a nossa maldade. É o melhor “negócio” que se possa fazer nesta Terra.
A parábola da pérola preciosa
“O Reino dos Céus também é como um comprador que procura pérolas preciosas. Quando encontra uma pérola de grande valor, ele vai, vende todos os seus bens e compra aquela pérola” (Mt 13,45-46).
Na Antiguidade, as pérolas eram consideradas de um valor inestimável. Por esse motivo, quem encontrasse à venda alguma de excelente categoria estaria disposto a desfazer-se de todos os seus bens para comprá-la.[1]
A presente parábola tem o mesmo sentido da anterior, variando apenas a matéria, ou seja, trata-se de, se necessário for, deixar tudo o que se possui com vistas a adquirir esse “tesouro”, ou “pérola”, que nada mais é do que o próprio Reino dos Céus.
Essas duas parábolas completam-se harmoniosamente. Uma refere-se ao pulchrum do Reino, a da pérola; a outra busca inculcar-nos a ideia da vantagem, utilidade e prêmio, a do tesouro. Nesta última se reflete a gratuidade do Reino — “encontra” —; na anterior, o esforço — “procura”. Em ambas se torna patente quanto deve desapegar-se dos bens deste mundo todo aquele que deseja adquirir o Reino dos Céus.
A parábola da rede
“O Reino dos Céus é ainda como uma rede lançada ao mar e que apanha peixes de todo tipo. Quando está cheia, os pescadores puxam a rede para a praia, sentam-se e recolhem os peixes bons em cestos e jogam fora os que não prestam. Assim acontecerá no fim dos tempos: os Anjos virão para separar os homens maus dos que são justos, e lançarão os maus na fornalha de fogo. E aí haverá choro e ranger de dentes” (Mt 13,47-50).
“Esta rede reúne todo tipo de peixes, porque chama ao perdão dos pecados os sábios e os ignorantes, os livres e os escravos, os ricos e os pobres, os poderosos e os débeis. […] Estará completamente cheia a rede, isto é, a Igreja, quando dentro dela se acolha o último homem; […] porque assim como o mar é figura do mundo, também a margem é figura do fim dos tempos, em cujo termo, é certo, os peixes bons são colocados em cestos e os maus são atirados fora, porque também os eleitos são recebidos nas mansões eternas e os réprobos, perdida a luz do Reino interior, são lançados às trevas exteriores. Pois agora a rede da Fé nos recolhe a todos, bons e maus, como peixes mesclados em comum; mas logo na margem se verá os que estão dentro da rede da Santa Igreja”.[2]
A Igreja se compõe de justos, e também de pecadores. O mal que às vezes encontramos na sua parte humana não deve nos assustar, nem mesmo escandalizar; já está previsto. Nem por isso deixa a Igreja de ser santa em sua essência, pois é ela divina. O que nos deve importar é buscar essa “pérola” e, encontrando esse “tesouro”, abandonar todo apego para sermos bons “peixes” nessa rede.
A tarefa da separação caberá aos Anjos, no dia do Juízo: os bons à direita, os maus à esquerda; os sacerdotes santos serão apartados dos sacerdotes sacrílegos; os religiosos observantes, dos sensuais; os magistrados íntegros, dos injustos; serão recebidas as virgens prudentes, rejeitadas as néscias; as esposas fiéis afastadas das adúlteras; em síntese, os eleitos serão postos de um lado, e os réprobos de outro.
Fixemos, assim, nosso entendimento e nosso coração nas maravilhas do Reino dos Céus, e conservemos um perseverante terror da eternidade no inferno. Desta forma, estaremos em condições para nos localizar entre aqueles convidados que se encontrarão à direita de Jesus, no Juízo Final!
Extraído, com adaptações, de:
CLÁ DIAS, João Scognamiglio. O inédito sobre os Evangelhos: comentários aos Evangelhos dominicais. Città del Vaticano-São Paulo: LEV-Instituto Lumen Sapientiæ, 2013, v. 2, p. 233-245.
[1] Cf. PLÍNIO, O VELHO. Naturalis Historia. L. IX, c. 35.
[2] GREGÓRIO MAGNO. Homiliæ in Evangelia. L. I, hom. 11, n.4. In: Obras. Madrid: BAC, 1958, p. 577.
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