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Santa Inês de Praga

No dia 2 de março, a Igreja lembra a memória de Santa Inês de Praga. Filha espiritual de Santa Clara de Assis, obedeceu até o fim às inspirações vindas do Céu.  

Santa Ines de Praga

Redação (02/03/2024 10:33, Gaudium Press) No século XIII, o Rei Otacar I da Boêmia e sua esposa Constância tiveram sua primeira filha, à qual chamaram Inês.

 “Por parte do pai descendia da célebre estirpe dos Santos Ludmila e Venceslau; Santa Edwiges da Silésia era sua tia-avó, sendo ainda Santa Isabel da Turíngia sua prima e Santa Margarida da Hungria sua sobrinha”.

Prometida em casamento aos três anos de idade

Desde a infância, sentiu ela arder em seu coração enorme desejo de consagrar a Deus sua virgindade. Mas, para alcançar a meta apontada por essa discreta voz interior, era preciso transpor um grande obstáculo: conforme o costume da época, fora prometida em casamento, com apenas três anos de idade, ao príncipe polonês Boleslau, filho de Henrique I da Silésia e de Santa Edwiges.

A fim de receber educação adequada a uma rainha, foi enviada com sua irmã mais velha, Ana, para o mosteiro cisterciense de Trzebnica, na atual Polônia, do qual Santa Gertrudes era abadessa. Esta lhe ensinou as verdades fundamentais da Fé e orientou seus primeiros passos na vida de piedade, marcando para o resto da vida o coração da ilustre princesa.

Aos seis anos de idade ela voltou para a Boêmia, pois seu futuro esposo falecera de modo prematuro.

Ante outro obstáculo, redobrada fidelidade

De volta à sua terra, a piedosa menina passou a morar na abadia premonstratense de Doksany, fundada por seu avô São Venceslau. Lá aprendeu a ler e a escrever e adquiriu tanto amor pela oração que preferia passar o tempo rezando em vez de entreter-se com brincadeiras próprias à sua jovem idade.

Contudo, as águas da provação não tardariam a bater novamente em seu espírito: aos nove anos de idade foi prometida em casamento a Henrique VII, rei da Sicília e da Alemanha, filho do Imperador Frederico II. Viu-se, pois, obrigada a partir para Viena, onde devia apreender o alemão e familiarizar-se com os costumes germânicos.

O brilho mundano da corte austríaca bem poderia tê-la deslumbrado, fazendo-a mudar de opinião, mas aconteceu exatamente o contrário: “Inês não se sentia à vontade lá. Dava muitas esmolas, mortificava-se com frequentes jejuns, e consagrou-se totalmente à Mãe de Deus desejando conservar intacta a própria virgindade”.

Dócil àquela voz interior que a levava a desejar entregar-se por inteiro nas mãos de Deus, firme no desejo de fazer em tudo a vontade do Altíssimo, a jovem implorava-Lhe com confiança que a colocasse em condições de seguir sua vocação, embora tudo parecesse caminhar no sentido oposto aos seus anseios.

As perplexidades de Inês findariam, mais uma vez, de maneira inesperada: o Duque Leopoldo da Áustria, a cujos cuidados estava confiada em Viena, pretendia casar sua própria filha com o prometido de Inês… Os planos do duque tiveram sucesso e, com isso, pôde ela voltar para a corte real de Praga.

Fé inabalável e espírito de sacrifício

A trajetória de um bom soldado de Cristo não se reduz a duas ou três batalhas isoladas: sua vida consiste numa luta diária, até o último instante da existência. É o que se aprecia na história desta gloriosa e tão pequena combatente.

O júbilo que invadia seu coração não durou muito. Novas propostas de matrimônio chegaram a Praga. Pretendiam-na Henrique III da Inglaterra e o Imperador Frederico II, que havia enviuvado. Apesar das objeções de Inês, seu irmão, o Rei Venceslau – que após a morte do pai assumira o poder –, prometeu a mão da princesa ao imperador.

Tendo-se tornado uma forte dama pelo efeito das contínuas provações, não desistiu Inês de lutar por fazer-se esposa de Cristo. Disposta a transpor os obstáculos que se apresentavam, empreendeu novos esforços para levar até o fim a vocação.

Começou por intensificar as orações e penitências. Acordava frequentemente antes da aurora para, descalça e mal agasalhada, percorrer algumas igrejas da cidade em companhia de outras devotas donzelas. Como os pés terminavam dilacerados pela caminhada, na volta para o palácio ela os lavava, calçava-se e se revestia das suntuosas vestes de princesa, usando por baixo uma tosca camisa feita de pelo e um cilício de aço.

Assim adornada, começava as atividades do dia sem deixar transparecer as mortificações que fizera, entremeando as obrigações da corte com suas características visitas aos doentes. Em todas essas ocupações, sua intenção era, além de louvar a Deus, obter d’Ele aquilo que tanto almejava.

Preferiu o Rei do Céu…

Certo dia, quando contava mais ou menos vinte e oito anos de idade, soube que o Imperador Frederico II enviara a Praga um embaixador para que a escoltasse até a Alemanha. E como seu irmão, o Rei Venceslau, continuava surdo às suas objeções, Inês decidiu apelar ao Papa.

Escreveu então a Sua Santidade para lhe implorar que impedisse o matrimônio, argumentando que nunca havia consentido em casar-se e que se sentia ardentemente chamada à vocação religiosa.

O Papa Gregório IX acabara de consolidar a paz com o imperador e, conhecendo-o suficientemente para imaginar quais seriam as suas reações, enviou a Praga um legado a fim de apoiar a princesa e escreveu-lhe também uma missiva.

Santa Inês mostrou a carta papal a seu irmão que, alarmado, terminou por ceder. Apesar de temer a ira do imperador alemão, Venceslau não queria desgostar o Romano Pontífice nem forçar sua irmã a fazer algo contra a vontade do Altíssimo.

Inesperada foi a reação de Frederico II. Quando compreendeu que a decisão não provinha de uma manobra política do rei da Boêmia, mas sim de um santo desejo da princesa, o imperador anulou seu compromisso com palavras dignas de brilhar no firmamento da História:

“Se ela tivesse me deixado por um homem mortal, eu faria sentir o peso da minha vingança; mas não posso me sentir ofendido por ela ter preferido o Rei do Céu”.

Seu gesto impressionou a Cristandade da época e a notícia da recusa de Inês aos bens e às glórias humanas por amor a Jesus propagou-se pelas cortes da Europa, despertando grande admiração.

Contagiante generosidade

Naquela época, alguns nobres trouxeram a Praga notícias do apostolado e do estilo de vida do Poverello e de sua fiel discípula, Clara. Logo que as ouviu, nasceu em Inês o veemente desejo de imitá-la.

Começou por desfazer-se de joias, adornos e suntuosos vestidos e ajudou com o fruto da sua venda os pobres da região. Queria empregar todas as suas posses no serviço da Igreja.

Com ajuda do rei, seu irmão, construiu um mosteiro para os franciscanos, outro para as irmãs clarissas e um hospital para os pobres. A direção deste último foi confiada a um sodalício por ela mesma erigido, que mais tarde daria origem aos Cônegos Regulares da Santa Cruz da Estrela Vermelha.

O povo boêmio quis ajudar nos gastos da construção. Embora o rei e a princesa recusassem todas as ofertas, muitos foram os dias em que, no final do expediente, os trabalhadores saíam às escondidas sem cobrar o seu salário, para poderem assim contribuir desinteressadamente na edificação do hospital.

Exterior do convento

Nas vias de Santa Clara de Assis

Inês ansiava, porém, seguir mais de perto aquela que seria sua mãe espiritual, sua melhor amiga, a confidente de suas virtudes e o “anjo” de sua vocação, Santa Clara de Assis.

Acompanhada de cinco jovens das principais famílias de Praga, ingressou então no mosteiro que ela mesma havia edificado às margens do Rio Moldava, para o qual a fundadora enviara cinco de suas religiosas.

O exemplo de Inês atraiu aos claustros inúmeras donzelas e fez multiplicar os conventos de clarissas na Europa. Ela professou os votos no dia de Pentecostes e, por determinação do Papa Gregório IX, teve de assumir – não sem relutar, dada a sua grande humildade – o cargo de abadessa do mosteiro, ofício que exerceu eximiamente ao longo de quarenta anos.

Embora Santa Clara não tenha se encontrado pessoalmente com sua nobre discípula, a correspondência trocada por elas testemunha o quanto se achavam unidas no mesmo ideal de santidade.

Formou-se entre as duas uma entranhada amizade, fruto do verdadeiro amor a Deus.

Religiosa exemplar, favorecida com dons místicos

Digna filha de São Francisco e de Santa Clara, procurou destacar-se na prática da humildade e da caridade, fundamentos da verdadeira pobreza. Possuía uma devoção eucarística tão profunda que chegou a inflamar desse fervor outros mosteiros da Ordem, “culminando mais tarde no desejo da comunhão cotidiana”.

Agradava-lhe ficar a sós para dedicar-se à oração e contemplação, e nesses momentos era comum entrar em êxtase. E a todos dava exemplo do apostolado baseado na vida interior: “Não falava demasiado com as irmãs, mas, quando se lhes dirigia, as suas palavras eram ardentes do amor a Cristo e do desejo do Paraíso, tanto que dificilmente reprimia as lágrimas”.

Tinha a Paixão de Nosso Senhor Jesus Cristo como centro de sua piedade, e na Santa Cruz encontrava forças para suportar as enfermidades que frequentemente a afligiam. Enfrentava todos os infortúnios com a mesma resolução de ânimo com que vencera, na infância, as dificuldades surgidas para o cumprimento de sua vocação.

Em determinada ocasião, certa da proximidade de sua morte, quis receber o Viático. Todavia, uma voz interior assegurou-lhe que seria precedida na eternidade por todos os membros de sua família.

De fato, “durante a sua longa vida viu morrer o pai, diversos parentes, os irmãos e irmãs, entre estes o próprio Venceslau, que ela tinha conseguido reconciliar com o filho rebelde Premysl Otacar no seu próprio mosteiro”.

Em outra circunstância, durante o Ofício vespertino, viu misticamente o fim deste sobrinho, na época Rei Otacar II, morto durante uma batalha. E suportou igualmente, com serena confiança, a morte de Santa Clara, sua mãe espiritual.

Paciência inalterável

Sempre apoiada na graça, a santa abadessa de Praga aconselhava com sabedoria, evitando conflitos e incentivando a fidelidade de seu reino à Religião verdadeira. Porém, após a morte de Otacar II, exércitos estrangeiros invadiram a Boêmia, rompendo a boa ordem e promovendo a violência.

Naqueles momentos de caos, às portas dos mosteiros das clarissas, cujas despensas estavam angustiosamente vazias, chegavam inúmeros moribundos à procura de auxílio. Muitos eram os que morriam pela fome ou pela peste.

Foi em meio ao conturbado e instável cenário da guerra que Inês, já venerada como santa, veio a falecer. Em seus derradeiros momentos, enquanto tudo ruía à sua volta, conservou a paciência inalterável que a caracterizava.

E quando Deus a chamou a Si, ela partiu sem oferecer resistência para o Céu, onde desde a infância repousara seu virginal coração.

Inês de Praga foi canonizada pelo Papa João Paulo II em 12 de novembro de 1989.

Texto extraído, com adaptações, da Revista Arautos do Evangelho n. 219, março 2020.

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