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A cruz, quando inteiramente abraçada, nos configura com Cristo

A Liturgia de hoje nos aponta a solução para um dos maiores males do angustiante século em que vivemos, no qual a humanidade se utiliza de todos os meios tecnológicos, médicos e sociais para evitar a dor, e padece, como nunca, de angústias inenarráveis.

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Redação (19/06/2022 11:43, Gaudium Press) É difícil para o homem, no relacionamento com o próximo ou com Deus, agir segundo as exigências de sua cons­ciência, da moral e da verdade. Tomar uma atitude decidida e definitiva constitui uma escolha árdua, pois, por um lado, no interior da alma, clama a voz das más inclinações decorrentes do pecado e, por outro, o convite à retidão, à perfeição e à santidade feito pela graça. Optar por uma dessas solicitações acarreta sérias consequências, surgindo a partir daí uma luta que continua durante toda a vida até o momento do juízo particular, fato que explica a conhecida afirmação de Jó: “a vida do homem sobre a Terra é uma luta” (7,1). Não há uma idade a partir da qual seja possível considerá-la encerrada; pelo contrário, as batalhas espirituais tornam-se cada vez mais impetuosas com o passar do tempo. Comprova-o a hagiografia, ao mostrar a luta presente na traje­tória terrena dos santos, até o último suspiro deles. Célebre é a exclamação de São Luís Grignion de Montfort, na hora da morte, indicativa de seu constante esforço para se manter fiel à Lei divina, da qual se julgava cumpridor muito imperfeito: “Cheguei ao termo de minha carreira: não pecarei mais!”[1]

Uma terceira posição

Contudo, quando não é justo, o homem esmorece nesse combate ascético e procura encontrar um meio de descansar, desejando alcançar a recompensa eterna sem fazer esforço. Tal é a razão pela qual não existe uma corrente com maior quantidade de adeptos quanto a chamada terceira posição. Trata-se do partido mais numeroso existente no mundo, desde a saída de Adão e Eva do Paraíso, porque a tendência do homem não é ceder ao mal enquanto mal — pois ser mal é incômodo e implica também em lutar, exige agrede, ou seja, capacidade de luta —, mas sim fugir da dor. Nossa existência acarreta sempre padecimentos, pois é impossível viver sem sofrer, ainda quando se é inocente. Nem a Inocência em Si mesma, Nosso Senhor, nem a Inocente por excelência, Nossa Senhora, ficaram livres da dor, sendo inconcebível uma existência, por mais excelsa que seja, isenta de adversidades.

Não existe um terceiro caminho no qual juntemos as vantagens e as glórias da obediência a Deus com o gozo e as fruições do pecado. A batalha de nossa vida espiritual, portanto, cifra-se em tomarmos fervorosamente a primeira posição, sem nos deixarmos enganar pela falsidade da terceira. Como abrir, então, nossas almas à árdua via do sofrimento, única forma de atender ao chamado do Divino Mestre? É o que nos ensina Nosso Senhor neste Evangelho do 12º Domingo do Tempo Comum.

A oração e a cruz do cristão

O episódio deste domingo é tido como um dos pontos auges do convívio do Salvador com os discípulos, e marco importante da instituição da Igreja docente. Os evangelistas São Mateus e São Marcos relatam encontrar-Se Jesus, nesse dia, nas proximidades de Cesareia de Filipe, cidade situada em território pagão, incrustada numa região isolada e de grandiosa beleza. São Lucas, embora não ofereça maiores especificações geográficas, registra um precioso pormenor que antecedeu a confissão de Pedro e o primeiro anúncio da Paixão: o Mestre estava orando.

Dessa vez, Nosso Senhor procura um lugar ermo e, sem despedir os que O seguiam, afasta-Se um pouco deles e entrega-Se a uma recolhida oração. Quão insondável e profunda é a oração do Mestre! Nunca conheceremos nesta vida ― tão só no Céu ― a força impetratória de um pedido d’Ele, como na comovedora frase “eu roguei por ti” (Lc 22,32), pela qual perseverou não apenas São Pedro, mas também cada um de nós.

Cabe também a nós seguirmos este divino exemplo de oração! A oração faz do homem um ser mais espiritualizado, no qual prevalece a graça de Deus e aquietam-se as paixões desregradas. Mas, não basta a oração, é preciso seguir o Divino Redentor em tudo, como Ele próprio disse: “Se alguém me quer seguir, renuncie a si mesmo, tome a sua cruz e me siga” (Lc 9,23).

A Liturgia de hoje nos aponta a solução para um dos maiores males do angustiante século em que vivemos, no qual a humanidade se utiliza de todos os meios tecnológicos, médicos e sociais para evitar a dor, e padece, como nunca, de angústias inenarráveis. À primeira vista, parece um mistério o fato de nunca terem existido tantas possibilidades de bem-estar e, simultaneamente, sermos flagelados por toda espécie de catástrofes. Isto se deve a que fugimos da cruz por desconhecermos a imensa felicidade oferecida por ela quando é abraçada com alegria.

À medida que adequamos todo o nosso modo de ser, perspectivas, visualizações, desejos, pensamento, dinamismo, atividade e tempo em função de Nosso Senhor, somos invadidos por uma paz interior que a nada pode ser comparada. Descem as bênçãos do Alto e operam-se as maravilhas da graça. Com razão afirma o Prof. Plinio Corrêa de Oliveira: “A graça do enlevo pelas coisas celestes, pelas coisas de Deus, proporciona a uma pessoa coragem para que ela carregue grandes cruzes como se fossem pequenas. Quer dizer, esse amor latente por Deus, por Nossa Senhora, pelas grandezas do Céu age com tal profundidade no homem que, por um ato de consentimento livre, consciente — e ao mesmo tempo subconsciente, o que parece paradoxal, porém verdadeiro —, ele se deixa transformar. E o amor à Cruz é o sintoma dessa mudança de mentalidade”.[2]

Assim, conformados com o Divino Redentor, estaremos aptos não só a reconhecê-Lo como o verdadeiro Messias, confessando com São Pedro: “Tu és o Cristo de Deus”, mas diremos também com o chefe da Igreja, desta vez com um timbre de autenticidade que somente a cruz é capaz de oferecer: “Senhor, sabes tudo, tu sabes que te amo” (Jo 21,17).

Extraído com adaptações de:

CLÁ DIAS, João Scognamiglio. O inédito sobre os Evangelhos: comentários aos Evangelhos dominicais. Città del Vaticano-São Paulo: LEV-Instituto Lumen Sapientiæ, 2012, v. 6, p. 163-177.


[1] SÃO LUÍS MARIA GRIGNION DE MONTFORT, apud ABAD, SJ, Camilo María. Introducción General, c. VI, n. 32. In: Obras de San Luis María Grignion de Montfort. Madrid: BAC, 1954, p.66.

[2] ) CORRÊA DE OLIVEIRA, Plinio. A “Carta Circular aos amigos da Cruz” – I. Enlevo e holocausto. In: Dr. Plinio. São Paulo. Ano X, n.112 (jul., 2007), p.12.

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