“É preciso ser realista. Não há vida isolada. Viver é conviver”, afirma o arcebispo de Porto Alegre
Porto Alegre (Terça-Feira, 07/08/2012, Gaudium Press) Com o título “A relação consigo”, dom Dadeus Grings, arcebispo metropolitano de Porto Alegre, no Rio Grande do Sul, abordou em seu mais recente artigo as amplas possibilidades do ser humano de se relacionar consigo, com o mundo, com os outros e com Deus. Ele cita o exemplo do paralítico do Evangelho de Marcos que se identifica, por assim dizer, com sua deficiência, considerando-se e sendo considerado pelos outros como deficiente. Com isso, afirma o prelado, o paralítico não tem nome, parece não ser nada ou ninguém, a paralisia cai em vista, ele a sente e todos a percebem.
No entanto, dom Dadeus explica que o personagem do Evangelho não é paralisia, ele tem vida, também convive, relaciona-se consigo, com o mundo, com os outros e com Deus. Tudo, porém, marcado pela paralisia. “Tem um conceito de si como paralítico, aparece na sociedade como paralítico, não se consegue locomover no mundo, porque paralítico, e isto o leva, pelos vistos, a se distanciar de Deus. Nutre uma revolta contra seu destino. Dá tudo errado nele e para ele”, destaca.
O arcebispo ainda afirma que na verdade há um engano fundamental que costuma atingir os enfermos ou deficientes. “Vê-se o que lhes falta e não o que são nem para onde vão. O paralítico certamente não pode fazer muita coisa. Mas tem amplas condições de se relacionar consigo, com o mundo, com os outros e com Deus. Se não souber responder à pergunta: por quê? E para que? não lhe poderia faltar a resposta à pergunta: para quem vive?”
E em meio a esses questionamentos, o prelado volta à primeira consideração: o valor da vida, ressaltando que viver é relacionar-se. Ele lembra Sócrates, que colheu do frontispício do templo de Apolo, em Delfos, a orientação para suas pesquisas filosóficas: “conhece-te a ti mesmo”. O prelado reforça que não devemos ser definidos por aquilo que falta, mas por aquilo que somos. Isto significa, segundo dom Dadeus, que não podemos falar, com propriedade, de um paralítico, de um cego, de um moribundo, mas de uma pessoa, atingida por paralisia, pela cegueira, que está nos últimos momentos de vida terrena.
“Por uma série de fatores assistimos, hoje, a uma grave doença, que recebeu o nome de depressão e estresse. Há dificuldade de as pessoas se aceitarem como são. Muitas tentam mudar o visual. Outros procuram modificação mais profunda, desde a personalidade, à sexualidade. A aparência passou a ser condição de auto-estima. Não interessa, nesse contexto, o que alguém é, mas como aparece. A beleza foi guindada à condição de divindade. Corre, por isso, o provérbio de que o que não se comunica não existe; e o que não tem boa aparência é rejeitado”, avalia o arcebispo.
Para dom Dadeus, o problema está no relacionamento consigo mesmo e, portanto, sentimos necessidade de ouvir novamente, em nossos tempos, a advertência de S. Leão Magno: Cristão, reconhece tua dignidade! O Evangelho nos pergunta: o que o homem dará em troca da vida? Conforme o prelado, a vida não se reduz a um estar aí, mas é relacionamento consciente, é saúde, é bem-estar, é conviver no mundo, com os outros, com Deus e consigo mesmo. Ele ainda enfatiza que neste sentido somos pai e mãe de nós mesmos, pois a vida está em nossas mãos e fazemos dela o que queremos, com a ajuda dos recursos naturais, dos outros e de Deus.
“É preciso ser realista. Não há vida isolada. Viver é conviver. Portanto deve-se costurar o tecido vital, com os outros, com o mundo e com Deus. Se alguém cortar uma destas relações, mutila-se a si mesmo e paralisa sua vida. Ser curado por Cristo, como no caso do paralítico, significa reatar todas as relações fundamentais. Só assim se sente feliz e realizado: convive em harmonia! A vida vai-se plenificando na medida do relacionamento”, completa.
De acordo com dom Dadeus, a primeira condição de um bom relacionamento com o mundo, com os outros e com Deus está no relacionamento consigo mesmo. Para ele, é preciso aceitar-se, amar-se e realizar-se, pois da forma como alguém se relaciona consigo, abre-se também para o que está em volta. “Necessita descobrir seus próprios valores, capacidades e dignidade. Descobrir a meta da caminhada e se empenhar para chegar lá.”
Por fim, o arcebispo afirma que a pessoa humana não pode ser definida ou caracterizada por uma eventual deficiência, mas pela existência e pela vida. “Há uma interioridade capaz de introjetar a própria razão de ser e todas as realidades nas quais está inserido. Vida humana é relacionamento. Em primeiro lugar consigo mesmo. Aceitar-se como se é, através do reconhecimento da própria dignidade de ser humano e de filho de Deus. Sentir-se bem é acolher-se como amado”, conclui. (FB)
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