Um Papa arrastado por uma corrente de ferro
O Papa São Martinho I sofreu uma das maiores humilhações a que um Pontífice tenha sido exposto, desde o começo da História da Igreja.
Redação (15/02/2022 08:51, Gaudium Press) A Igreja de Bizâncio, pressionada pelo Imperador Constante II, havia caído no monotelismo, heresia que nega a existência de duas naturezas — a humana e a divina — em Nosso Senhor Jesus Cristo.
Movido pelo seu intenso amor a Deus e ódio ao mal, São Martinho condenou essa heresia. Por ordem do Imperador, foi preso numa emboscada e transportado num navio para Constantinopla, tendo sofrido horrivelmente durante a viagem.
Ao chegar nessa cidade, arrastaram-no manietado ao tribunal, onde testemunhas falsas depuseram contra ele acusando-o de traidor e herético. O juiz, então, ordenou aos soldados que rasgassem as vestes do Papa e lhe arrancassem os calçados.
Depois, revestiram-no com uma túnica aberta de ambos os lados, grotesca e humilhante. Envolveram seu pescoço com uma argola de ferro, puxaram-no por uma corrente pela cidade até a prisão, que era a mesma dos criminosos comuns. Sob o frio intenso, tiritava.
Permaneceu preso esperando a morte, mas sua pena foi comutada por prisão perpétua.
Exilado para a Criméia, entre um povo bárbaro e cruel, seu martírio aumentou dia a dia até que Deus o chamou para Si, no ano de 655.
Esse pontífice deixou cartas notavelmente bem escritas, cheias de vigor e sabedoria, bem como as respostas dadas no tribunal de Bizâncio. Seu estilo é nobre e sublime, digno da majestade da Sé Apostólica.
Homem de espírito nobre
A propósito desse grande Santo, Dr. Plinio Corrêa de Oliveira teceu comentários que a seguir sintetizamos.
“Encontramos nessa narração vários aspectos desse martírio que são instrutivos para nós.
“Em primeiro lugar, a suma respeitabilidade desse Pontífice e a forma especial de tormento a que ele foi sujeito. Por ser um Santo, tinha na mais alta conta a dignidade do trono pontifício por ele ocupado, compreendendo perfeitamente tratar-se do maior cargo da Terra.
“Não há dignidade de rei, nem de imperador, nem de nenhum outro que se possa comparar sequer de longe à dignidade do Vigário de Cristo na Terra, daquele que é sucessor de São Pedro, a quem Jesus Cristo deu as chaves do Reino do Céu, de maneira que aquilo que ele abrir estará aberto e aquilo que fechar permanecerá fechado.
“Além disso, São Martinho era um homem de um espírito nobre, muito inteligente e culto, em cujas cartas se expressava com nobreza e elevação. Portanto, uma pessoa que gostava de tudo quanto é alto, sublime, digno.
“Pois bem, ele foi sujeito a uma das maiores humilhações a que um Papa tenha sido exposto, desde o começo da história do Pontificado.
“São Pedro, crucificado de cabeça para baixo, foi tão humilhado ou mais do que ele. Mas poucos foram os Papas que sofreram um martírio tão terrível como São Martinho.
Exemplo de constância e de fortaleza
“Trata-se de um Pontífice romano, que se sabe Vigário de Cristo, e que é jogado no porão de um navio daquele tempo, desce na cidade de Constantinopla, é arrastado ao tribunal por hereges monotelitas, para ser condenado; depois é levado diante de uma imensa multidão, vestido de um modo ridículo, colocam-lhe no pescoço uma argola de ferro atada a uma corda, e o conduzem como se fosse um animal; encontrando-se já na iminência de ser morto, ele é arrastado, a pé e descalço, pela cidade até a outra ponta, para ser preso entre os prisioneiros comuns. Imaginem a humilhação de um homem que se preza, sofrendo tudo isso!
“Mais ainda: fazia um frio intenso, ele já estava idoso e tiritava. Naturalmente tomavam o tremor dele como sendo por medo, e muitos terão caçoado dele.
“Vê-se a crueldade desse Imperador Constante e dos hereges monotelitas que o arrastaram. Depois ele foi mandado para a Criméia e ali, submetido a trabalhos forçados, morreu por causa das intempéries, da idade, mas em consequência dos maus tratos. Por isso a Igreja o considera mártir.
“Até o fim ele não cedeu e, diante do interrogatório do imperador e do juiz, ele suportou com altivez e soube dizer ao juiz as verdades que deveriam ser ditas. É um nobre exemplo de constância e de fortaleza.
Serão rechaçados pela justiça de Deus
“Por outro lado, vemos o Império Romano que caminhava para seu fim. Haveria ainda alguns séculos para o termo final do Império Romano do Oriente, mas esse fim vinha sendo preparado de longe por sinais manifestos de decadência. Esse crime praticado pelo imperador na presença de todo o povo é um sintoma disso. […]
“Durante séculos essa rivalidade entre Constantinopla e Roma, as duas maiores cidades de cultura latina daquele tempo, foi aumentando. Quando no século XV os turcos assediavam Constantinopla, estava ali um personagem que pôde até assistir à queda da cidade e conseguiu fugir a tempo.
“Nas cartas que esse personagem escreveu, ele pôs a seguinte nota: ‘O povo de Constantinopla, que era herege, tinha rompido com a Santa Sé, estava apavorado com aquela entrada feroz dos turcos, que fizeram uma carnificina, reduziram inúmeros indivíduos a escravos, entraram em conventos, destroçaram tudo.’
“E fez este comentário: ‘Se se desse aos constantinopolitanos a opção entre salvar a cidade, voltando a aderir à Igreja Católica, ou continuar na heresia e serem destroçados pelos turcos, eles prefeririam a heresia e a morte a se unirem novamente à Igreja Católica.’
“Quer dizer, um ódio tão cego à verdade que eles só queriam saber de aderir à heresia, e preferiam a morte com a heresia à vida, à dignidade e à honra. Vemos, por aí, como os adversários da Igreja podem ser fanáticos, a ponto de gostarem mais daquilo que representa o seu próprio destroçamento do que a união com o que significa a verdade integral. […]
“A Doutrina Católica oferece a verdade global, a qual os inimigos da Igreja odeiam mais do que tudo, preferindo qualquer erro à verdade total. Assim eram os monotelitas, como também os cismáticos de Constantinopla séculos depois, e os modernistas do tempo de São Pio X. Tudo menos a verdade global. Resultado: serão rechaçados pela justiça de Deus.”
Por Paulo Francisco Martos
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