Só os padres e religiosos devem obedecer?
A prática da obediência não se restringe ao cumprimento das ordens e preceitos claramente expressos por parte daquele que manda.
Redação (14/11/2022 11:11, Gaudium Press) Dos monges dos primeiros tempos contam-se fatos admiráveis relacionados com a virtude da obediência.
Sabia-se que um discípulo do Abade Paulo, de nome João, jamais resistia a qualquer ordem recebida, por mais árdua que fosse. Assim, em certa ocasião em que o abade o encarregou de uma incumbência na aldeia vizinha, aprestou-se a obedecer, mas preveniu o superior:
– Pai e senhor meu, ouvi dizer que ronda por aquelas bandas uma leoa feroz.
– Se a leoa te atacar, detém-na e traze-a contigo – respondeu o ancião, gracejando.
Ao cair da tarde, de fato, a leoa saltou sobre ele. Sucedeu, então, o inverossímil: a fera tornou-se presa e o monge, caçador. Cumprindo a ordem dada pelo superior, João quis sujeitá-la, mas ela escapou. Então ele a perseguiu, bradando:
– Mandou-me o abade prender-te e levar-te a ele!
A estas palavras, a fera deteve-se imediatamente. João a segurou e empreendeu o caminho de volta ao mosteiro, onde o abade mostrava-se pesaroso e preocupado por seu filho espiritual que tanto tardava. Ao vê-lo retornar arrastando a leoa, encheu-se de admiração e deu graças a Deus. Cheio da alegria dos obedientes, disse-lhe o discípulo:
– Eis aqui, pai, a leoa que me mandaste trazer.
Para o bem daquela alma, a fim de que não viesse a envaidecer-se, o abade deu-lhe ordem de soltar a fera. O fato tornou-se logo conhecido entre os monges, que engrandeceram a Deus pelo prodígio realizado para enaltecer o valor da obediência.
O que significa obediência?
Oriunda do termo latino ob-audire – escutar com atenção -, a obediência é “uma virtude moral que torna a vontade pronta para executar os preceitos do superior”. E tanto mais perfeita ela será, “quanto mais rapidamente se adiante a executar aquilo que se entende ser vontade do superior, mesmo antes de este a manifestar”.
Portanto, a prática da obediência não se restringe ao cumprimento das ordens e preceitos claramente expressos por parte daquele que manda. Quem almeja praticá-la em grau excelente deve assumir a postura de um bom filho em relação ao pai, ou seja, estar extremamente atento àquilo que o superior quer.
Porque “a obediência é, antes de tudo, uma atitude filial. É aquele tipo particular de escuta que só mesmo o filho pode prestar ao pai, por estar iluminado pela certeza de que o pai só pode ter coisas boas a dizer e a dar ao filho; uma escuta embebida naquela confiança que permite ao filho acolher a vontade do pai, certo de que esta será para seu bem.
Isto é imensamente mais verdadeiro em relação a Deus. Com efeito, nós atingimos a nossa plenitude somente na medida em que nos inserimos no desígnio com que Ele nos concebeu em seu amor de Pai”.
Só para os padres e religiosos?
Evidentemente, a virtude da obediência compete sobretudo aos clérigos e aos membros dos Institutos religiosos, vinculados pela profissão dos votos, cada qual a seu respectivo superior. Constitui, aliás, o elemento mais importante da vida religiosa, conforme demonstrou o Doutor Angélico e lembra o Padre Royo Marín: “o estado religioso, em virtude principalmente do voto de obediência, é um verdadeiro holocausto que se oferece a Deus”.
Como diz São Gregório Magno: “com razão se antepõe a obediência aos sacrifícios, posto que mediante as vítimas se imola a carne alheia, enquanto que, pela obediência, se imola a vontade própria”.
Sem embargo, apesar de concernir de modo especial os clérigos e membros de Institutos religiosos, a virtude da obediência abrange uma gama de pessoas muito mais ampla.
Na Epístola aos Efésios, depois de incentivar todos a serem “submissos uns aos outros no temor de Cristo” (Ef 5, 21), São Paulo mostra, fundando-se em argumentos elevadíssimos, como ela deve ser praticada em todos os âmbitos das relações humanas, mesmo na ordem temporal. Assim, por exemplo, exorta os filhos a obedecerem aos pais, lembrando-lhes que é cumprindo o mandamento de honrar pai e mãe que serão felizes (cf. Ef 6, 1-3). Não deixa, porém, de alertar estes últimos para que, no exercício de sua autoridade, não provoquem a ira dos filhos, mas os eduquem na disciplina e instruções do Senhor (cf. Ef 6, 4).
E São Pedro afirma que devemos ser submissos “a toda autoridade humana” (I Pd 2, 13); portanto, não somente àquelas que julgamos serem boas e justas. Também São Paulo é claro nesse sentido: “Cada qual seja submisso às autoridades constituídas, porque não há autoridade que não venha de Deus; as que existem foram instituídas por Deus” (Rm 13, 1).
Logo em seguida, o Apóstolo alerta para o prejuízo da insubordinação: “Quem resiste à autoridade, opõe-se à ordem estabelecida por Deus; e os que a ela se opõem, atraem sobre si a condenação” (Rm 13, 2).
Um princípio fundamental para a vida cotidiana
Como obedecer a um superior cujos defeitos são patentes? O problema é complexo e infelizmente frequente… Entretanto, há um princípio fundamental para ser sempre aplicado nos casos concretos: é preciso procurar ver a Deus no superior com os olhos da fé, lembrando-se que, na vida religiosa, ele representa Nosso Senhor Jesus Cristo.
Exemplo da aplicação desse princípio à vida cotidiana nos dá São Tomás de Aquino em um episódio pouco conhecido. Sendo o turno dele de fazer a leitura no refeitório, aquele que presidia a mesa lhe fez sinal, em determinado momento, para colocar um acento sobre outra sílaba que não a correta. Se bem que sua pronúncia estivesse certa, ele imediatamente retificou-a, acatando a vontade do superior.
Na recreação seus irmãos comentaram que não deveria tê-lo feito, posto que evidentemente ele estava com a razão. Mas, São Tomás respondeu: “É pouco importante pronunciar uma palavra dessa ou daquela maneira, mas é sempre importante a um religioso exercer a obediência e a humildade”.
Obediência, hierarquia e autoridade são pilares indispensáveis para uma sociedade bem constituída. E o conceito de liberdade, em seu sentido moral verdadeiro, não se cifra na capacidade de fazer sempre a própria vontade (inclusive podendo escolher o mal), mas sim em fazer o bem, cumprindo a vontade de Deus, ainda que à custa de sacrifícios, renúncias e abnegação. Nesta obediência cheia de liberdade o homem se livra da escravidão da libertinagem. Só assim terá ele autêntica e duradoura felicidade, pois o pecado não traz alegria e paz, mas apenas fruição passageira.
Por intermédio de Maria Santíssima, peçamos, pois, a graça de praticar eximiamente esta santa virtude da obediência, a fim de gozarmos da infinita felicidade que nos está reservada por Jesus Cristo na eternidade.
Texto extraído, com adaptações, da Revista Arautos do Evangelho, n.143, novembro 2013.
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