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Semear pepino e colher abacaxi

 “Quando morremos, somos como a água que não mais se pode recolher, uma vez derramada por terra. Deus não faz voltar uma alma” (II Sm 14, 14).                                 

Foto: Riccardo Atrot/ Unsplash

Foto: Riccardo Atrot/ Unsplash

Redação (29/06/2023 10:03, Gaudium Press) Há muitas situações na vida que nos constrangem, nos fazem sofrer, nos desanimam. E não é raro ouvirmos pessoas dizendo: “O que eu fiz para merecer este castigo?”. Obviamente, faz-se este questionamento partindo do pressuposto da inocência: “Sou uma pessoa boa, uma pessoa honesta, não faço mal a ninguém, não mereço sofrer tanto assim!” E a conclusão é óbvia: a vida é injusta e Deus se esqueceu de nós. Mas será que é mesmo assim?

Os reencarnacionistas chamam a isso de “lei de ação e reação”, e atribuem todas as nossas mazelas a efeitos de outras vidas. Acertariam se não fossem tão longe para buscar explicações, porque muito do que vivemos é, sim, consequência, mas das escolhas que fazemos aqui, na única vida que temos, de acordo com as Sagradas Escrituras: “Quando morremos, somos como a água que não mais se pode recolher, uma vez derramada por terra. Deus não faz voltar uma alma” (II Sm 14, 14).

 Verdade repetida na Carta aos Hebreus: “Como está determinado que os homens morram uma só vez, e logo em seguida vem o juízo, assim Cristo se ofereceu uma só vez para tomar sobre si os pecados da multidão, e aparecerá uma segunda vez, não porém em razão do pecado, mas para trazer a salvação àqueles que o esperam” (Hb 9, 27-28).

Costumamos ser imediatistas e, em muitas ocasiões, tentamos encurtar caminho para atingir os resultados almejados. Apressados, não pensamos sobre as consequências que nossos atos poderão ter sobre nossa própria vida e na vida de outras pessoas. Se semeamos pepinos, não tem como colhermos abacaxis!

É o Apóstolo Paulo quem nos ensina, em sua epístola aos Gálatas: “Não vos enganeis: de Deus não se zomba. O que o homem semeia, isso mesmo colherá” (Gl 6, 7).

Descendentes de Adão e Eva

Tudo na vida está sob o controle de Deus, e nada na nossa vida acontece sem que seja do conhecimento e da vontade d’Ele. Porém, não devemos nos esquecer de que Ele nos presenteou com o livre-arbítrio, o que nos faz responsáveis por muitas coisas das quais tentamos nos inocentar.

Deus não desejou que Adão e Eva pecassem, todavia, uma vez que se deixaram seduzir pelo mal e pecaram, semearam os frutos que haveriam de colher, como consequência de seu pecado. E, sendo nós seus descendentes, até hoje colhemos esses frutos: ganhamos o pão com o suor do nosso rosto, estamos sujeitos a doenças e à morte, e somos privados da visão beatífica de Deus.

Muitas doenças são oriundas de nossos abusos, desregramentos alimentares, comportamento de risco, excesso de trabalho, mas, mesmo quando adoecemos sem nada termos feito para isso, não podemos atribuir unicamente a Deus a causa de nossas doenças, e sim ao comportamento de nossos primitivos pais. Do mesmo que herdamos os frutos do pecado, herdamos deles também as sementes e continuamos, intimoratos, a lançar as sementes contaminadas, como se não houvesse consequências.

Não podendo controlar o que nos acontece naturalmente – uma doença de nascença, uma predisposição genética, um cataclismo, um acidente de grandes proporções – ao menos temos escolha sobre o que pode nos acontecer com base em nossas atitudes e comportamentos.

O pecado é a linha limítrofe que nos separa do estar bem e do muito sofrer. Há pessoas fiéis que, com o tempo, desanimam alegando que os maus não são punidos –parecem estar sempre desfrutando de benesses e alegrias – e que aos bons acontecem coisas ruins.

“Ah, se os homens pudessem ver por dentro da alma dos pecadores!”, diriam grandes santos como Padre Pio, São João Maria Vianey, que foram grandes confessores. E o mesmo podem repetir os nossos sacerdotes, por cujos confessionários desfilam toda sorte de mazelas, provocadas pelo pecado contumaz. E isso se considerarmos que, no geral, se confessam apenas os pecadores medianos, porque os grandes pecadores, de conluio com o mal, passam ao largo do Sacramento da Confissão.

Matrizes geradoras

Ainda que em aparência não se vejam as consequências do pecado na vida do pecador, a sua própria insistência de viver de pecado em pecado e de mal em mal já é a clara demonstração de sua imensurável insatisfação, porque toda alma – da mais santa à mais perdida – só pode encontrar a paz verdadeira em um lugar: no interior do Sagrado Coração de Jesus.

Há situações inevitáveis cuja origem remonta ao passado longínquo e que não temos como controlar; aceitá-las já se constitui em uma nova semeadura, com sementes selecionadas e de boa qualidade, cujos frutos serão apropriados e saborosos ao nosso paladar.

Ordinariamente, porém, a maioria dos fatos comezinhos da vida do ser humano são matrizes geradoras de outros fatos e podem ser purificados com nossa fé e nossas boas intenções. Se nossas escolhas são bem feitas, se nossas intenções são corretas e puras, as consequências só poderão ser positivas e nos trarão alegrias e consolações. No entanto, se escolhemos o duvidoso e vivemos flertando com o perigo, não há como termos uma colheita saudável.

Morros e encostas

Há um exemplo difícil de colocar e sujeito a muitas críticas, mas vou ousar apresentá-lo. Todos os anos, em determinadas regiões, à época das enchentes, muitas casas são destruídas por deslizamentos de terra, e vidas são ceifadas. E todos os anos culpa-se o poder público pela situação. É certo que as condições habitacionais em nosso país estão muito longe do ideal, mas nenhum governo, de esquerda ou de direita, incentiva as pessoas a construírem suas casas nos morros e encostas, onde estarão sujeitas a esse tipo de situação. Ainda assim, elas constroem, e a história se repete numa roda-viva interminável.

Mesmo sem uma política pública que garanta moradia segura e de qualidade a todas as pessoas, construir e viver num lugar sujeito a deslizamentos de terra e desabamentos não deixa de ser uma escolha. O poder público tem a sua parcela de responsabilidade, e não é pequena, mas a ocupação desordenada das áreas urbanas e dos locais de risco também é um problema para os governantes, afinal, assim como nenhuma família quer ter a sua casa destruída em uma enchente, perder tudo, ficar desabrigado e enfrentar a morte, nenhum prefeito ou governador quer ver esta situação no município e estado que governam.

Devemos em tudo dar graças

A cada catástrofe, sinto-me solidário às vítimas e desejoso de que as autoridades tomem providências para evitar que a mesma situação caótica se repita ano após ano, mas, quando a pessoa conhece o risco e escolhe continuar se submetendo a ele, sabe também que as consequências podem ser desastrosas numa próxima vez.

Como disse, são pontos nevrálgicos, difíceis de abordar e sujeitos à incompreensão e à crítica, contudo, onde vamos, com quem vamos, o que fazemos, como e com quem, determinam muitos resultados em nossas vidas. O que não podemos, de forma nenhuma, é nos revoltarmos e culparmos a Deus por tudo o que nos acontece.

E, como filhos de Deus, como pessoas civilizadas que somos, devemos em tudo dar graças e rogar ao Pai que nos livre daquilo que representa o mal e que não nos permita cair em novas tentações, a fim de que possamos interromper o fluxo contínuo de males que se abatem sobre nós, muitos deles evitáveis, com uma atitude firme e uma vida de santidade e amor a Deus, pois quem ama a Deus, evita fazer o mal a si mesmo e aos seus semelhantes.

Por Afonso Pessoa

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