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São Tomás de Aquino: padroeiro dos estudos

A ocasião é memoranda, e nos recorda a necessidade de os católicos, em especial as instituições educacionais católicas, não olvidarem os ensinamentos, sempre válidos e atuais, do grande São Tomás de Aquino.

Sao Tomas de Aquino

Redação (03/08/2023 16:04, Gaudium Press) A 4 de agosto de 1880, exatamente um ano após a publicação da encíclica Æterni Patris – que apontou o Aquinate como modelo e mestre da filosofia cristã –, Leão XIII constituiu o Doutor Angélico padroeiro dos Institutos de ensino católico, através do breve Cum hoc sit.

Ora, também estamos no ano jubilar da canonização deste gigante do pensamento católico. Assim, a ocasião é memoranda, e nos recorda a necessidade de os católicos, em especial as Instituições educacionais católicas, não olvidarem os ensinamentos, sempre válidos e atuais, do grande São Tomás de Aquino.

A seguir, reproduzimos em português o texto do referido documento.

Breve Cum hoc sit

“É inerente à natureza e comprovado pela Igreja Católica, que os homens procuram a proteção daqueles que se destacam pela santidade e, igualmente, procuram exemplos a serem imitados junto àqueles que alcançaram a perfeição em qualquer disciplina; portanto, não poucas Ordens Religiosas, Faculdades, Sociedades Literárias, com a aprovação da Sé Apostólica, desejaram, há tempos, ter por mestre e padroeiro São Tomás de Aquino, o qual sempre refulgiu como um sol pela doutrina e virtude.

Por certo, em nossos dias, tendo-se estendido o estudo de sua doutrina, muitos pediram que ele fosse designado como padroeiro, por decreto desta Sé Apostólica, de todos os colégios, academias e escolas católicas. Além disso, muitos bispos expressaram o mesmo desejo por cartas pessoais e coletivas; do mesmo modo, os sócios de diversas academias e sociedades eruditas insistiram no mesmo pedido através de humildes e instantes súplicas.

Nós acreditamos dever adiar o acolhimento ao ardor destes desejos e orações, a fim de que o tempo aumentasse a sua intensidade; e a oportunidade desta declaração surgiu logo após a publicação realizada no ano passado, neste mesmo dia, de nossa Carta Encíclica “De filosofia Christiana ad mentem S. Thomae Aquinatis Doctoris Angelici in scholis catholicis instauranda”.

Com efeito, os bispos, as Academias, os reitores das faculdades e os eruditos de todos os recantos da terra declararam, em um só coração e a uma só voz, que serão dóceis às nossas prescrições; que eles querem, de fato, seguir inteiramente as pegadas de São Tomás no ensino da filosofia e da teologia; na verdade, eles afirmam que estão, como nós, convencidos de que a doutrina tomista possui, com uma eminente superioridade, força e virtude singulares para curar os males que afligem nossa época.

Nós, portanto, que há tempos e vivamente desejamos ver florescer todas as escolas sob a proteção de um mestre tão excelente na fé e no patrocínio, visto que são tão claros e sinceros os desejos comuns a todos, julgamos que é chegado o tempo de acrescentar este novo louvor à glória imortal de Tomás de Aquino.

Eis o principal dos motivos que nos impelem: São Tomás, dentre os diversos ramos das ciências, é o mais perfeito modelo que os católicos podem se propor. Verdadeiramente, nele estão presentes todas as luzes da alma e do talento, pelos quais impele, justamente, os outros a imitá-lo; uma doutrina fecunda, incorrupta, perfeitamente ordenada; o respeito à fé e uma admirável concordância com as verdades divinamente reveladas; a integridade de vida acompanhada com o esplendor das mais excelsas virtudes.

A sua doutrina é tão vasta que abrange, como um mar, toda a sabedoria oriunda dos antigos. Tudo o que foi dito ou sabiamente discutido pelos filósofos pagãos, Padres e os Doutores da Igreja, pelos grandes homens que surgiram antes dele, não só foi por ele assimilado, mas acrescido, aperfeiçoado, ordenado com um tal discernimento de forma, com uma tal acurada argumentação e com uma tal propriedade de linguagem, que parece ter deixado aos seus seguidores apenas a faculdade de imitá-lo, excluindo a possibilidade de superação.

A sua grandeza consiste no fato de que sua doutrina, estruturada e desenvolvida segundo princípios inteiramente evidentes, responde às necessidades, não somente de uma época, mas de todos os tempos e, sobretudo, é idônea para refutar os erros que reaparecem sem cessar. Sustentando-se por sua própria força e vigor, sua doutrina permanece invencível e incute nos adversários um profundo temor.

E não é de menor apreço, sobretudo a juízo dos cristãos, a perfeita conjunção entre razão e fé. Com efeito, o Santo Doutor demonstra com evidência que as verdades de ordem natural não podem estar em contradição com as verdades que se creem ser a palavra de Deus; por consequência, seguir e honrar a fé cristã não é sinal de servidão humilhante e privada da razão, mas, ao contrário, um nobre obséquio com o qual a própria mente se beneficia e se eleva às mais sublimes considerações. Enfim, ele demonstra que a inteligência e a fé procedem de Deus, não com o fim de favorecer disputas, mas para protegerem-se, unidas entre si por um vínculo de amizade.

Em todos os escritos do bem-aventurado Tomás, percebe-se o modelo desta união e desta admirável aliança. Pois vê-se neles o domínio e o brilho, ora da razão, que, desde que precedida pela fé, consegue aquilo que deseja na investigação da natureza; ora da fé, que é iluminada e defendida pela razão; entretanto, cada uma delas conserva inviolada sua própria força e dignidade; além disso, quando a necessidade o exige, ambas marcham juntas como aliadas contra os inimigos comuns. E, se sempre foi de suma importância a durável e elevada concórdia entre a razão e a fé, é ainda mais sério conservá-la depois do século XVI, uma vez que, naquele tempo, começaram a espalhar as sementes de uma liberdade que, ultrapassando todo limite e medida, fez com que a razão humana rejeitasse abertamente a autoridade divina, reclamando à filosofia as armas para desacreditar e combater as verdades da religião.

Enfim, o Doutor Angélico não é maior pela doutrina do que pela virtude e santidade. Com efeito, a virtude é a melhor preparação para o exercício das faculdades intelectuais e para a aquisição da doutrina; aqueles que a negligenciam erram ao pensar que adquiriram uma sabedoria sólida e fecunda, porque “a Sabedoria não entrará na alma perversa, nem habitará no corpo sujeito ao pecado” (Sb 1,4). Na verdade, esta predisposição de alma, proveniente da virtude, se encontra em Tomás de Aquino não só em altíssimo grau, mas inteiramente digna de ser marcada divinamente por um sinal extraordinário. De fato, tendo vencido as insistentes solicitações do prazer, o casto adolescente recebeu de Deus, como prêmio de sua fortaleza, a imposição de um cinturão misterioso sobre seus rins, sentindo, ao mesmo tempo, a extinção completa do ardor libidinoso. Desde então, ele viveu como se tivesse sido isento de qualquer contágio corporal, podendo ser comparado aos próprios espíritos angélicos não menos pela inocência que pelo engenho.

Por este motivo, julgamos o Doutor Angélico plenamente digno de ser eleito como padroeiro dos estudos. Ao tomar com alegria tal decisão, somos movidos pela consideração de que, no futuro, o patrocínio de um homem tão excelso e santo será de grande valia para a restauração das disciplinas filosóficas e teológicas, com abundante vantagem para a sociedade. Assim, nos locais onde as escolas católicas se confiarem à disciplina e ao patrocínio do Doutor Angélico, facilmente florescerá a verdadeira sabedoria, extraída de princípios firmes, transmitida com ordem e método. Da pureza das doutrinas jorrará a pureza de costumes, tanto na vida privada quanto na pública, trazendo, como consequência, a salvação dos povos, a ordem, a paz e a tranquilidade geral.

Aqueles que se aplicam à Ciência Sagrada,[1] tão violentamente contrastada em nossos dias, retirarão das obras de São Tomás os meios para demonstrar amplamente os fundamentos da fé cristã, para inculcar a verdade sobrenatural, e para defender a santíssima religião contra os ímpios assaltos dos inimigos. Não obstante, todas as disciplinas humanas compreenderão que elas não terão seu desenvolvimento impedido ou retardado, mas, ao contrário, solicitado e aumentado; quanto à razão, uma vez dissipadas as causas das dissensões, retornará à graça pela fé, e a tomará por guia na procura da verdade. Por fim, todos os homens ávidos do saber, moldados pelos exemplos e preceitos de tão insigne mestre, se habituarão à devida disposição do estudo através da integridade de costumes; não seguirão aquela ciência que, privada da caridade, ensoberbece a alma e a desvia, mas sim aquela que tem origem no “Pai da luz e do Senhor da ciência”, e a Ele conduz.

Aprouve-nos também requerer a anuência da Sagrada Congregação dos Ritos sobre a questão, e, posto que sua opinião unânime foi inteiramente de acordo com os nossos votos, nós, em virtude de nossa suprema autoridade, para a glória de Deus Todo-poderoso e em honra do Doutor Angélico, para progresso das ciências e benefício geral da sociedade humana, declaramos São Tomás, Doutor Angélico, padroeiro das Universidades, das Academias, das Faculdades, das Escolas Católicas, e desejamos que ele seja, como tal, considerado, venerado e honrado por todos; entendido, entretanto, que não serão alterados as honras e postos concedidos aos santos que as Academias ou Faculdades possam ter escolhido por padroeiros particulares.

Dado em Roma, junto a São Pedro, sob o anel do Pescador, no dia 4 de agosto de 1880, o terceiro ano de nosso pontificado.

 

Leão PP. XIII

(Tradução livre por Rodrigo Siqueira)


[1] N. T.: expressão preferida por São Tomás, em vez de Teologia.

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