São José Moscati, leigo e médico
Giuseppe Moscati foi um leigo, médico, professor universitário, pesquisador, que se tornou santo através do exercício da sua profissão. Via os pacientes como irmãos que dele esperavam não somente o alívio do corpo, mas também o incentivo espiritual.
Redação (12/04/2023 10:34, Gaudium Press) Giuseppe Moscati, nasceu no dia 25 de julho de 1880 em Benevento (Itália). Seu pai, Francesco Moscati, era jurista, que chegou a ser Presidente do tribunal de Benevento e Conselheiro do Tribunal de Recursos de Nápoles. A Sra. Rosa De Luca Moscati era, no dizer do filho Giuseppe, a mulher forte de que fala a Sagrada Escritura em Provérbios 31,10-31.
Desde 1884 a família morou em Nápoles, onde também Giuseppe viveu e morreu. Fez os estudos de Humanidades em Nápoles, onde entrou para a Faculdade de Medicina em outubro de 1897, com dezessete anos de idade.
Dedicou-se ardorosamente ao estudo e à prática da Medicina, procurando sempre atualizar os seus conhecimentos. Conseguiu o Doutorado em Medicina aos 4 de agosto de 1903. Poucos meses depois, prestou concurso para trabalhar nos Hospitais de Nápoles; já o seu saber científico surpreendia os examinadores.
Em 1908 foi nomeado Assistente Ordinário no Instituto de Química Fisiológica. Conseguiu a Livre Docência desta matéria em 1911, e a de Clínica Médica Geral em 1921. Em 1919 foi promovido a Diretor de Sala nos Hospitais Reunidos de Nápoles.
Dedicou-se à pesquisa, em laboratório, sobre a ação dos amidos e da glicose no organismo humano. Publicou os resultados desses estudos em cerca de trinta relatórios e comunicações editados na Itália e no estrangeiro. Estes trabalhos o tornaram famoso e estimado tanto na sua pátria como fora desta. A convite do Governo italiano, viajou para diversos países da Europa a fim de participar de Congressos: em 1911, por exemplo, esteve em Viena (Áustria) como membro do Congresso Internacional de Fisiologia; em 19923, foi a Edimburgo (Escócia), tomando parte no Congresso Internacional de Fisiopatologia.
No dia 12 de abril de 1927, após a Santa Missa e a Comunhão, o Professor Moscati voltou à casa e se preparou para seguir para o Hospital. Depois de uma fatigosa manhã de trabalho, dispôs-se a enfrentar a habitual fila de clientes em seu ambulatório. Mas às 15 horas retirou-se para um quarto, dizendo: “Estou-me sentindo mal”. Sentou-se numa poltrona, cruzou os braços sobre o peito, reclinou a cabeça, e, sem uma palavra, expirou. Tinha 47 anos de idade.
A figura do médico
Giuseppe Moscati era um apaixonado da Medicina; para ele, o contato diário com os doentes era uma necessidade. Logo que se formou, começou a servir no Hospital dos Incuráveis, que ele não deixou de frequentar até o fim da sua vida. Em suas notas pessoais, encontra-se o seguinte depoimento:
“Quando rapaz, eu olhava com interesse para o Hospital dos Incuráveis, que meu pai apontava à distância, ou seja, do terraço de casa; isto me inspirava sentimentos de compaixão pela indizível dor dos enfermos, que naquele recinto procuravam alívio. Uma salutar perturbação me acometia e eu começava a pensar na caducidade de todas as coisas e as ilusões se dissipavam, como caíam as flores dos laranjais que me cercavam”.
Como às flores sucedem os frutos, assim também na vida de Moscati a perda de ilusões levou-o a um empenho realista e fecundo em favor dos seus irmãos sofredores. O papel do médico, Moscati o descreveu em carta dirigida a um seu aluno recém-formado:
“Lembra-te de que, segundo a Medicina, assumiste a responsabilidade de uma sublime missão. Persevera, com Deus no coração…, com amor e compaixão para com os que são abandonados, com fé e entusiasmo, surdo aos louvores e às críticas, insensíveis à inveja, disposto unicamente à prática do bem”.
Vê-se que Moscati considerava o exercício da sua profissão como a resposta a uma vocação; ele queria dedicar-se a esta com fé e amor, inspirado pelas mais puras intenções. Passava longas horas do dia e da noite no laboratório para descobrir as causas das doenças e definir os respectivos remédios; queria assim servir,… e servir do melhor modo possível. A sua vida tornou-se uma resposta a Deus, que o colocou no mundo para agir segundo os planos do Criador; era também uma resposta às necessidades e aos sofrimentos dos homens. Assim escreveu ele num pedaço de papel encontrado entre outros documentos:
“Seja a dor considerada não como uma oscilação ou uma contração muscular, e sim como o grito de uma alma, de um irmão, ao qual outro irmão, o médico acode com o calor do amor ou a caridade”.
Em carta escrita a um médico, seu ex-aluno, pode-se ler: “Recorda-te de que te deves ocupar não apenas com o corpo, mas também com as almas”.
Com estas palavras, Moscati revelava seu zelo pela pessoa do enfermo, que freqüentemente deseja encontrar no médico mais do que um profissional ou um técnico, e sim também um estímulo e reconforto. É o que aparece em outro escrito de Moscati:
“O médico acha-se em posição privilegiada, pois freqüentemente está diante de pessoas que, apesar dos seus erros passados, estão dispostos a voltar aos bons princípios herdados de seus antepassados; estão ansiosas por encontrar apoio premidas pela dor. Feliz o médico que sabe compreender o mistério desses corações e inflamá-los novamente!”
“Felizes nós, médicos, muitas vezes incapazes de debelar uma doença! Felizes nós, se nos lembramos de que, além dos corpos, temos diante de nós almas imortais,… em relação às quais urge o preceito evangélico de amá-las como a nós mesmos”.
“Os doentes são a imagem de Jesus Cristo e aos atribulados são os diletos e preferidos de Deus”.
O seu amor pelos doentes não lhe deixava tréguas: durante o dia estava nos Hospitais, na cátedra universitária, em visita aos doentes, especialmente aos mais miseráveis; e de noite dedicava bom espaço de tempo ao estudo, a fim de sempre oferecer aos pacientes e alunos o melhor que pudesse saber e adquirir. Mesmo durante o dia, quando o Prof. Moscati voltava dos Hospitais para casa, encontrava a sua residência cheia de pacientes à espera.
O homem de Deus
Tal dedicação não era interesseira. Muito pelo contrário. Praticava o desapego dos bens materiais. Quando julgava os emolumentos elevados demais, restituía a metade, ou mais do que isto, aos seus clientes. Do mais necessitados não cobrava honorários, dizendo que o importante era curá-los. Na sala de espera do seu consultório havia um cesto onde os clientes podiam depositar o preço da consulta. Certo dia, pouco após a guerra de 1914-18, apareceu-lhe um homem que estivera na frente de batalha. Após o atendimento, perguntou o paciente ao médico: “Quanto lhe devo, professor?” O doutor sorriu: “Pensa, antes do mais, em ficar bom. Se podes, coloca no cesto o que queres, mas, se precisas, tira aquilo que te é necessário”. Não raro era Moscati quem pagava aos seus doentes: alguns destes encontravam uma quantia em notas debaixo do travesseiro; outros, dentro do envelope portador da receita… Eram proverbiais as suas iniciativas neste particular, de modo que Moscati morreu pobre.
Os seus costumes irrepreensíveis e a sua piedade valiam-lhe zombarias de muitos, que o acusavam de louco de “maníaco religioso”, pois não o podiam atacar no plano científico e profissional. Moscati não fazia caso disso. Encontra-se mesmo em suas Notas particulares a seguinte norma:
“Ama a Verdade. Mostra-te como és, sem disfarces e sem fingimento. E, se a Verdade te custar a perseguição, aceita-a; e, se te acarretar tormentos suporta-os. E, se por causa da Verdade tivesses que sacrificar a ti e a tua vida, sê forte no sacrifício” (17/10/1922).
Moscati conhecia as intrigas, as rivalidades, os comprometimentos usuais entre colegas para chegar a posições vantajosas na carreira médica. Lutou, porém, para acabar com práticas e costumes pouco honestos nos Hospitais, não somente porque degradam a figura do médico, mas também porque prejudicam a formação dos estudantes, futuros médicos, e causam danos aos próprios pacientes. Combatia, pois, o nepotismo, o proteccionismo e o favoritismo nos concursos e nas promoções de carreira, que muitas vezes redundam em baixa de nível profissional e, indiretamente, em detrimento dos enfermos.
A essa retidão de costumes o médico e professor sabia associar profunda humildade; dizia que “o Senhor lhe concedera a graça de compreender que Ele é tudo e eu nada sou”. Tinha consciência de sua absoluta dependência em relação ao Senhor da vida.
O segredo dessa nobreza de caráter era a vida interior ou a união com Deus cultivadas por Moscati. Começava o dia dirigindo-se, muito cedo, à igreja de Gesù Nuovo, onde recebia a S. Eucaristia. As suas Notas pessoais revelam que ele sabia falar a Cristo com a simplicidade de uma criança, exprimindo-lhe quanto experimentava em sua alma. Quando tinha um pouco de lazer, passava muito tempo na igreja em oração e adoração.
Como se vê, Giuseppe Moscati abraçou, à luz da fé, “a sublime profissão de médico”, que ele considerava um serviço de amor apostólico e um culto prestado a Deus na pessoa dos irmãos sofredores. Durante a sua breve existência terrestre, cuidou de milhares de pessoas, para as quais foi instrumento de recuperação da saúde; os seus contemporâneos pareciam entrever em sua pessoa e em seu modo de agir um aceno à bondade do próprio Deus. Daí a palavra que de boca se propagava, quando faleceu aos 47 anos de idade: “Morreu o professor santo!”
Leigo médico, cientista e santo. Estas palavras resumem uma existência, delineiam um ideal e abrem um caminho, suscitando a imitação de quantos se achem hoje em circunstâncias de vida semelhantes.
A propósito, pode-se consultar o artigo “II Médico Santo: Giuseppe Moscati”, de Paolo Molinari S. J. em “La Civiltà Cattolica” n.º 3297, 07/11/87, pp. 236-248. Destas páginas foram transcritos os textos de Moscati citados; nas mesmas é indicada ampla bibliografia.
Por Prof. Felipe de Aquino
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