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São José: Concebido em graça?

Levantando um pouco os véus do mistério que envolve o Glorioso Patriarca, Mons. João Scognamiglio Clá Dias nos ofereceu, em sua Obra “São José: Quem o conhece?…”, um verdadeiro e belíssimo tratado de Josefologia.

Sagrada familia

Redação (20/03/2022 08:56, Gaudium Press) Abaixo transcrevemos um trecho do referido livro, no qual o autor defende um dos maiores dons de São José: sua isenção do Pecado Original e concepção em graça.

“Em Nossa Senhora, o pecado original foi reparado da forma mais profunda e radical possível. Em primeiro lugar, foi-Lhe dada uma graça altíssima, acima de qualquer cogitação, já no instante em que era concebida. Além disso, não houve n’Ela o menor resquício de qualquer gênero de inclinação à concupiscência; pelo contrário, sua alma conservou-se numa harmonia plena, sempre submissa à vontade de Deus pela correspondência a todas as moções da graça. Suas paixões estavam subordinadas à razão, iluminada pela fé. Era, em consequência, uma criatura virginal, dotada de um dom de integridade superexcelente, toda orientada à mais sublime perfeição.

A Ela estaria unido São José pelo vínculo natural mais íntimo: o matrimônio. A amizade entre os cônjuges é tal que São Tomás[1] afirma ser a união indivisível dos espíritos a essência do casamento. O convívio sob o mesmo teto, o trato frequentíssimo e a familiaridade cheia de reverência e respeito que existiu entre José e Maria suscitam uma questão decisiva: seria possível que o varão destinado a unir-se inseparavelmente pelo casamento à Virgem Imaculada fosse vítima dos efeitos do pecado original? E isso não só para preservar Nossa Senhora de qualquer risco que suporia a proximidade com um esposo sujeito às insídias da concupiscência. Há ainda uma razão mais alta.

Nossa Senhora é ‘o Paraíso Terrestre do Novo Adão’,[2]  como sustenta o grande teólogo francês São Luís Maria Grignion de Montfort. Se no Jardim do Éden, criado para os homens, Deus introduziu somente pessoas sem pecado e não permitiu que elas ali permanecessem após terem ofendido sua majestade infinita, como imaginar que aquele a quem Deus predestinou como guardião de seu Paraíso, muito mais belo e sublime que o terrestre, e que seria um com ele, estivesse ferido pelas consequências do pecado original? O que sentiria Nossa Senhora se convivesse dia e noite com um homem inclinado à baixeza pela concupiscência? Ela, que possuía o paladar espiritual mais requintado e o sensus fidelium mais fino, poderia entender que Deus A tivesse preservado de todo contágio de pecado, para depois uni-La em matrimônio a alguém tisnado pela culpa de Adão? Em síntese, se somente aos Anjos foi dado cuidar do Paraíso Terrestre após o pecado, o normal seria que Nossa Senhora fosse desposada por um homem angélico.[3]

Nesse sentido, a estatura moral de São José pode ser medida pela grandeza de Nossa Senhora. Se Ela é de uma santidade sublime e incalculável, ele também deve sê-lo, em grau inferior, pelo fato de Deus o ter elegido para unir-se a Ela em matrimônio e formarem juntos um só espírito. Tanto mais que ele foi o primeiro devoto mariano e, em decorrência, o mais beneficiado por sua Mediação Universal.

Soma-se a isso a predestinação de São José a ter em relação ao Filho de Deus o afeto e os cuidados de um verdadeiro pai, embora não haja concorrido para sua geração. Ele refulgirá diante dos Céus, dos Anjos e dos justos de todos os tempos enquanto pai de Nosso Senhor Jesus Cristo. Teria sentido que o escolhido para educar, custodiar e proteger o Verbo Encarnado fosse um homem comum, marcado pela desordem resultante da culpa dos primeiros pais?

Tanto mais que Deus criou São José considerando sua sublime missão. Se Nossa Senhora foi imaculada devido à sua estreita ligação com o mistério da Encarnação do Verbo[4], por que ele não gozaria de privilégio semelhante? Se em previsão dos méritos da Paixão do Filho, a Mãe de Deus foi preservada da mancha do pecado, não se poderia dizer que, em vista também da pureza ilibada de Maria, José foi isento do pecado original e de suas consequências, assim como pleno de graça na proporção de sua excelsa vocação?

São José, por seu ministério, estava ordenado a cooperar de forma necessária na realização do plano da união hipostática.[5] O Filho de Deus quis nascer de Maria por um milagre do Espírito Santo, mas escolheu para Si uma família bem constituída. Sendo o marido a cabeça da mulher e respeitando o Criador a ordem natural que Ele mesmo estabelecera, solicitou a São José seu consentimento para a concepção de sua Esposa.[6] Portanto, deve-se concluir que, tal como Nossa Senhora, desde toda a eternidade, esteve na mente divina unida por um vínculo estreitíssimo e indissolúvel ao decreto da Encarnação do Verbo[7], também São José, destinado pelo mesmo Senhor a ser o esposo legítimo de Maria e o pai virginal de Jesus, participa desse único desígnio. Ao conceber a ideia sobre Maria, Deus não o fez sem pensar naquele que deveria ser um com Ela: José”.

Extraído de: CLÁ DIAS, João Scognamiglio. São José: quem o conhece?…. São Paulo: Arautos do Evangelho; São Paulo: Instituto Lumen Sapientiæ, 2021.


[1] Cf. S. Th. III, q.29, a.2.

[2] SÃO LUÍS MARIA GRIGNION DE MONTFORT. Traité de la vraie dévotion à la
Sainte Vierge, n.6. In: Œuvres Complètes. Paris: Du Seuil, 1966, p. 490.

[3] A isenção de toda concupiscência em São José é afirmada pelo jesuíta Alfonso Salmerón: “Nele não havia nenhuma inclinação desordenada da concupiscência [omnis concupiscentiæ fomes extinctus in eo fuit], para que mais dignamente pudesse conviver com sua Esposa” (SALMERÓN, SJ, Alfonso. Commentarii in Evangelicam Historiam et in Acta Apostolorum. Tractatus XXX. Coloniæ: Antonium Hierat & Ioannem Gymnicum, 1602, t.III, p.234).

[4] Assim declara a bula de proclamação do dogma da Imaculada Conceição: “Certamente convinha que tão venerável Mãe resplandecesse sempre adornada dos fulgores da santidade mais perfeita, e, inteiramente imune da mancha do pecado original, alcançasse o mais completo triunfo sobre a antiga serpente, uma vez que Deus Pai havia disposto dar a Ela o seu Filho Unigênito – gerado do seu seio, igual a Si mesmo e amado como a Si mesmo – de tal modo que Ele fosse, por natureza, Filho único e comum de Deus Pai e da Virgem” (PIO IX. Ineffabilis Deus, n.1).

[5] Este tema será abordado com mais detalhe no Capítulo VIII, Participante da ordem hipostática, p.197 (CLÁ DIAS, João Scognamiglio. Op. Cit.) ao se tratar sobre a paternidade de São José em relação a Jesus. O primeiro teólogo a apontar essa realidade foi Suárez (cf. SUÁREZ, SJ, Francisco. Misterios de la vida de Cristo. Disp. VIII, sec.1, n.10. In: Obras. Madrid: BAC, 1948, t.III, p.270-271).

[6] Ver Capítulo VII, Por que temer?, p.167. (CLÁ DIAS, João Scognamiglio. Op. Cit.)

[7] “Deus, desde o princípio dos séculos, escolheu e preordenou para o seu Filho uma Mãe na qual Se teria encarnado e da qual, depois, na feliz plenitude dos tempos, teria nascido; e, preferindo-A a qualquer outra criatura, dedicou-Lhe tão grande amor que Se agradou somente n’Ela com uma singularíssima benevolência” (PIO IX, op. cit., n.1).

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