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São Jerônimo e o apostolado junto às elites

Não era só o grande herói que lutava contra os hereges. Ele salvava da podridão o que Roma tinha de melhor: as famílias aristocráticas, as conduzia para a conquista do mundo, para a Roma dos Papas, e não mais para a Roma dos Césares.

 Não era só o grande herói que lutava contra os hereges. Ele salvava da podridão o que Roma tinha de melhor: as famílias aristocráticas, as conduzia para a conquista do mundo, para a Roma dos Papas, e não mais para a Roma dos Césares.

Redação (29/04/2021, 16:05, Gaudium Press) No século V, houve um grande herói que lutava contra os hereges e, ao mesmo tempo, salvava da podridão aquilo que em Roma havia de melhor, as 0antigas famílias aristocráticas, e as conduzia para a conquista do mundo: São Jerônimo.

“És ciceroniano e não cristão”

Nasceu ele na Dalmácia – costa leste do Mar Adriático –, em 347. Sua família era rica e cristã. Aos dezoito anos de idade, foi para Roma onde estudou Gramática, Retórica e Filosofia. Leu autores gregos e latinos e entusiasmou-se por Cícero; copiava os trechos que mais o empolgavam, para formar uma biblioteca. Batizado pelo Papa Libério, deixou-se influenciar por maus colegas e levou vida mundana. 

Recebendo insigne graça, arrependeu-se de seus pecados e resolveu dar-se totalmente a Nosso Senhor Jesus Cristo. Dirigiu-se, então, para um deserto das proximidades de Antioquia, levando consigo sua biblioteca, e passou a residir numa gruta. Rezava, fazia jejuns e outras penitências, mas seu grande gosto era ler obras de Cícero.

Certa noite, ele foi conduzido a um tribunal cujo Juiz era o próprio Nosso Senhor, que lhe perguntou:

– Quem és?

– Sou cristão.

– Tu mentes. És ciceroniano e não cristão. Onde está teu tesouro, ali se encontra teu coração.”

  Por ordem do Juiz, ele foi vigorosamente flagelado. Gemendo de dor, Jerônimo pediu a Deus misericórdia e prometeu não ler mais autores pagãos. Foi perdoado e voltou à vida. Declarou depois que isso não foi um sonho, pois suas costas ensanguentadas testemunhavam os açoites que ele havia recebido.

Assistente especial de São Dâmaso

A fim de estudar questões teológicas muito debatidas na época, voltou para Antioquia e foi ordenado sacerdote. Pouco tempo depois, partiu para Constantinopla, onde se encontrou com São Gregório Nazianzeno e São Gregório de Nissa, com os quais manteve grande amizade.  

Voltou para Roma, onde continuou a estudar e escrever refutando alguns hereges. O Papa São Dâmaso, admirando suas virtudes bem como sua grande cultura e erudição, escolheu-o como Assistente especial, cargo que atualmente corresponderia ao de Secretário de Estado.

Na Cidade eterna havia um grupo de damas católicas de altíssima nobreza e grande fortuna, entre as quais Marcela, Paula e sua filha Eustóquia. Notando elas as virtudes que brilhavam em São Jerônimo, pediram-lhe que as orientasse espiritualmente. Ele, então, começou a promover reuniões no palácio de Marcela, e mais tarde no de Paula, onde lhes explicava a Sagrada Escritura e as formava nas vias da santidade.

Importância das elites para a direção da sociedade

Comenta Dr. Plinio Corrêa de Oliveira:

“Ele não era apenas o grande herói que lutava contra os hereges, mas também salvava da podridão o que Roma tinha de melhor, as antigas famílias aristocráticas, e as conduzia para a conquista do mundo, para a Roma dos Papas, e não mais para a Roma dos Césares. O Santo realizava isto por meio de assistência espiritual à alta aristocracia romana, que já não tinha poder político, mas ainda era fabulosamente rica naqueles tempos.

“Qual é a consideração que isto nos traz ao espírito?

“São Jerônimo tinha em mente a importância das elites para a direção da sociedade. E ele soube compreender que um movimento católico que vise levar o mundo inteiro para a Igreja, a cristianização do mundo, deve contar com todas as classes sociais, levando cada uma a dar o contributo que lhe é específico.

Portanto, a classe aristocrática deve prestigiar a expansão apostólica com o valor do nome, da fortuna, mas sobretudo com o valor de certo prestígio indefinido que se ligava merecidamente às grandes famílias da aristocracia romana.

“Quer dizer, ele compreendeu que, acionando as classes mais influentes, havia um meio para acionar toda a sociedade e para obter a cooperação dela para a luta pelo Reino de Cristo.” 

Nefandas calúnias

Além de suas polêmicas contra os inimigos da Igreja, São Jerônimo também verberou rijamente as imoralidades nas quais certos clérigos e religiosos de Roma tinham se precipitado.

Após a morte de São Dâmaso, em 384, São Jerônimo foi destituído de seu cargo e as mais nefandas calúnias começaram a ser espalhadas contra ele. Diziam, por exemplo, que desprezava o matrimônio em favor da virgindade e do monaquismo, promovendo, assim, o despovoamento do Império. Chegaram mesmo a declarar que, por artes mágicas, ele iludira distintas damas da nobreza e com elas promovia reuniões em seus palácios, durante as quais havia cenas indecorosas.

O Santo refutou todas as calúnias e apelou ao Tribunal de Roma, que lhe deu ganho de causa e os caluniadores foram obrigados a se retratarem publicamente.

Um leão entra no mosteiro

Resolveu ele, então, estabelecer-se no local onde o Redentor nasceu: Belém.  Reunindo alguns monges, fundou um mosteiro nas proximidades da Gruta do Presépio.

Certo dia, um leão entrou no mosteiro e todos os religiosos, exceto São Jerônimo, fugiram espavoridos. Percebendo que a fera mancava, com serenidade o Santo caminhou em sua direção e notou que uma de suas patas estava ferida por espinhos. Ele chamou os monges e mandou que fizessem um curativo no leão, o qual, mesmo depois de restabelecido, não quis mais sair do mosteiro. O varão de Deus ordenou-lhe que guardasse o pomar e especialmente um asno que era utilizado para trazer lenha da floresta.  

São Jerônimo, que já conhecia o latim e o grego, passou a estudar o hebraico e até mesmo o caldeu para traduzir a Bíblia. Após ingentes esforços, conseguiu vertê-la para o latim. Essa prodigiosa obra recebeu o nome de “Vulgata”, palavra que significa acessível ao vulgo. 

A fim de seguir seu mestre, Santa Paula e sua filha Santa Eustóquia mudaram-se para Belém e passaram a viver como religiosas num mosteiro, construído com os seus donativos. Santa Paula foi designada por São Jerônimo como superiora, e tal eram seus dotes intelectuais que aprendeu o hebraico e ajudou São Jerônimo nas traduções da Sagrada Escritura.

Santa Marcela fundou um convento em Roma e nele permaneceu até o dia em que a cidade foi saqueada pelos bárbaros visigodos, chefiados por Alarico, em 410, e ela foi assassinada; tinha 85 anos de idade.  

Por Paulo Francisco Martos

(in “Noções de História da Igreja” – 49)

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1-CORRÊA DE OLIVEIRA, Plinio. São Jerônimo. In revista Dr. Plinio, São Paulo. Ano XV, n. 174 (setembro 2012), p. 30.

2-Cf. DARRAS, Joseph Epiphane. Histoire Génerale de l’Église. Paris: Louis Vivès. 1891, v. X, p. 410-532; DICTIONNAIRE DE THÉOLOGIE CATHOLIQUE. Paris: Letouzey et Ané. 1924, v. VIII-I, coluna 894; VARAZZE, Jacopo de. La Légende Dorée. Paris: Garnier-Flammarion. 1967, v. II, p. 247. 

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