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Santo Ambrósio: exemplo de pregador

Ao comentar a luminosa figura de Santo Ambrósio, Bento XVI ressaltou a importância da aliança coerente entre o conhecimento intelectual e o testemunho de vida de todo pregador.

SH0712 San Ambrosio Diego de Urbina Basilica de San Lorenzo El Escorial Espanha FL

Redação (07/12/2020 08:43, Gaudium Press) Quando morreu, Ambrósio não era idoso. Ainda não tinha 60 anos, tendo nascido por volta de 340, em Tréveris, onde o pai era prefeito das Gálias. A família era cristã. Após o falecimento do pai, a mãe levou-o para Roma quando ainda era adolescente, e preparou-o para a carreira civil, garantindo-lhe uma sólida instrução retórica e jurídica.

Por volta de 370 foi enviado a governar as províncias da Emília e da Ligúria, com sede em Milão. Precisamente ali fermentava a luta entre ortodoxos e arianos, sobretudo depois da morte do bispo ariano Auxêncio. Ambrósio interveio para pacificar os ânimos das duas facções adversas, e a sua autoridade foi tal que ele, sendo simples catecúmeno, foi aclamado pelo povo bispo de Milão.

O estudo e a catequese de Santo Ambrósio

Até aquele momento, Ambrósio era o mais alto magistrado do Império na Itália setentrional. Culturalmente muito preparado, mas de igual modo despreparado na abordagem às Escrituras, o novo bispo pôs-se a estudá-las animadamente. Aprendeu a conhecer e a comentar a Bíblia pelas obras de Orígenes, o mestre indiscutível da “Escola Alexandrina”.

Deste modo, Ambrósio transferiu para o ambiente latino a meditação das Escrituras iniciada por Orígenes, começando no Ocidente a prática da lectio divina. O método da lectio chegou a guiar toda a pregação e os escritos de Ambrósio, que surgiram precisamente da escuta orante da Palavra de Deus.

Uma célebre introdução de uma catequese ambrosiana mostra distintamente como o santo bispo aplicava o Antigo Testamento à vida cristã: “Quando se liam as histórias dos Patriarcas e as máximas dos Provérbios, falávamos todos os dias de moral — diz o bispo de Milão aos seus catecúmenos e aos neófitos — para que, por eles formados e instruídos, vos habituásseis a entrar na vida dos padres e a seguir o caminho da obediência aos preceitos divinos” (Os mistérios 1, 1).

Por outras palavras, neófitos e catecúmenos, segundo o parecer do bispo, depois de terem aprendido a arte do viver bem, já podiam considerar-se preparados para os grandes mistérios de Cristo.

Assim, a pregação de Ambrósio — que representa o núcleo da sua enorme obra literária — parte da leitura dos Livros Sagrados (os “Patriarcas”, isto é, os livros históricos, e os “Provérbios”, ou seja, os livros sapienciais), para viver em conformidade com a divina Revelação.

O testemunho pessoal do pregador condiciona a eficácia da pregação

É evidente que o testemunho pessoal do pregador e o nível de exemplaridade da comunidade cristã condicionaram a eficiência da pregação.

Sob esse ponto de vista é significativo um trecho das Confissões de Santo Agostinho. Ele tinha vindo para Milão, como professor de retórica; era cético, não cristão. Estava procurando, mas não era capaz de encontrar realmente a verdade cristã. O que moveu o coração do jovem reitor africano, cético e desesperado, e o estimulou à conversão definitivamente, não foram antes de tudo as belas homilias (mesmo se por ele muito apreciadas) de Ambrósio. Mas sim o testemunho do bispo e da sua Igreja milanesa, que rezava e cantava, compacta como um só corpo.

Uma Igreja capaz de resistir às prepotências do imperador e de sua mãe, que nos primeiros dias de 368 voltaram a pretender a requisição de um edifício de culto para as cerimônias dos arianos.

No edifício que devia ser exigido — narra Agostinho — “o povo devoto vigiava, pronto a morrer com o próprio bispo”. Este testemunho das Confissões é precioso, porque assinala que algo se movia no íntimo de Agostinho, o qual prossegue: “Também nós participávamos da exaltação de todo o povo” (Confissões, 9, 7).

Da vida e do exemplo do bispo Ambrósio, Agostinho aprendeu a crer e a pregar. Podemos referir-nos a um célebre sermão do Africano, que mereceu ser citado muitos séculos depois na Constituição Conciliar Dei Verbum: “É necessário — admoesta no nº 25 — que todos os clérigos, sobretudo os sacerdotes e todos os que como os diáconos e catequistas se dedicam legitimamente ao ministério da palavra, se impregnem das Sagradas Escrituras, pela leitura assídua e o estudo diligente, para que não se torne — e esta é a citação agostiniana — ‘pregador vão e exterior da palavra de Deus quem no seu íntimo não a ouve’”.

Tinha aprendido precisamente de Ambrósio este “no seu íntimo”, esta assiduidade na leitura da Sagrada Escritura em atitude orante, de modo a acolher realmente no próprio coração e assimilar a Palavra de Deus.

O método e o sistema de vida de Santo Ambrósio

[…] No sexto livro das Confissões, Agostinho narra o seu encontro com Ambrósio, um encontro certamente de grande importância na história da Igreja. Ele escreve textualmente que, quando se encontrava com o Bispo de Milão, o achava regularmente empenhado com catervæ de pessoas cheias de problemas, por cujas necessidades ele se prodigalizava. Havia sempre uma longa fila que esperava para falar com Ambrósio para dele obter conforto e esperança.

Quando Ambrósio não estava com elas, com o povo (e isto acontecia no espaço de pouquíssimo tempo), restabelecia o corpo com o alimento necessário ou alimentava o espírito com as leituras. Aqui Ambrósio faz as suas maravilhas, porque Ambrósio lia as Escrituras sem pronunciar palavra, só com os olhos (cf. Conf. 6, 3).

De fato, nos primeiros séculos cristãos, a leitura era estritamente concebida para a proclamação, e ler em voz alta facilitava a compreensão também de quem lia. Que Ambrósio pudesse ler as páginas só com os olhos assinala a Agostinho admirado uma capacidade singular de leitura e de familiaridade com as Escrituras.

Pois bem, naquela “leitura com os lábios”, onde o coração se empenha a alcançar a inteligência da Palavra de Deus — eis “o ícone” do qual estamos a falar — pode-se entrever o método da catequese ambrosiana: é a própria Escritura, intimamente assimilada, que sugere os conteúdos a serem anunciados para levar à conversão dos corações.

Assim, segundo o magistério de Ambrósio e de Agostinho, a catequese é inseparável do testemunho de vida. […] Quem educa para a fé não pode arriscar-se a parecer uma espécie de palhaço, que recita um trecho “por profissão”. Aliás — usando uma imagem querida a Orígenes, escritor particularmente apreciado por Ambrósio — ele deve ser como o Discípulo Amado, que reclinou a cabeça no coração do Mestre e ali aprendeu o modo de pensar, de falar, de agir. […] [1]

Com efeito, não foram os livros que ele escreveu, nem as obras que realizou o fato mais importante da vida de Santo Ambósio, mas ter convertido Santo Agostinho. Somente essa conversão é um capítulo na História do mundo e na História da Igreja.

Se Santo Ambrósio fosse superficial, ele cessaria todos seus trabalhos para conquistar Santo Agostinho. Depois ele iria trabalhar desordenadamente; pior, minguaria seus livros e escreveria uns livrecos superficiais, para ter tempo de conversar com Santo Agostinho. Porém, confiante na Providência, no amor de Deus, na Igreja Católica, ele fazia o que estava dentro de suas possibilidades.

Confiemos também nós em Cristo. Seremos assim bem-aventurados e viveremos em paz.

Texto extraído, com adaptações, da Revista Arautos do Evangelho n.72, dezembro 2007.


[1] BENTO XVI. Audiência Geral, 24/10/2007

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