Santo Afonso Maria de Ligório
No dia 1º de agosto, comemora-se a memória de Santo Afonso Maria de Ligório, Bispo, advogado, escritor, músico, missionário, sacerdote, fundador, moralista, e Doutor da Igreja: são estas algumas das qualidades deste doutor da Igreja.
Redação (01/08/2024 08:00, Gaudium Press) Edificada sobre a sólida rocha das palavras de Nosso Senhor, a Santa Igreja é imortal. Ele mesmo o garantiu ao afirmar que as portas do Inferno não prevaleceriam contra ela (Mt. 16,18).
Para tal o Divino Redentor sempre suscita, em cada época, santos e santas que auxiliem a barca de Pedro a singrar os mares tempestuosos do século.
Poderíamos, assim, repassar todas as fases da história e ver como Deus sempre opõe ao inimigo infernal um santo que guie, proteja e ampare a Esposa Mística de Cristo.
O Santo que Deus enviou ao Século XVIII
O dia 27 de setembro de 1696 foi de grande alegria para a família fidalga dos Liguori, pois vinha à luz seu filho primogênito.
E algo peculiar ocorreu em seu natalício: mal fora posto no berço, já se revelava a missão que Deus confiaria ao pequeno: “Este filhinho há de chegar a extrema velhice, não morrerá antes dos noventa anos, será bispo e fará grandes coisas por Jesus Cristo”[1] – vaticinou o jesuíta Francisco de São Jerônimo, religioso agraciado por dotes sobrenaturais.
Seu pai, Giuseppe de Liguori, capitão-comandante das galés do rei de Nápoles, e sua mãe Anna Cavalieri se esforçaram desde o princípio para que o pequeno Afonso recebesse uma formação profundamente católica e muito vasta no campo das ciências, artes e retórica; e assim cresceu o pequeno: com doze anos ingressou na faculdade de Direito Civil e Canônico de Nápoles, da qual saiu formado quatro anos mais tarde, obrigando a faculdade a baixar a idade para a qual conferia o título de doutorado, obtendo desta maneira a láurea in utroque iuri.[2]
Depois de formado, adquiriu grande fama nos tribunais napolitanos; era neste ambiente que o Redentor o colheria para Seu serviço.
Certo dia estava o jovem advogado a defender a causa do duque de Gravina contra o duque de Toscana. Entrementes, por um pequeno erro, viu sua argumentação cair como um castelo de cartas, e, vislumbrando como as glórias deste mundo eram passageiras, saiu do tribunal dizendo: “mundo traidor, já te conheço: nada mais vale para mim!”[3] – saiu para nunca mais voltar. Ao chegar em sua casa fechou-se no quarto, onde ficou três dias em jejum meditando em frente a um Crucifixo. Após tal período de recolhimento Afonso despediu seus clientes e abraçou, em casa, uma vida religiosa, dedicando dias a fio à leitura e à oração, saindo apenas para cuidar dos doentes e para ir às igrejas, onde demorava-se, ao menos três horas, na adoração do Santíssimo Sacramento.
Um dia, enquanto visitava os pacientes do hospital, Afonso percebeu, em seu interior, algo diferente: o hospital parecia dar reviravoltas e, no meio desta confusão uma voz lhe sussurrou: “O que fazes ainda no mundo? Deixa-o e dá-te sem reservas a mim”. O santo não deu muita atenção a tal movimento interior e continuou no serviço dos doentes; não obstante, ao sair da sala em que se encontrava não só a voz se fizera mais sensível, mas também uma enorme claridade se lhe apresentou. Afonso, qual novo Saulo de Tarso, respondeu: “Senhor, muitas vezes já resisti a tua graça, eis-me aqui, fazei de mim o que quiserdes”[4], e imediatamente foi à igreja de Nossa Senhora da Mercês, onde faz uma consagração total a Deus e, como sinal de sua resolução, tirou sua espada e a depositou sobre o altar, aos pés da Virgem Imaculada.
A resolução de fundar uma ordem religiosa
O santo napolitano ingressou, após os fatos narrados, na sociedade dos missionários diocesanos de Nápoles, indo aos subúrbios e aos campos vizinhos para realizar missões, vendo desse modo qual era a situação do povo: por falta de verdadeiros e bons pastores que lhes ministrassem os sacramentos e lhes conferissem uma verdadeira formação viviam abandonados aos prazeres da carne e às falsas doutrinas que grassavam por aquela época, tais como o jansenismo e o quietismo.
Contudo sua entrada na religião não foi fácil; como sói acontecer com as almas que se decidem a seguir a Lei de Deus, o mundo que outrora aplaudia, louvava e exaltava o douto advogado não tardou em perseguir e caluniar sua decisão de abraçar as vias da virtude, chegando inclusive a afirmar que “Afonso enlouqueceu!”. No entanto, ele já não se preocupava mais com as opiniões do século, mas unicamente com a glória de Deus e o bem das almas, para o que escolheu trilhar a via do sacerdócio.[5]
E foi uma escolha realmente inspirada pela Providência, pois a bondade e mansidão com que Afonso, já sacerdote, atendia a qualquer um que dele se aproximasse não tardou em arrastar multidões ao confessionário; à sua caridade luzidia somava-se uma forma terna e comovedora de demonstrar a seus penitentes qual era o seu estado de alma. A afluência de pessoas era tal que se fez mister ao santo, não raras vezes, ter de passar não só o dia, mas inclusive parte da noite no confessionário.
Profundamente comovido por ver estas “ovelhas sem pastor”, após uma permanência em Scala, onde a miséria espiritual das almas era ainda maior do que as que até então vira, Afonso resolveu fundar uma instituição para a formação, instrução e salvação da grei abandonada.
Após consultar seu diretor espiritual, levou a cabo este ardente desejo, o qual, entre muitas vicissitudes, lutas e dificuldades realizou-se em 1731 com a fundação da ordem de contemplativos e, no ano seguinte, com a ordem de sacerdotes-missionários que receberam entre 1749-50 a aprovação pontifícia de Bento XIV. Ambas sociedades constituiriam uma única família espiritual.
Graças extraordinárias e milagres
Em meio a todas as lidas e esforços que Santo Afonso empreendeu pela causa de Nosso Senhor Jesus Cristo, a assistência sobrenatural não faltava. Muitas vezes, especialmente ao fazer prédicas sobre a Santíssima Virgem, Afonso era arrebatado em êxtase diante de toda multidão de assistentes, noutras ocasiões, enquanto o santo falava de alguma imagem de Nossa Senhora saiam raios luminosos que incidiam sobre sua face.[6]
Além destes fenômenos sobrenaturais que confirmavam suas palavras, muitos milagres ocorreram com ele ainda vivo.
Certa vez, ficou hospedado em uma casa e ao ir embora seus hospedeiros tomaram uma de suas calças – aliás, manchada de sangue por causa das penitências e macerações com as quais o santo se mortificava – como relíquia. Ora, nesta cidade havia um hidrópico sem possibilidades naturais de ter sua saúde restituída que, sendo revestido com a peça de roupa do santo, se viu imediatamente curado.
Conta-se também que, já próximo a sua morte, Santo Afonso, para atender ao pedido de seus discípulos e da população local, foi até a janela da casa em que se encontrava e com uma benção parou a erupção do Vesúvio que já estava cuspindo fumaça e lava. [7]
Últimos anos
Em 1762, um decreto papal mudou a vida de Santo Afonso Maria. Ele viu-se, a contra gosto, obrigado a aceitar o episcopado, ministério de que se utilizou para reformar os seminários, fazer guerra contra o laxismo dos sacerdotes, renovar a moral cristã e, nos momentos que sua saúde faltava, o que não era raro acontecer, dedicar-se ao estudo e a composição musical, permanecendo bispo até 1780, ano no qual iniciou-se um calvário ainda mais doloroso para ele.
Dir-se-ia que Deus premiaria alguém que por tantos anos O servira com um fim de dias em paz e repouso; porém, àqueles a quem realmente ama, Ele não permite um instante sem a possibilidade de aumentar em algo sua glória.
Os últimos anos de Santo Afonso foram cheios de afazeres: sem a diocese para cuidar, seus filhos espirituais recorriam a suas luzes, conselhos e direção, para quaisquer problemas, o que antes não faziam com tanta assiduidade. E ele foi provado, neste período com até mesmo traições, chegando a ser expulso da ordem que a custa de tanto sangue fundara.
Além destas labutas terrestres, o príncipe das trevas não poupou esforços para perdê-lo: muitas vezes aparecia fisicamente, sob formas variadas para lhe insuflar vaidade, orgulho e inclusive desejos carnais; Frente a estes ataques Santo Afonso fazia a única coisa que pode auxiliar nestas lutas: rezava. Uma vez, dentre muitas, o demônio se apresentou sob forma de um missionário afirmando que o mundo inteiro o conhecia e louvava, Afonso, para não ceder à vaidade fez um simples sinal da cruz e com este o tentador desapareceu.[8]
Contudo, “Deus qui ponit pondus, suponit manus”,[9] assim, nunca em sua vida Afonso foi agraciado com tantos êxtases quanto em seus derradeiros momentos. Frequentemente, ao estar frente as Santíssimo Sacramento o santo levitava e permanecia por longas horas neste estado.
Santo Afonso Maria de Ligório expirou no dia primeiro de agosto de 1787, deixando como tesouro à Santa Igreja a Congregação de Santíssimo Redentor, uma opera omnia com 110 obras, mas sobretudo um grande exemplo de santidade.
Por Marco Antonio
[1] Joaquim Silvério de Souza. O Apóstolo do Século XVIII: Sto. Affonso Maria de Ligório. p.31.
[2] Cf. Th Rey-Mernet, Afonso de Ligório, uma opção pelos abandonados, p.99-100.
[3] Joaquim Silvério de Souza. O Apóstolo do Século XVIII: Sto. Affonso Maria de Ligório.p.29.
[4] Cf. Joaquim Silvério de Souza. O Apóstolo do Século XVIII: Sto. Affonso Maria de Ligório. p.33-34.
[5] Cf. Id. p.39-40.
[6] Cf. Raimundo Telleria, Sto. Afonso Maria de Ligório, fundador, obispo e Doctor. p. 163 e Joaquim Silvério de Souza. O Apóstolo do Século XVIII: Sto. Affonso Maria de Ligório. p. 103-104.
[7] Cf. Joaquim Silvério de Souza, O Apóstolo do Século XVIII: Sto. Affonso Maira de Ligório, p. 104-106.
[8] Cf. Joaquim Silvério de Souza, O Apóstolo do Século XVIII: Sto. Affonso Maira de Ligório, p. 243-245.
[9] Do latim: “Deus que coloca o peso sustenta com a mão”.
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