Santa Ludmila da Boêmia
Santa Ludmila da Boêmia, cuja memória é celebrada no dia 16 de setembro, é padroeira do povo boêmio e se encarregou da educação de seu neto, São Venceslau. Foi assassinada por ordem de sua nora.
Redação (16/09/2023 06:18, Gaudium Press) Ludmila nasceu por volta do ano 860, em meio ao paganismo da cidade de Melník, centro da Boêmia. Sua família pertencia à mais alta linhagem local.
Quando a menina contava quatorze anos de idade, foi dada em casamento a Borzivógio, o primeiro príncipe do Estado Premislida, formado com a unificação das terras que hoje compõem a República Tcheca. Era a época em que o grande apóstolo dos eslavos, São Metódio, deitava todo o seu empenho na evangelização da região. Borzivógio, encantado com a Fé Católica, teve a honra e o mérito de ser o primeiro governante tcheco a receber as águas do Batismo. Também a jovem esposa quis ser batizada, assumindo os compromissos cristãos de maneira tão sincera e profunda que tomou por ideal de vida, juntamente com o marido, propagar a verdadeira Religião nos seus domínios.
Não foi uma tarefa simples, mas, impulsionados pelo fogo da fé, nenhum obstáculo os deteve. Promoveram missões de monges para pregar à população e incentivá-la à vida de piedade, empreendendo para isso a construção da primeira igreja na Boêmia, dedicada a São Clemente.
Aos poucos os frutos de seu apostolado se multiplicaram e, com eles, sobrevieram também as perseguições, sinal característico de que se trilha as vias de Nosso Senhor. O nobre casal chegou a ser exilado, devido à ação de pessoas influentes na corte ainda aferradas à idolatria.
Pouco tempo depois, Santa Ludmila e seu esposo conseguiram retomar o trono e, com ele, seu impulso em prol da expansão do Catolicismo.
Sagacidade na educação do neto
Quando uma fortaleza se mostra inexpugnável, o método mais eficaz de conquistá-la é penetrar discretamente em seu interior e, de dentro, começar a destruição… Essa foi a tática utilizada pelo demônio para tentar demolir o lar de Santa Ludmila.
O perigo despontou quando seu filho Vratislau casou-se com Drahomira de Lucsko, jovem que passaria para a História como mulher de “gênio altivo e brutal, acrescentando à impiedade, a crueldade e a perfídia”. Ela fingia simpatizar-se com o Cristianismo, porém, secretamente favorecia práticas idolátricas. Nem as exortações, o zelo ou sequer os bons exemplos do marido conseguiram dissuadi-la de suas maquinações.
Sabia a santa duquesa que isso não significava apenas uma possível divisão no trono ou na família, mas também um perigo iminente para a verdadeira Religião no ducado. Por esta razão, não demorou a agir: quando nasceu o segundo filho de Drahomira, pediu a tutela do primogênito, Wenceslau, pois nele discernira os predicados de um excelente soberano.
Assim, o pequeno foi morar no palácio de sua avó, em Praga. “Encarregou-se a virtuosa princesa de formar por si mesma aquele tenro coração, repartindo o cuidado de sua educação com um sábio preceptor, que lhe designou. Era este seu capelão, um sacerdote santo, de nome Paulo, que atendeu plenamente aos desejos da princesa nas lições que deu a Wenceslau para cultivar ao mesmo tempo seu entendimento com o estudo das letras, e seu coração com o amor e o exercício da virtude”. A essa formação o menino correspondeu tão perfeitamente que foi reputado como um dos príncipes mais capazes de sua época.
Ânimo resoluto em face dos reveses
Enquanto o neto ia se fortalecendo em sabedoria e virtude, a prudente avó vigiava, pois sabia que aquele período consistia na preparação para a grande batalha de sua vida, a qual imprimiria um rumo decisivo à nação que Deus lhe confiara.
Antes que a duquesa completasse quarenta anos de idade, seu esposo morreu em combate. Que faria ela sem a proteção e o apoio do fiel Borzivógio? Sempre resoluta, não duvidou um instante: continuaria lutando, pois, se a Providência tinha lhe dado a missão de propagar e defender o Catolicismo na incipiente Boêmia, com a graça de Deus ela levaria até o fim o encargo.
Sua primeira atitude consistiu em colocar à cabeça do ducado, depois de algumas contendas, seu filho mais velho, Espitigneu. Este continuou a obra iniciada pelos pais, assentando em bases católicas a nascente civilização. Governou por mais de vinte anos, até sua morte em 915, quando foi sucedido pelo irmão Vratislau.
Forte foi a influência de Santa Ludmila nesse período, mostrando-se firme com os revoltosos, mas, ao mesmo tempo, bondosa e cheia de misericórdia para com os fracos e aflitos que a ela recorriam. Com isto, a duquesa-mãe acabou se tornando o encanto dos tchecos, desde os altos cortesãos até os mais humildes membros do povo. Todos sabiam que aquela dama de alma férrea, implacável quando se tratava de defender o bem e castigar o mal, possuía um coração maternal, sempre disposto a acolher, perdoar e animar no caminho da virtude.
Entretanto, alguém se aborrecia com essa situação…
Luta contra a “nova Jezabel”
Há quem tenha comparado Drahomira à perversa Jezabel, que na sua sanha “massacrou os profetas do Senhor” (I Rs 18, 4). Com efeito, essa mulher odiava o Cristianismo e estava disposta a tudo para restaurar a religião pagã de seus ancestrais… Qual serpente à espreita do momento adequado para atacar, esperava uma oportunidade para desatar todo o seu furor.
A ocasião chegou com a prematura morte de seu bom marido Vratislau, no ano 921, durante uma batalha contra os húngaros. Iniciou-se então a mais árdua das provas pelas quais passou Santa Ludmila, verdadeiro enfrentamento entre o Cristianismo e o paganismo.
Como Wenceslau não possuía ainda idade para subir ao trono, Drahomira apoderou-se das rédeas do governo e, já sem o freio do esposo, deu livre curso a seu implacável ódio. Decretou o fechamento das igrejas e a suspensão dos serviços litúrgicos, proibiu todos os sacerdotes e professores cristãos de instruir o povo, depôs dos cargos públicos os magistrados católicos e, por fim, anunciou que os pagãos tinham o direito de matar os cristãos, mas estes não podiam tirar a vida de seus agressores, nem sequer em legítima defesa.
Santa Ludmila, reclusa no seu palácio em Tetín, em nenhum momento deixou-se abater pela dura realidade. Com admirável astúcia, manteve-se resoluta e serena, dando continuidade à formação de seu neto.
Mas Drahomira sabia bem qual era a árvore da qual provinham os melhores frutos do Catolicismo no ducado e queria extirpá-la pela raiz. Foi então que planejou minuciosamente uma sinistra insídia.
Martirizada aos pés do altar
Podemos imaginar a santa duquesa recolhida nos seus aposentos, especialmente pensativa numa manhã que despontava radiosa. À maneira de cenas, passavam-lhe pela mente todas as batalhas, todas as graças, cada uma das vitórias que o Altíssimo lhe concedera na gloriosa missão de conquistar almas para Ele. Entretanto, sentia que Deus pedia-lhe algo mais, um último passo, um holocausto supremo com o qual coroasse a sua militância neste mundo.
Pensava nisso quando, de repente, ouviu passos apressados, porém discretos, que se aproximavam. Era um emissário de muita confiança que lhe trazia notícias alarmantes: estavam tramando a morte dela. Com isto, compreendeu tudo. Tinha dedicado toda a sua vida à luta aqui na terra, agora iria oferecer a Deus a morte, para continuar batalhando do Céu.
Assim, empregou o tempo que lhe restava em desfazer-se por completo dos bens desse mundo, pagando com generosidade aos criados os serviços prestados e distribuindo as demais riquezas aos pobres.
Certa tarde daquele ano de 921 – segundo alguns autores, um sábado, 15 de setembro; na opinião de outros, o domingo, dia 16 –, Santa Ludmila confessou-se e entrou na capela do castelo, onde manteve-se prostrada por algum tempo diante do altar. Recebeu a Sagrada Eucaristia e permaneceu em profunda oração. Enquanto renovava seu oferecimento ao Senhor, irromperam no recinto dois assassinos, pagos por Drahomira, os quais descarregaram todo seu furor sobre a Santa, enforcando-a com seu próprio véu. Assim recebeu a palma do martírio essa intrépida dama, à idade de sessenta e um anos.
Grande regozijo apoderou-se da nova Jezabel; porém, não durou muito. A duquesa-mártir foi sepultada perto do castelo em Tetín, e não tardou em espalhar-se a fama de sua santidade. Junto ao túmulo, muitos milagres começaram a ocorrer. Via-se sobre ele uma forte luminosidade e, à noite, um perfume se espargia pelo entorno. Era como que a voz do Céu lembrando a imortalidade de Deus, enchendo de fé os bons e aterrorizando os maus.
Reflexo da Rainha do Céu e da terra
Tendo atingido a idade necessária, São Wenceslau assumiu o governo da Boêmia. Um de seus primeiros atos como soberano foi exilar sua mãe e seu irmão mais novo – Boleslau, de mesma índole que a progenitora – a uma província afastada, e promover um grandioso translado dos restos de sua avó à Igreja de São Jorge, em Praga.
Conta-se que foi o próprio Deus quem Se encarregou de vingar o sangue desta sua tão predileta combatente: certo dia, Drahomira passava perto de um local onde havia mandado executar inúmeros cristãos, quando o solo se abriu e ela foi engolida viva.
O jovem duque dedicou-se com afinco ao restabelecimento da ordem tumultuada pelos anos de despotismo da sanguinária Drahomira, alcançando tanto êxito nessa tarefa, por sua sabedoria e prudência, que em pouco tempo transformou-se num modelo de monarca cristão. Seu nome atravessa os séculos nimbado de glória, proclamando o quanto o Senhor não defraudou as esperanças daquela que o formara para a luta como verdadeira mãe!
Assim, o exemplo da santa padroeira do povo boêmio reflete na História o brilho d’Aquela que, tendo-Se como humilde “escrava do Senhor” (Lc 1, 38), confiou nos altíssimos desígnios de Deus a ponto de ser coroada como Rainha do Céu e da terra, dos Anjos e dos homens, tornando-Se para os infernos “temível como um exército em ordem de batalha” (Ct 6, 4)!
Texto extraído, com adaptações, da Revista Arautos do Evangelho n. 237, setembro 2021. Por Ir. Antonella Ochipinti González, EP.
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