Sagrada Família
Uma família constituída em torno da Lei divina jamais se afastará de Deus. As bênçãos e as graças divinas pairam sobre ela.
Redação (30/12/2022 09:51, Gaudium Press) Após o Natal, a Santa Igreja reserva um dia específico para festejar a Sagrada Família, convidando-nos a refletir sobre o valor e o verdadeiro sentido da instituição familiar.
Ela é a célula-mãe, o fundamento da sociedade, e se hoje assistimos a uma tremenda crise moral na humanidade, isso se deve em certa medida à desagregação da família. Abalada esta, o resto da sociedade não se sustenta.
Lemos no Gênesis que, depois de criar o homem e a mulher, Deus abençoou-os e lhes disse: “Frutificai e multiplicai-vos” (Gn 1,28). Homem e mulher: era a primeira família, formada por mãos divinas. Esta união é tão adequada à natureza humana que, no Antigo Testamento, não se compreendia o celibato, pois quase equivalia “a cometer um homicídio, a diminuir no mundo a semelhança divina”,[1] salvo no caso de vocações muito especiais como, por exemplo, a de Santo Elias. Não ter filhos e morrer sem descendência era considerado um sinal de castigo e de maldição.
Já no Novo Testamento, Nosso Senhor Jesus Cristo inaugurou um novo estado de vida, o celibato religioso, do qual Ele próprio é o sublime arquétipo. Também São João Batista, o varão que desfechava o Antigo Testamento e apontava para o Novo, não se casou. Entretanto, uma vez fundada a Igreja, era preciso haver uma noção mais clara e sólida da religiosidade da família, tendo representado um enorme benefício a existência, ao lado desta, de quem se consagrasse inteiramente a Deus pela prática da castidade perfeita. Deste modo, coíbe-se a tendência do homem de satisfazer seu egoísmo, de se voltar só para o que é material e sensível, esquecendo-se de Deus.
A finalidade da família
Como o desígnio de Deus para a generalidade das pessoas é que o homem se una à mulher em casamento para constituírem um lar, a vocação ao celibato é uma exceção aos padrões da natureza. No entanto, por ocasião da vinda de Nosso Senhor Jesus Cristo, a família adquire caráter sobrenatural pela elevação da união matrimonial, contrato natural entre um homem e uma mulher, à categoria de Sacramento, simbolizado na misteriosa e indissolúvel união entre Cristo e sua Igreja. Isto contraria a ideia errada, em voga na atualidade, de que a família não tem um objetivo religioso, mas apenas social ou afetivo.
São Paulo, na segunda leitura da liturgia de hoje, insiste no amor mútuo – conceito atualmente tão deturpado ― como uma novidade trazida por Nosso Senhor Jesus Cristo:
“Como o Senhor nos perdoou, assim perdoai também. Mas, sobretudo, amai-vos uns aos outros, pois o amor é o vínculo da perfeição” (Col 3,12-14).
Dentro do convívio familiar deve existir um amor intenso entre esposo e esposa, nem sentimental nem romântico, decorrente do amor a Deus e visando antes de tudo a santificação do outro cônjuge e, por conseguinte, de toda a família.
Por sua vez, o salmo responsorial sublinha um outro dever familiar:
“Felizes os que temem o Senhor e trilham os seus caminhos!” (cf. Sl 127, 1)
Este Salmo nos põe no contexto da relação familiar, que precisa ser pervadida por esse temor de Deus: pai, mãe e filhos jamais quererão ofendê-Lo! Esta é a família bem constituída, imitadora da Sagrada Família.
Uma família assim composta, jamais se afastará de Deus. As dificuldades virão – esta verdade é inegável –, pois é impossível ― ao contrário da ideia divulgada por certos filmes ou novelas ― viver sem dificuldades. “Militia est vita hominis super terram ― A vida do homem sobre a Terra é uma luta” (Jó 7, 1). Eis a verdadeira chave da felicidade familiar: o respeito recíproco entre os esposos. Nunca discutirem ou se desentenderem, sempre dispostos a perdoar as fraquezas mútuas, a suportar as diferenças temperamentais, adaptando-se às preferências do outro.
A família em torno da Lei de Deus
Eis o aspecto maravilhoso da família quando se desenvolve em torno de um eixo: a Lei de Deus, o próprio Deus.
A Igreja nos propõe nesta festa litúrgica o inigualável exemplo da Sagrada Família: São José, obediente, de nada se queixa; Nossa Senhora toma os reveses com inteira cordura e submissão; e o Menino Jesus Se deixa conduzir e governar por ambos, sendo Ele o Criador do Universo. Nós também devemos, portanto, ser flexíveis à vontade de Deus e estar dispostos a aceitar com doçura de coração, com resignação plena e total, os sofrimentos que a Providência exigir ao longo de nossa vida.
Esta atitude diante da cruz é a raiz da verdadeira felicidade, bem-estar e harmonia familiar, e atrai sobre cada um de nós graças especialíssimas que nos restauram as almas, curando-as das misérias e firmando-as rumo ao Céu.
Peçamos à Sagrada Família que, por sua intercessão, floresça nas famílias de toda a Terra a sólida determinação de abraçar sempre mais a via da santidade, da perfeição e da virtude, buscando em primeiro lugar o Reino de Deus e de Maria, na certeza de que, em compensação, o resto virá por acréscimo.
Por Guilherme Motta
Extraído, com adaptações, de: CLÁ DIAS, João Scognamiglio. O inédito sobre os Evangelhos: comentários aos Evangelhos dominicais. Città del Vaticano-São Paulo: LEV-Instituto Lumen Sapientiæ, 2012, v. 1, p. 135-147.
[1] BONSIRVEN, Joseph. Le judaïsme palestinien au temps de Jésus-Christ. 2. ed. Paris: Gabriel Beauchesne, 1935, t. II, p. 207.
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