Quando, como e quanto perdoar?
O segredo para saber perdoar é o amor a Deus. O limite do perdão é perdoar sem limites.
Redação (16/09/2023 20:49, Gaudium Press) Hoje em dia, consideram-se como atos de justiça os castigos infligidos a autores de crimes, mas nem sempre isto foi assim. Na antiga Mesopotâmia, por exemplo, as penas eram atos de vingança. Por vezes, nem mesmo a morte constituía o fim das punições: estas atingiam intensidades propriamente bárbaras, que não ousamos sequer mencionar neste artigo.[1] Neste contexto, até mesmo a famosa “pena de Talião” – olho por olho e dente por dente – era uma tentativa de mitigar um pouco a fúria das represálias.
Ora, a sociedade na qual viveu Nosso Senhor regia-se por semelhantes princípios, pelo que se compreende a pergunta feita por São Pedro ao Divino Mestre na liturgia de hoje:
“Senhor, quantas vezes devo perdoar se meu irmão pecar contra mim? Até sete vezes?” (Mt 18,21)
O limite do perdão
Para São Pedro, perdoar até “sete vezes” já era uma obra homérica.[2] Pois bem, Nosso Senhor lhe responde que não se deve perdoar apenas “sete vezes”, mas até “setenta vezes sete” (cf. Mt 18,22). Diz São João Crisóstomo que, com essa expressão, Jesus não pretende “fixar um número, mas sim dar a entender que se deve pedoar ilimitadamente, continuamente e sempre”.[3] Fica claro, assim, que o limite do perdão é perdoar sem limites. Mas Nosso Senhor ainda exemplifica tal verdade com uma parábola realmente magistral.
Havia um empregado que devia a seu patrão uma enorme fortuna. Quando o patrão foi acertar as contas com os empregados, este pobre endividado suplicou-lhe misericórdia. De fato, ele estava prestes a ser lançado na prisão com toda a sua família. O patrão compadeceu-se dele e perdoou toda a sua dívida. Quando o empregado saiu à rua, encontrou um companheiro que lhe devia apenas cem moedas, valor este, muito ínfimo em comparação ao que ele devia ao seu patrão. O empregado então, negou-se a perdoá-lo da dívida, agrediu-o e ainda mandou lançá-lo na prisão, junto com a sua mulher e os seus filhos. Vendo isso, os outros companheiros foram comunicar ao patrão o fato, o qual fê-lo encolerizar-se com o empregado insolente, jogando-o na prisão até que pagasse toda a sua dívida (cf. Mt 18,23-34).
Ao concluir a parábola, Nosso Senhor diz:
“É assim que meu Pai fará convosco se cada um não perdoar de coração ao seu irmão” (Mt 18,35).
Há uma contradição na parábola?
O que nos convida Nosso Senhor ao contemplarmos este Evangelho do 24° domingo do Tempo Comum? Sem dúvida, para que aumentemos nossa capacidade de perdoar, pois seremos perdoados na medida em que perdoarmos aos outros. Aliás, é o que pedimos na oração do Pai Nosso: perdoai-nos as nossas ofensas assim como nós perdoamos os quem nos tem ofendido – convém rezarmos com atenção este trecho, porque Deus escuta nossos pedidos…
Entretanto, uma dúvida poderia surgir ao considerar o Evangelho de hoje: na parábola descrita acima, parece haver uma contradição: Nosso Senhor diz que devemos perdoar sempre. Inicialmente, o próprio patrão perdoa a imensa dívida do empregado. Mas os companheiros, vendo a infâmia cometida pelo servo insolente, não o perdoam e contam tudo ao patrão. Onde está, então, o “perdoar até setenta vezes sete”? Por que eles não tiveram piedade de seu irmão?
De fato, é necessário fazer uma distinção. Quando a ofensa é contra nós, devemos perdoar sempre; mas, quando ela é feita contra Deus, devemos desejar que seja feita a justiça. Com efeito, nosso perdão aos outros deve ser feito por amor a Deus. Ora, se realmente amamos a Ele, cumpre-nos detestar o pecado e desejar que se restabeleça a ordem que fora transgredida pela falta cometida. No caso da parábola, o aspecto mais grave do pecado do empregado não foi o de não ter perdoado o seu companheiro, mas sim o fato de ele ter cometido uma enorme ingratidão em face ao perdão que acabava de receber. Comparecendo outra vez diante do patrão, recebeu em justiça o que não quis aceitar em misericórdia…
O segredo para saber quando, como e quanto perdoar é o amor a Deus. Amemos a Deus sem limites para participarmos tanto de sua misericórdia quanto de sua justiça.
Por Lucas Rezende
[1] WEISS. Juan Bautista. Historia Universal. Barcelona: La Educación, 1927, v. 1, p. 509.
[2] Cf. LAGRANGE, Marie-Joseph. Évangile selon Saint Matthieu. 4. ed. Paris: J. Gabalda, 1927, p. 358.
[3] JOÃO CRISÓSTOMO, Santo. Homilía LXI, n. 1. In: Obras. Homilías sobre el Evangelio de San Mateo (46-90). 2. ed. Madrid: BAC, 2007, v. 2, p.269.
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