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Qual o tamanho da sua cruz?

“As cruzes grandes assustam, mas são raras. As pequeninas acompanham-nos por toda parte. Não damos um passo sem as encontrar. Uma palavrinha seca, um olhar indiferente, uma pequenina dor, um contratempo, uma pessoa importuna, a chuva, o vento, a falta de qualquer objeto, são tantas pequeninas cruzes e aborrecimentos no curto espaço de um dia!”[1]

Foto: Joshua Earle/ Unsplash

Foto: Joshua Earle/ Unsplash

Redação (04/05/2023 10:16, Gaudium Press) Uma das coisas mais difíceis de se encontrar é um ser humano que esteja completamente à vontade com a vida que tem. Reclamamos por hábito, seja do sol, da chuva, do frio, do calor, da escassez, da doença, do muito e do pouco. Reclamamos porque parece ser essa a nossa condição na vida, reclamar sempre. E, de tanto reclamar, até do pouco sofrimento nós nos lamentamos.

Quantas pessoas há que acham a sua vida entediante, chegando a afirmar que estão abandonadas por Deus, por não experimentarem grandes tragédias e sofrimentos? Pessoas que acreditam que nasceram para sofrer e lamentam que o sofrimento não vem. Se alguém lhes diz que tem uma doença, elas têm duas; se alguém enfrenta uma dificuldade, a delas é maior. E o seu desejo é que as coisas piorem ainda um pouco mais, que sejam afligidas por grandes calamidades e tormentos; só assim acreditarão que serão dignas do amor de Deus. Muito cuidado, pois essa megalomania pode atingir a qualquer um de nós!

Nada garante que, se Deus, de fato, lhes mandasse uma prova de peso, elas não sucumbiriam, mas, exatamente por não terem experimentado grandes dores, elas se sentem injustiçadas e incompletas, e entendem que só pode haver amor na dor; se não sofrem muito, pensam que não são importantes para Deus.

No entanto, enquanto suspiram por grandes martírios – que talvez lhes servissem mais para parecerem piedosas e vítimas expiatórias aos olhos dos outros do que para cumprirem a vontade de Deus – tornam-se verdadeiras tiranas, de insuportável convívio diante das pequenas contrariedades do dia a dia, que elas prefeririam não ter.

Um contratempo, uma pessoa importuna

Fazendo a minha leitura diária do Breviário da Confiança de Mons. Ascânio Brandão – oportuno presente de meu filho –, li com atenção as palavras que falam exatamente sobre isso: “As cruzes grandes assustam, mas são raras. As pequeninas acompanham-nos por toda parte. Não damos um passo sem as encontrar. Uma palavrinha seca, um olhar indiferente, uma pequenina dor, um contratempo, uma pessoa importuna, a chuva, o vento, a falta de qualquer objeto, são tantas pequeninas cruzes e aborrecimentos no curto espaço de um dia! Por que havemos de nos impacientar com isso e aspirar a sofrimentos, grandes perseguições etc, que talvez nunca teremos que experimentar?”

No curto espaço de um dia, com nossas pequeninas cruzes, temos a oportunidade de exercitar o amor a Deus e a resignação. Muitas vezes, precisamos cultivar a paciência, a boa vontade, a humildade, a modéstia. Mas insistimos que aquilo tudo é muito pouco, e nos contrariamos; não raro, viramos pequenos tiranos domésticos e pessoas de convivência insuportável.

Muitos vivem como se não vivessem, amam ler as histórias dos mártires e se afeiçoam a pessoas com problemas aparentemente insolúveis. Aquilo sim que é cruz! Aquilo sim que é martírio!

No entanto, a nossa maior cruz pode ser composta de pequeninos nadas que Deus espera que consigamos superar. Deus sabe o que faz, e todas essas cruzinhas insignificantes podem ser exatamente o que precisamos para crescermos espiritualmente, para treinarmos a humildade e a modéstia e darmos exemplo de fé para nossos irmãos.

Monsenhor Ascânio nos conta que Santa Teresinha amava as pequenas cruzes de maneira especial. “Fiz consistir minhas penitências em quebrar a minha vontade, reter uma palavra de réplica, prestar pequenos serviços sem dar a entender que o faço.”

Nas pequenas contrariedades, nós podemos rezar uma Ave-Maria, uma jaculatória, fazer uma vênia, pensar em Deus. Avaliem, ao longo de um dia, quantas dessas oportunidades nos surgem! Que rica seria a nossa jornada se, a cada pequenina insatisfação déssemos glória a Deus! Estaríamos, assim, o dia todo em sua presença, comungando o seu amor, rogando pequenas doses de força para vencermos os pequenos desafios.

Nossa estrada para o céu

Uma grande prova, como uma doença grave, uma perda significativa, uma perseguição, pode ser algo para o qual não estejamos preparados e, em vez de nos aproximar mais de Deus e do tão almejado Céu, acabe por nos causar revolta, fazendo-nos perder a nossa salvação, que é conquistada aos pouquinhos, a conta-gotas.

Pode ser que nos imaginemos mais agradáveis a Deus arrastando uma cruz pesada num dia de céu azul, enquanto que nos custa tanto aceitar uma manhã de chuva quando temos uma roupa para pôr no varal, um pequeno percurso a fazer e acabamos por molhar os pés.

Podemos imaginar que uma enfermidade que nos retenha num leito de dor faça mais pela nossa alma do que alguém a quem somos gentis e prestativos e sequer consegue nos dizer um obrigado. A amputação de um membro pode nos parecer mais digna do que uma unha encravada; no entanto, suportar esse pequeno tormento pode testar com muito mais precisão a nossa paciência.

São muitas coisinhas, muitas cruzinhas, muitas insignificâncias que compõem um grande todo e pavimentam a nossa estrada para o Céu, desde que as aceitemos de bom grado, com acolhimento e alegria. Mas, se não podemos aturar o açougueiro que nos responde mal, a condução que atrasa, o chefe que ignora um trabalho que fazemos, um filho que nos desobedece, como iremos suportar uma cruz que nos esmaga sob o seu peso, um tormento que nos aniquila, um deserto onde Deus parece ausente?

Que alegria damos a Deus na simplicidade de uma vida comum, nos desaforos que ignoramos, nas lágrimas que engolimos, no pequeno desapontamento que superamos! Pensemos em Maria que suportou grandes tormentos, mas que também transbordou de paciência e esperança nas muitas pequeninas dores de sua vida. Ela não carregou a cruz, mas suportou a ausência dos amigos do seu Filho; Ela não caiu sob o peso do madeiro, mas aceitou ficar à distância, sofrendo ao presenciar a dor do Filho.

Quantas vezes Ela deve ter preparado o prato de Jesus sem que Ele tivesse vindo fazer a refeição em sua companhia! Quantas vezes Ela deve ter ido até a cama do Filho, tarde da noite, apenas para constatar que Ele não voltara para casa! E, quantas vezes Ela não deve ter ouvido murmúrios e imprecações a respeito dEle, de pessoas próximas, até mesmo de pessoas da família, que não entendiam a sua excelsa missão?

É impossível imaginar Maria irritada, contrariada ou reclamando do que quer que fosse.

Ajamos assim também nós, aceitando os pequenos desafios, as pequenas contrariedades para “completar na minha carne — como diz o Apóstolo São Paulo — o que falta aos sofrimentos de Cristo”. Precisamos cumprir a nossa missão, estando onde realmente devemos estar, sem menosprezar o que somos e o que recebemos, porque o tamanho da cruz Deus nos dá de acordo com o tamanho de nossas forças.

 

Por Afonso Pessoa     


[1] BRANDÃO, Ascânio, Mons. O breviário da confiança: Cruzes pequeninas. 3 ed. P. 114. Lorena: Cléofas, 2014.

 

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