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Os sacrifícios do Antigo Testamento (II): Os Sacrifícios Pacíficos

Este ato celebrado ante Yahvé vinha estreitar ainda mais as relações do povo com seu soberano, e de ambos com Deus.

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Redação (12/02/2024 16:00, Gaudium Press) Seguindo a sequência do livro do Levítico, encontramos, no 3º capítulo, a descrição do cerimonial da segunda classe de sacrifícios realizados no Templo de Jerusalém, os chamados Sacrifícios Pacíficos:[1]Quando alguém oferecer um sacrifício pacífico, e quiser oferecer gado, macho ou fêmea, oferecerá um que seja sem defeito ao Senhor. Ele porá a mão sobre a cabeça da vítima, e a imolará à entrada da tenda de reunião” (Lv 3,1-2).

Ao designar este tipo de oferenda a Yahvé, a Bíblia hebraica se utiliza dos vocábulos “Zebah Selámim” (זבה שגמים), ou, simplesmente, dos termos “Zebah” (זבה) ou “Selámim” (שגמים), este último relacionado ao vocábulo Salom (“paz”) o qual provém de Salâm, que, por sua vez, designa a condição daquilo que está inteiro, completo, são e salvo, em estado de prosperidade. Assim sendo, é compreensível que encontremos na tradução bíblíca dos LXX as expressões “Θυσία σωτερίου” (Sacrifício de Salvação) e “Θυσία είρηνική” (Sacrifício pacífico).

Referindo-se a este tipo de sacrifício, o historiador hebreu Flávio Josefo o traduz por “Θυσίαι χαριστηρίαι” (sacrifício eucarístico ou de ação de graças),[2] pois “tanto o seu ritual quanto a sua prática definem esta oblação como aquele que dá graças a Deus e procura a união com Ele”. [3]

Ritos com características comuns

Em Israel, três eram as classes de rituais próprios aos Zebah Selámim. Os Sacrifícios de louvor,[4] em hebraico chamados de Tódah (תןדה), que tinham por finalidade única a glorificação a Deus. Semelhante era a finalidade dos Sacrifícios espontâneos,[5] ou Nedábah (נדבה), oferecidos independentemente de qualquer promessa ou prescrição. Já nos Sacrifícios VotivosNeder (נדך) –, o oferente cumpria algum voto feito previamente. [6]

Para estes três tipos de sacrifícios, os ritos possuíam características comuns: as vítimas não eram inteiramente queimadas, somente as suas partes gordurosas. Os demais membros eram repartidos entre o sacerdote e o oferente. Tais peculiaridades fazem com que os sacrifícios pacíficos sejam considerados inferiores aos “holocaustos”, onde a oferta era completamente consumida pelo fogo em honra do Senhor.

Sua prática e a repartição da vítima

O rito se iniciava como um sacrifício de holocausto. O oferente pousava as suas mãos sobre a cabeça da vítima e logo a degolava à entrada do santuário. Os sacerdotes conduziam ao altar a parte que era oferecida a Deus: o sangue e toda a parte gordurosa do animal, consideradas pelos judeus a parte vital dos seres animados,[7] cuja existência se deve ao beneplácito do Criador.

Quanto às carnes da vítima, o oferente as recolhia não sem antes haver dado ao sacerdote, como estipêndio de seu ministério, o peito e a coxa direita. O peito por ser o membro que protege as partes vitais do animal, e a pata direita, a porção mais substancial. Esta entrega se realizava em uma pequena cerimônia repleta de significados: o oferente, com os pedaços das vítimas nas mãos fazia um movimento até o altar, como se quisesse depositá-los sobre ele, e o sacerdote tomava estes fragmentos como recebidos de Deus.[8]

Por fim, quem ofertava ficava obrigado a banquetear-se com sua família, alimentando-se das demais carnes da vítima no prazo máximo de dois dias. O que sobrasse deveria ser consumido pelo fogo.

Conta-se que durante os reinados de Davi e de seu filho Salomão, nos dias das grandes solenidades nacionais, aprazia a ambos monarcas realizar quantidades incontáveis de Zebah selamim, cujas partes correspondentes eram consumidas pelo povo. Aquele ato celebrado ante Yahvé vinha estreitar ainda mais as relações do povo com seu soberano, e de ambos com Deus. E por isso é que o Livro do Deuteronômio insiste tanto em recomendar a concorrência ao santuário principal para oferecer tais sacrifícios.[9]

O Código Sacerdotal, entretanto, suprimiu quase totalmente os sacrifícios pacíficos das solenidades públicas, reservando-os para os cultos privados em ação de graças por um voto, donde o qualificativo de eucarístico.[10]

Por João Pedro Serafim


[1] Para leitura do primeiro artigo da série, cf.: https://gaudiumpress.org/content/os-sacrificios-do-antigo-testamento-o-holocausto/

[2] Cf. COLUNGA, Alberto; GARCIA CORDERO, Maximiliano. Biblia comentada: Pentateuco. Madrid: BAC, 1960, p. 635. (Trad. pessoal).

[3] Cf. DE VAUX, Roland. Instituciones del Antiguo Testamento. Barcelona: Herder, 1976, p. 531. (Trad. pessoal).

[4] Cf. Lv 7,12-15.

[5] Cf. Lv 7,16-17.

[6] Cf. DE VAUX. Op. cit., p. 531.

[7] Cf. DE VAUX. Op. cit., p. 531.

[8] Cf. COLUNGA; GARCIA CORDERO. Op. cit., p. 636.

[9] Cf. ibid., p. 637.

[10] Cf. ibid., p. 636.

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