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Onde foram parar as beatas?

 Era comum vermos muitas senhoras nas missas, senhoras que chegavam antes, a tempo de rezar um terço, e geralmente ocupavam os primeiros bancos. Senhoras prestativas, sempre dispostas a ajudar os padres, acolitar as missas e prestar serviço em alguma pastoral.

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Redação (17/04/2023 14:58, Gaudium Press) Moro perto da minha sogra e tenho o costume de cumprimentá-la todas as noites, antes de ir para casa. Ela geralmente dorme tarde, portanto, mesmo nos dias em que eu me demoro mais no trabalho, ainda a encontro acordada. Ela sempre está sentada no sofá, com a porta entreaberta e, até algum tempo atrás, era normal encontrá-la entretida com o crochê que distrai e acalma, produzindo peças muito bonitas. Bem, pelo menos a distraía, acalmava e produzia peças bonitas…

Infelizmente, isso já não é assim. Suas linhas e agulhas estão esquecidas em um canto qualquer e dificilmente ela percebe a minha presença quando chego. Sua distração é tão grande que preciso chamar alto ou fazer qualquer barulho para que ela volte para a realidade e me dê um apressado boa noite. Comecei a perceber que essa interrupção a incomoda, então, apenas passo pela porta entreaberta de sua sala, se ela estiver olhando, cumprimento-a, senão, sigo em direção à minha casa.

No começo, os idosos costumam resistir

Minha sogra tem quase 80 anos e, há uns dois anos, ela descobriu a internet e se mudou para dentro do seu celular. Quando ganhou o aparelho, durante algum tempo, resistiu em usá-lo, mas, para convencê-la a utilizar a tecnologia, o filho que a presenteou mostrou-lhe que era possível aprender a fazer novas peças de crochê pela internet. Ela teve dúvidas; no começo, se perdia, começava a ver um vídeo ensinando algum ponto novo de crochê e, de repente, saía da tela e não conseguia voltar, então, corria para a minha casa a fim de pedir ajuda. Até que foi pegando o jeito.

Do crochê, passou para as receitas, e é admirável ver que aquela senhora que cozinhava tão bem, uma comida simples, de tempero inigualável, apreciada por todos da família, agora, até para o trivial usa os conselhos da internet – e nem sempre a experiência é boa. Uma vez resolveu fazer um escondidinho de batata, seguindo os passos ensinados na internet e ficou horrível. O dizer sutilmente para ela que não ficou tão bom como o que ela faz sem receita rendeu quase um mês de relações cortadas…

Do crochê e da culinária, ela descobriu as redes sociais. Quase não acreditou quando viu que podia falar com parentes e com as amigas pela telinha e, dá-lhe conversa! Hoje ela vê de tudo e domina a rede melhor que eu. Votou influenciada por fake news e baseia muitas de suas opiniões nas notícias que lê e nas mensagens que recebe. Passa o dia inteiro conversando no mundo virtual e mal tem tempo de trocar duas palavras com seus familiares na vida real.

Seduzidos pela internet, deixam até de ir à missa

Ela costuma dizer que “descobriu o mundo”; só não percebe que este mundo que descobriu a sugou para dentro dele. À missa, faz muitos meses que ela não vai. Abriu uma exceção no Domingo de Ramos porque um dos filhos veio buscá-la cedo. Porém, mal chegou e já estava nas redes, postando sobre a missa. E, claro, reclamando que foi muito longa.

Contar essa história familiar poderia ser até inadequado, afinal, vocês, leitores, não estão aqui para saber detalhes banais da minha vida, mas o faço, porque o que acontece com a minha sogra faz parte de um fenômeno. Até algum tempo atrás, era normal reclamarmos com os jovens por ficarem muito tempo no celular e não darem atenção à família. Agora os idosos também exibem esse comportamento.

É algo que seduz, depois gruda, envolve e aprisiona. Várias vezes a minha sogra pede a um dos filhos que traga um marmitex para o meu sogro, que tem dificuldade de mobilidade devido a um AVC e passa a maior parte do tempo acamado. Ela alega que não está disposta a fazer comida naquele dia, mas, na verdade, não está disposta a deixar o aparelhinho. Os filhos trazem comida para os dois, mas ela mal toca na dela e, quando o faz, é com o celular ao lado. Observar isso me alerta sobre o perigo que a tecnologia oferece. Ela é ótima e facilita muito a nossa vida quando estamos no domínio, mas é um perigo quando tem o domínio sobre nós, e isso tem acontecido cada vez com mais frequência.

As consequências são sérias

E há um resultado sério e muito lamentável: os bancos das igrejas ocupados pelas beatas estão ficando vazios. Era comum vermos muitas senhoras nas missas, senhoras que chegavam antes, a tempo de rezar um terço, às vezes, até um rosário e, geralmente, ocupavam os primeiros bancos. Senhoras prestativas, sempre dispostas a ajudar os padres, acolitar as missas e prestar serviço em alguma pastoral. Até mesmo fora dos horários de missa era comum ver uma ou outra ajoelhada, rezando sozinha por horas ou então se reunirem em grupo para rezar o terço, visitar aos doentes e ministrar a Eucaristia.

Contudo, de uns tempos para cá, as beatas estão desaparecendo, diminuindo a sua frequência à igreja, deixando morrer aquele espírito colaborativo. Algumas, para desencargo de consciência, alegam que assistem às missas pela internet. É uma possibilidade válida, obviamente, mas deve ser usada apenas como uma alternativa quando motivos de força maior nos impedem de assistir à missa presencialmente. A missa televisionada ou transmitida pela internet não substitui, de maneira alguma, a missa presencial.

A importância da ação das beatas

O professor Plinio Corrêa de Oliveira, a quem gosto de citar, pela admiração que tenho por sua linha de pensamento e zelo pelas coisas da fé, costumava aludir com muito respeito ao beatério. Em uma das Vias-sacras que compôs, às beatas ele assim se referiu:

“Beatério, quantas vezes esta palavra se pronuncia com desprezo e dureza, para designar as pessoas que se assinalam e se distinguem pela sua assiduidade aos pés de vossos altares tantas vezes abandonados, na frequentação das cerimônias religiosas durante as quais, por vezes, sem elas as igrejas teriam ficado quase vazias.”

Infelizmente, diversas igrejas têm ficado vazias, porque as beatas já não estão lá. O texto do prof. Plinio diz ainda que “com chuva ou bom tempo, ei-las que se esgueiram pelas sombras da madrugada ou do crepúsculo, com passo apressado. Vão para a igreja. Muitas vão depressa, porque têm de trabalhar, ou em casa, ou fora. Rezam. E sua oração é por vezes tão agradável que, sem aquilo que pejorativa e injustamente se convencionou chamar beatério, seria muito mais infeliz qualquer grande cidade de pecadores de nossos dias”.

Infelizmente, se dependerem das orações compenetradas dessas fiéis senhoras, que se dedicavam de muito bom grado às orações e às coisas de Deus, as grandes e as pequenas cidades continuarão indo de mal a pior.

A presença e atuação das beatas serviam de sustentação e apoio até mesmo para os sacerdotes, que podiam contar com os préstimos dessas boas mulheres em suas orações e em muitas formas de auxílio dentro das paróquias. Hoje, quando olham para as assembleias das igrejas, muitos deles devem lamentar e se perguntar, silenciosamente: “Onde foram parar as beatas? O que está acontecendo com a fé?” Será esse mais um triunfo do inimigo de Deus?

Por Afonso Pessoa

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