O século de São Bernardo
São Bernardo de Claraval levou uma vida de luta e oração. No momento em que exalou o último suspiro, Nossa Senhora veio buscar sua alma virginal.
Redação (24/05/2023 19:33, Gaudium Press) Após sua batalha vitoriosa contra os hereges no Sul da França, o varão de Deus regressou à Claraval, porém, outra missão árdua se lhe apresentou. O Arcebispo de Tréveris – Oeste da Alemanha – chegou à Abadia e, após se prosternar diante de São Bernardo, expôs-lhe um grave problema com o qual se defrontava.
Metz – Leste da França – e Tréveris se encontravam em guerra e já haviam morrido 2.000 pessoas. Acrescentou o arcebispo que somente Bernardo poderia alcançar a paz.
O Santo estava com 63 anos de idade e sofria algumas enfermidades. Movido pelo amor a Deus e ao próximo, ele acompanhou o arcebispo nessa penosa viagem, em janeiro de 1153.
À sua chegada, os dois partidos estavam frente a frente, nas margens opostas do Rio Moselle. São Bernardo conversou longamente com os líderes de ambas facções, mas eles não quiseram entrar em concórdia, só pensavam em recorrer às armas.
Enquanto se aguardava uma solução, muitos doentes eram conduzidos até o Santo que curava a todos. A graça divina tocou os beligerantes que se abraçaram e estabeleceram a paz. Então, o varão de Deus iniciou sua caminhada de volta para Claraval. Essa foi sua última viagem.
Na abadia, embora deveras enfraquecido, ele rezava, atendia os monges e fazia ditados. Não havia nenhuma lacuna em sua brilhante inteligência. A um abade que lhe escreveu pedindo notícias suas, ele ditou uma resposta na qual dizia que o sono havia desaparecido, todo alimento sólido lhe causava terríveis dores no estômago, as pernas e os pés estavam inchados.[1]
Aliança de benquerença e confiança com a Virgem
Em 20 de agosto de 1153, após ter recebido o Sacramento da Unção dos enfermos, o Abade de Claraval morreu em total serenidade. “No momento em que ele expirou, diz a crônica, viu-se aparecer à sua cabeceira a muito misericordiosa Mãe de Deus, sua padroeira especial; vinha buscar a alma do Bem-aventurado Bernardo.”[2]
Para o funeral acorreram multidões. Milagres se multiplicavam junto a seu túmulo. O Abade de Cister, ao qual estavam subordinados os monges de Claraval, ordenou a São Bernardo que cessasse de fazer milagres… e foi obedecido.
Inocêncio II, Papa de 1130 a 1143, grande admirador de São Bernardo, o havia denominado “a muralha inexpugnável que sustenta a Igreja”.[3]
De tal modo ele marcou sua época que “não teremos inconveniente em qualificar o século XII como o ‘século de São Bernardo’, muito mais legitimamente do que quando nos referimos aos séculos ‘de Augusto’ e ‘de Luís XIV’”.[4]
“Foi uma alma privilegiada pela graça, com a qual Nossa Senhora estabeleceu uma aliança de especial benquerença e confiança, como se visse nele um alter Christus a quem revelava os segredos de seu Imaculado Coração. O fato de receber as íntimas confidências da Rainha do Céu propiciou que o santo monge tivesse um convívio espiritual muito estreito com Ela, chegando a fazer o voto de amá-La sempre.
“Sua vida esteve animada por grandes anseios, em sua maioria coroados de fracassos colossais, permitidos pela Mãe de Misericórdia para mais assemelhá-lo a seu Divino Filho”.[5]
Escritor exímio, de grandes voos literários
Redigiu diversas obras sobre as quais Dr. Plinio Corrêa de Oliveira afirmou:
“São Bernardo é um escritor exímio, de grandes voos literários, um notável burilador da língua francesa, sob o impulso de quem esse idioma explicitou de sua genialidade original tais aspectos novos”.[6]
A um cardeal que lhe enviou uma carta dizendo que ele saía do claustro para perturbar a Santa Sé e os cardeais, o Abade de Claraval respondeu: “As vozes discordantes que perturbavam a paz da Igreja lhe pareciam ser as das rãs barulhentas de que estavam cheios os palácios cardinalícios ou pontifícios”.[7]
Ele é autor de 14 tratados, 332 sermões e mais de 500 cartas. Citamos algumas de suas obras:
– “Vida de São Malaquias”. Esse Santo nasceu na Irlanda. Seus pais pertenciam a mais alta nobreza e eram os maiores potentados dessa nação. Ele visitou Claraval e, tendo ficado gravemente doente, ali morreu em 1148. Na biografia, São Bernardo não faz nenhuma referência à conhecida “profecia de Malaquias”, na qual são referidos nomes de Papas.
– “Comentário ao Cântico dos cânticos”, obra fundamentalmente mística.
– “O conhecimento de Deus”, onde mostra que antes de compreender e explicar o dogma é preciso vivê-lo.
– “A graça e o livre-arbítrio”.
– “Louvor da nova milícia”, em que enaltece a Ordem de cavalaria dos Templários.
– “De consideratione”. É o mais importante de seus livros, escrito para o Beato Eugênio III a pedido deste. Tem por objetivo indicar ao Pontífice uma espécie de exame de consciência, o qual se aplica aos eclesiásticos e até mesmo a todo católico. “Numa linguagem às vezes um pouco viva, São Bernardo denuncia todos os abusos que a fraqueza dos papas tolera no seio da Igreja e, sobretudo, da cúria romana”.[8]
São Bernardo proporcionou extraordinário crescimento da Ordem de Cister. Claraval chegou a ter 700 monges entre os quais haviam um filho do Rei da França Luís VII, diversos príncipes e senhores feudais. A maioria deles eram irmãos conversos que cuidavam de afazeres no campo, respeitando completo silêncio; só se ouvia o barulho dos instrumentos de trabalho.
Ao longo dos anos, aproximadamente 350 abadias dependentes de Claraval surgiram na Europa, até mesmo na Suécia, Dinamarca, Hungria. A Revolução Francesa desapropriou Claraval e, em 1808, sob Napoleão Bonaparte, ela foi transformada numa prisão…
Pio VIII, em 1830, proclamou São Bernardo Doutor da Igreja, o qual passou a ser chamado “Doutor Melífluo”, isto é, que difunde o mel.
Roguemos a São Bernardo que nos ajude a batalhar contra o relativismo, a impureza e o igualitarismo reinantes no mundo atual. E a aumentar nossa devoção à Santíssima Virgem, esmagadora de todas as heresias.
Por Paulo Francisco Martos
Noções de História da Igreja
[1] Cf. DARRAS, Joseph Epiphane. Histoire Génerale de l’Église. Paris: Louis Vivès. 1879, v. 26, p. 590.
[2] DANIEL-ROPS, Henri. A Igreja das catedrais e das Cruzadas. São Paulo: Quadrante. 1993, v. III, p. 133.
[3] Idem, ibidem, p. 134.
[4] Idem, ibidem, p. 132.
[5] CLÁ DIAS, João Scognamiglio, EP. Maria Santíssima! O Paraíso de Deus revelado aos homens. São Paulo: Arautos do Evangelho. 2020, v. III, p. 82.
[6] CORRÊA DE OLIVEIRA, Plinio. Oh, Igreja Católica! In Dr. Plinio. São Paulo. Ano XXI, n. 239 (fevereiro 2018), p. 31.
[7] DANIEL-ROPS. Op. cit., v. III, p. 133.
[8] DICTIONNAIRE DE THÉOLOGIE CATHOLIQUE. Paris: Letouzey et Ané. 1910, v. II-1, coluna 748.
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