Gaudium news > O que são os decretos do Vaticano “em forma específica”?

O que são os decretos do Vaticano “em forma específica”?

Sandro Magister os analisa. Com um desses decretos, ordenou-se a saída de Enzo Bianchi, fundador do mosteiro de Bose. Bianchi ainda não obedeceu.

tinta y papel 700x685 1

Redação (04/03/2021 17:55, Gaudium Press) Há 10 meses, saiu o decreto pontifício ordenando o exílio – espiritual e corporal – de Enzo Bianchi, fundador do mosteiro de Bose. Mas nada mudou, ele continua a habitar uma ermida localizada no terreno do mosteiro.

Sandro Magister dedica sua última coluna, em Settimo Cielo do L’Espresso, a analisar o assunto, mais particularmente a forma como foi determinada a saída de Bianchi: por meio de um decreto pontifício daqueles do tipo “em forma específica”.

Magister lembra que Bianchi era tão querido pelo pontífice reinante que o fez, em 2014, consultor do Pontifício Conselho para a Unidade Cristã e, em 2018, nomeou-o auditor do Sínodo dos Bispos sobre os jovens, com direito a voz. Então, o que aconteceu para um personagem tão apreciado cair em desgraça papal?

Após uma visita apostólica, ordenada por Roma, não se conhecem em profundidade as acusações nem as faltas observadas, exceto por uma vaga “situação tensa e problemática na comunidade em relação ao exercício da autoridade do fundador, à gestão do governo e ao clima fraterno”. Não é muito, ou pelo menos não é algo grave e específico para uma punição tão vigorosa.

Não há possibilidade de apelação

Além disso, não há possibilidade de se recorrer, pois o decreto de separação de Bianchi de sua comunidade, que leva a assinatura do Cardeal Secretário de Estado Parolin, tem a forma canônica de “decreto singular” aprovado pelo Papa “em forma específica”, “o que o torna, portanto, definitivo e inapelável”, assinala Magister.

Sobre tais decretos inapeláveis “em forma específica”, Magister cita o parecer do professor Gian Paolo Montini, ex-professor de direito processual da Universidade Gregoriana, editor da revista especializada “Periodica de Re Canonica” e até 2019, promotor de justiça no Supremo Tribunal da Assinatura Apostólica.

O Prof. Montini publicou em 2018, na Periodica de Re Canonica, um ensaio sobre esses decretos inapeláveis “em forma específica”.

Neste ensaio, o Prof. Montini cita Joseph Ratzinger, que afirma que “denegrir o direito, nunca e em forma alguma, está a serviço da liberdade, mas é sempre um instrumento da ditadura. A eliminação do direito é o desprezo do homem: onde não há direito, não há liberdade.”

“A ironia [do alemão ‘Ironisierung‘, zombaria] do direito pertencia aos fundamentos do nacional-socialismo (não conheço suficientemente a situação do fascismo italiano), afirmou Ratzinger. Nos chamados “anos de luta”, o direito foi muito conscientemente pisoteado e contraposto ao chamado saudável sentimento popular. Posteriormente, o Führer foi declarado a única fonte de direito e, portanto, a arbitrariedade foi colocada no lugar do direito.”

No entanto, Sandro Magister pergunta: “o que induziu [Prof.] Montini a associar essas tremendas palavras de Ratzinger – extraídas de um de seus ‘Lectio doctoralis‘ de 2000, em homenagem ao jurista Sergio Cotta – aos decretos do Vaticano aprovados pelo Papa ‘em forma específica’ e, consequentemente, inapeláveis? Para entender isso, basta seguir o fio de sua análise.”

O prof Montini lembra, em seu ensaio, que o procedimento para tais decretos inapeláveis foi “introduzido pela primeira vez em 1999, no Regulamento Geral da Cúria Romana, no artigo 126”.

A multiplicação de decretos “em forma específica”

O professor então “revê todas as vezes em que um recurso interposto no Supremo Tribunal da Assinatura Apostólica contra um decreto do Vaticano não pôde ser aceito porque esse decreto contava precisamente com a aprovação do Papa ‘em forma específica’, obtida mesmo depois de se ter apresentado o recurso perante a Assinatura. E ele descobre que, embora no início esses casos fossem muito raros, a partir de 2013, eles se multiplicam em forma excessiva.”

Magister ressalta, citando Montini, que “entre os atos aprovados ‘em forma específica’ pelo Papa Francisco aparecem frequentemente ‘violações flagrantes e evidentes do procedimento previsto no artigo 126 do Regulamento Geral da Cúria Romana’, violações que ‘podem levar legitimamente à nulidade da aprovação em forma específica pelo Sumo Pontífice'”, embora não haja juiz com “competência para ‘julgar a nulidade ou ilegitimidade da mesma aprovação em forma específica’. Com a consequência de que o Papa pode realmente fazer o que quiser, mesmo ‘contra legem’, e ele o faz”, sublinha Magister.

O Prof. Montini cita um canonista francês para quem “um recurso demasiadamente frequente por esta via apressada […] pode induzir, nos fiéis submetidos a juízo, um sentimento de injustiça e incompreensão do exercício da autoridade”, e insiste no fato de que a solicitação de muitos decretos ‘em forma específica’ ‘é coerente com a progressiva impotência da Assinatura Apostólica’, cada vez mais impedida de julgar ‘em questões de sua (agora residual) competência”. (SCM)

Deixe seu comentário

Notícias Relacionadas