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O publicano, o cobrador de impostos e o judeu humilde…

A virtude da humildade é primordial na vida de todo cristão. Todavia, facilmente pode ser deturpada.

SH2310 Parabola do Fariseu e do publicano Museu Lazaro Galdiano Madri FL 1 mjvf

Redação (23/10/2022 09:10, Gaudium Press) Com frequência, vemos nos Santos Evangelhos, através dos magníficos ensinamentos transmitidos por Jesus, o quanto Deus ama as almas humildes e despretensiosas.

Inúmeras são as ocasiões em que Nosso Senhor faz alusão a tais virtudes, estimulando com alento os ouvintes a conquistá-las, mediante o seu divino exemplo: “Aprendei de mim, que sou de coração humilde e manso” (Mt 27,29).

Vemos também, no capítulo 18 do Evangelho de São Lucas, voltar à tona este mesmo desejo divino, quando nos é dito que:

“Quem se eleva será humilhado e quem se humilha será elevado”. (Lc 18,14)

Estas palavras pronunciadas pelos divinos lábios de nosso Senhor Jesus Cristo evidenciam a predileção de Deus pelas almas humildes, mas também a sua rejeição pelo orgulho, tão saliente naqueles que são filhos de Adão. A este propósito, Jesus tece uma parábola para “aqueles que confiavam na sua própria justiça e desprezavam os outros” (Lc 18, 9).

O fariseu orgulhoso e o cobrador humilde

Estão representados nesta parábola dois personagens: o fariseu e o cobrador de impostos. A pessoa do fariseu, tantas vezes criticada e censurada pelo Divino Mestre por sua hipocrisia, falsidade e maldade – como ao recriminá-los de “serpentes”, “raça de víboras” e “sepulcros caiados” (cf. Mt 23,25-27) –, mais uma vez é recordada nesta narração. Em sentido diverso, há a pessoa do cobrador de impostos, extremamente odiado pelos judeus por sua costumeira má conduta – pela fraude e roubo ao cobrar comumente impostos além do valor estipulado – apresentada, entretanto, com uma atitude humilde e contrita por seus pecados.

O fariseu se apresenta no Τemplo inchado de soberba, fazendo a sua prece:

“Ó Deus, eu te agradeço porque não sou como os outros homens, ladrões, desonestos, adúlteros, nem como este cobrador de impostos. Eu jejuo duas vezes por semana e dou o dízimo de toda minha renda” (Lc 18,11-12).

Bem comentou Santo Agostinho a respeito dele: “Subiu ao Templo para orar e não quis rogar a Deus, mas sim louvar-se a si mesmo. Triste coisa é louvar-se em vez de rogar a Deus; além disso, acrescenta o menosprezo àquele que orava”.[1]

O cobrador de impostos, porém, entra no lugar santo, mas permanece distante, bate no peito e nem se atreve a olhar para o céu. Com esta disposição de reconhecimento da sua triste situação de pecador, diz:

“Meu Deus, tem piedade de mim, que sou pecador!” (Lc 18,13).

Que diferença de atitudes! O cobrador arrependido obteve de Deus a salvação da própria alma; o fariseu, a seu turno, recebeu apenas a sua recompensa terrena… (cf. Mt 6,16) É patente, portanto, como é próprio à virtude da humilde, a simplicidade, a despretensão, o reconhecimento do nada que somos e a inteira dependência de Deus. Exemplo para nós.

Contudo, sendo a humildade uma virtude primordial para todo cristão, o demônio utiliza de suas artimanhas para desvirtuá-la, mascarando-a com ares que a tornam mal compreendida.

Vamos incluir um terceiro personagem nesta parábola, para esclarecer esta ideia.

Trata-se de um judeu, fiel à lei mosaica e aos costumes antigos que, no rigor da palavra, sabia-se verdadeiramente filho de Abraão. Todavia, a contrario sensu, ele morava numa cidade de pagãos e, a fim de não provocar mal entendidos com seus colegas e conhecidos, julgava oportuno não manifestar sua religião diante dos outros, para “não ficar mal…”

Dirigia preces e súplicas a Deus, mas só interiormente, na “humildade” de seu coração. Não procurava contrariar e debater sobre temas da moda corrente, por mais que pudessem ser imorais e opostos às leis de Deus, visto não ser consoante à condição de “simples” e “humilde” servidor de Deus o provocar divisões. Deslocava-se com certa frequência ao Templo, em Jerusalém, para lá rezar. Ao penetrar no recinto sagrado, fechava os olhos, inclinava a cabeça e, sussurrando, dizia:

“Eu te louvo, ó Deus, por estar aqui em vossa presença. Desejo, antes de tudo, muita saúde, paz e sucesso na vida…”

Em tal atitude, poderia haver algo de ruim?

Cabe responder que a verdadeira humildade não é a virtude daqueles que têm timidez de viver e proclamar a fé católica, daqueles que têm o respeito humano de contradizer e atacar os erros de nossa sociedade, nem daqueles que se preocupam apenas com os próprios interesses e comodidades. O verdadeiro “humilde de coração” age como nosso Senhor: sabe censurar os erros de seu tempo, viver santamente e anunciar sem temor a lei divina e o reino de Deus.

É, pois, para isto que a Liturgia deste 30º Domingo do Tempo Comum nos impele: sermos lutadores humildes e piedosos, postos por inteiro nas mãos de Nosso Senhor, por meio das orações, mas sem nunca tomarmos a atitude tão desvirtuada que é a da falsa humildade.

Portanto, de cabeça erguida, coração contrito e ardente, posto na certeza de que a vida espiritual de todo cristão é uma luta, assumamos a postura de alma católica em face aos horrores e erros da falsa piedade, tão amplamente divulgados e pregados em nossos dias.

Que para isto nos favoreça Nossa Senhora, a “humilde serva do Senhor”.

Por Guilherme Motta


[1] SANTO AGOSTINHO. Sermo CXV, n.2. In: Obras. Madrid: BAC, 1952, v. 9, p. 439.

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