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O melhor Dia das Mães

Por ocasião do Dia das Mães, circulou na internet uma mensagem muito simples, mas muito profunda: “Dia das Mães são todos os dias, enquanto houver dias, enquanto houver mães”. Apesar da verdade contida nesta pequena frase, as mães sempre esperam ser lembradas pelos seus filhos no dia em que se convencionou dedicar-se a elas.

 Foto: Bethany Beck/ Unsplash

Foto: Bethany Beck/ Unsplash

Redação (21/05/2023 06:36, Gaudium Press) Passado o Dia das Mães, comemorado no segundo domingo de maio, participei de uma roda de conversa e o assunto acabou sendo essa comemoração, com as opiniões se dividindo entre os que valorizam a data e os que veem nela apenas mais uma poderosa ação comercial.

Em dado momento, alguém me cobrou: “Ei, Afonso, você escreve sobre tantas coisas e não escreveu nada para homenagear as mães? Parece filho de chocadeira!” Ri com a brincadeira e pensei que o fato de não ter escrito nenhum artigo alusivo à data talvez se deva ao fato de eu também partilhar da opinião de que é mais um dia criado e supervalorizado pelo comércio ou ao fato mais pessoal e emotivo de eu já não ter a minha mãe. Enfim, tentei me redimir, porque se encontravam ali vários conhecidos que se intitulam meus leitores.

Ainda permaneci algumas horas naquele ambiente, resolvendo uns assuntos de trabalho, quando uma senhora me abordou timidamente e me disse que escrevera um relato sobre o transcurso do seu Dia das Mães, e que gostaria muito que isso fosse lido por outras pessoas. Entregou-me o papel e disse-me: “Por favor, se o senhor tiver tempo, leia o meu testemunho, quem sabe ele não lhe inspira um artigo tardio sobre o Dia das Mães…”

Guardei o papel no bolso

Peguei o papel dobrado que ela me entregava e nem tive tempo de dizer qualquer coisa porque ela rapidamente sumiu de minhas vistas, pronunciando um quase inaudível: “Muito obrigada, que Nossa Senhora o abençoe!” Achei melhor que tivesse sido assim, pois há momentos em que somos pegos de surpresa e não temos mesmo o que dizer além de lugares-comuns.

Guardei o papel no bolso interno do casaco e pensei no tanto de pessoas que me pedem para escrever sobre uma coisa ou outra, geralmente para contar um fato “extraordinário” que se passou com elas. Essas sugestões, algumas vezes, até rendem bons artigos, mas, em muitas, não trazem muito o que aproveitar.

O dia continuou e acabei me esquecendo do ocorrido. Só quando cheguei em casa e retirei o casaco, lembrei-me do conteúdo que guardara no bolso, e resolvi ler o que estava escrito no papel, enquanto tomava um leite quente.

Li a carta para ser cortês

Preciso confessar que li para ser cortês. O texto, escrito numa letra bonita – que se percebia apressada, com falta de vírgulas e uma ou outra letra incompreensível – mostrava um bom domínio do português, mas a história nada tinha de excepcional, apenas a narrativa de uma mãe amorosa sobre a tão aguardada visita do seu filho.

Confesso que não teria nem mesmo concluído a leitura por ser um enredo comum e previsível, todavia o título, no alto da folha, aguçou a minha curiosidade. Afinal, o que teria acontecido para aquela senhora considerar um simples almoço de domingo em sua residência como o seu “melhor Dia das Mães”?

Tentei me lembrar de onde conhecia aquela senhora, mas nada de incomum veio à minha mente, a não ser a vaga lembrança de já tê-la visto uma vez ou outra, talvez nas missas, talvez num outro lugar qualquer que frequente. Bem, a autora era de somenos importância. Concentrei-me nas palavras restantes, percebendo que o leite e a leitura acabariam ao mesmo tempo, e eu poderia dormir com a consciência tranquila.

Enganei-me. Tanto é que decidi não apenas escrever um artigo baseado na singela redação daquela senhora que, na aparência, não possui nada que a distinga do comum das mulheres da sua idade. Decidi dividir com vocês o que ela escreveu, que me ensejou tomar mais uma caneca de leite e permanecer algumas horas sem conseguir conciliar o sono. Então, a partir de agora, vocês ficam com o relato dessa desconhecida mãe:

O relato de uma mãe desconhecida

“Como acontece em todos os anos, comecei a me preparar para o Dia das Mães na véspera; na verdade, no começo da semana. Já na segunda-feira, eu estava pensando no cardápio, revisando em minha mente todos os pratos que meu amado filho gosta. Foi só na quinta-feira que me decidi; faria o mais simples, mas que ele adora: coxas de frango assadas com creme de cebola, bacon e muita batata. O senhor sabe, acho que meu filho gosta mais das batatas do que do frango!

Comprei todos os ingredientes e também o queijo meia-cura para ralar e fazer a sobremesa que ele mais aprecia: uma receita de pudim do tempo da minha avó. Pensei em comprar uma garrafa de vinho, já que somos descendentes de italianos e apreciamos muito essa bebida, mas, depois pensei que ele teria de dirigir de volta e tive medo que o álcool pudesse lhe prejudicar. Então, comprei duas garrafas grandes de suco de uva, que as crianças também gostam muito.

Os netinhos, fonte de alegria

As crianças são meus netos. Diferente de mim, mãe de filho único, meu filho, de apenas 32 anos, já tem três filhos e diz que não se incomodará se Deus lhe mandar mais. Ele é apaixonado por aquelas crianças. Não é por ser meu filho, não, mas, verdade seja dita, ele é um excelente pai. E, mesmo sendo sogra, acho que sou diferente, porque nunca tive nada a reclamar da minha nora; ela é uma excelente moça, meu filho não poderia ter feito escolha melhor.

Do sábado para o domingo, eu nem dormi direito, sempre fico ansiosa na véspera desse dia. No domingo, acordei bem cedo e já comecei os preparativos. Não costumo fazer isso, mas fui à missa no sábado à noite, antecipando a missa do domingo, para não ter nada com que me preocupar além da tão esperada visita de meu querido filho.

Antes do meio-dia, já estava tudo pronto. Confesso que arrumei a mesa logo depois do café da manhã, como se ter a mesa pronta, de alguma forma, apressasse a chegada dele, que vem de longe. Repassei a arrumação algumas vezes e troquei o arranjo de flores por uma cestinha com frutas. Pareceu-me que as flores, rosas amarelas, estavam exalando um perfume forte demais. Meu filho tem rinite, sabe? Ele é muito sensível a cheiros.

Elogios a um bom filho

Nossa, tem tantas coisas que eu queria dizer sobre o meu filho… Ele se chama Nathan e é um rapaz tão bonito! Ele é alto, bem encorpado e se formam duas covinhas em seu rosto quando ele sorri. Ele é muito inteligente, desde criança. Sempre foi um menino bom e educado, apesar de muito ativo e um pouco arteiro, como os meninos saudáveis costumam ser.

Infelizmente, ele não teve a figura paterna, mas me esmerei em criá-lo bem e ensinar a ele os bons costumes e a fé. Parece que deu certo. Ele é médico, sabe, seu Afonso? Quando ele era pequeno, eu achei que ele fosse ser engenheiro ou comerciante, porque sempre gostou de números e também gostava de fazer negócios, vendia revistas velhas, brinquedos usados.

Também achei que ele poderia ser um padre, porque, diferente dos outros jovens da sua idade, ele gostava muito de ir à missa e de rezar o terço comigo. Mas ele acabou escolhendo a medicina e conheceu a sua esposa na faculdade. Ela é médica também.

Por causa da profissão, ele me visita pouco, mas é um orgulho muito grande para mim ser mãe de um doutor, ainda mais sabendo que ele é muito querido e atende muita gente sem cobrar consulta. Meu filho é um homem de muito bom coração.

O almoço está quase pronto

O cheiro do frango já tomava conta da casa e, apesar de frio, o dia estava muito bonito. Pensei na quantidade de fotos que meu netinho mais velho ia querer tirar. Ele está com 6 anos, mas o senhor precisa ver como ele sabe mexer no celular! A menina tem quatro, ela é muito bonita e delicada. Gosta muito de ficar no meu colo, logo que chega ela diz: “Colinho, vovó!”. O menorzinho ainda não tem dois anos, e é o nenê mais lindo que já vi. Bem, já deu para o senhor perceber que sou uma avó coruja, né?

E tem também o Nero, o cachorro. Eles não vão a lugar nenhum sem levar o cachorro. Eu não me importo, até gosto que eles o tragam, porque ele faz companhia para a minha Belinha, que já está bem velha, mas gosta muito de brincar com o Nero.

Vou resumir o assunto, senão daqui a pouco o senhor vai embora e eu perco a oportunidade de lhe entregar esta carta. O dia foi muito divertido e eu procurei aproveitar cada minuto. Olhar profundamente para o rosto do meu filho, que agora apareceu com uma barbinha, não sei se gostei, estava acostumada com seu rosto liso, é uma coisa que me faz muito feliz. Olhei para a minha nora, uma mulher de sorte, pensei, pois casou com um rapaz que vale ouro. E as crianças, que lindas! Elas são a continuação da minha vida, frutos do meu fruto.

O pitoresco dia chega ao fim

O dia acabou e a casa ficou novamente silenciosa. Ouvi o sino da igreja ao longe e olhei para o relógio da sala, seis horas da tarde já. Melhor levantar dessa cadeira e criar coragem para tirar a mesa.

Nossa, que mulher pouco prendada! – o senhor pode pensar – Já está na hora da jantar e ela ainda não tirou a mesa do almoço? Mas, como eu disse, o Dia das Mães é muito especial para mim, e eu aproveito cada segundo dele.

Levantei devagar, já estou velha e sinto dores em várias partes do corpo. Recolhi os pratos de porcelana e os recoloquei no armário. Em seguida, guardei os copos e os talheres. Recolhi a bandeja de frango, com todas as coxas e as batatas intactas. Guardei na geladeira as duas garrafas de suco de uva sem abrir, mesmo destino da tigela de arroz e da salada de maionese.

Não pense mal do meu filho!

Uai, eles não vieram? O senhor pode estar se perguntando, e eu tenho que lhe confessar: Não, seu Afonso, eles não vieram. Nem nesse e em nenhum outro Dia das Mães. Já passei muitas vezes por esse ritual. Preparo o almoço, ponho à mesa, aumento um prato à medida que aumenta o número de netos, mas o meu filho nunca vem.

Por favor, seu Afonso, não pense mal do meu filho, ele é uma excelente pessoa. Eu é que não sou uma boa mãe. Há 32 anos eu o espero e há 32 anos eu passo o Dia das Mães sozinha, porque o meu filho está morto, seu Afonso, e o sangue dele ainda escorre das minhas mãos. Eu o matei, antes mesmo que ele tivesse a chance de ter nascido. Eu fiz um aborto, porque me convenceram que eu tinha direito de decidir sobre o meu corpo.

Eu fiz a escolha errada, seu Afonso, a pior escolha da minha vida. Vários padres já me deram a absolvição deste pecado que eu sempre confesso, e explicaram-me que Deus sempre perdoa um coração sinceramente arrependido, e não tem um só dia da minha vida que eu não me arrependa, desde que saí daquela clínica clandestina, onde o corpinho do meu filho, de quase quatro meses, foi jogado numa lata de lixo. Eu não duvido da palavra dos padres, sabe? Acredito que, por sua misericórdia, Deus pode ter me perdoado, mas eu, seu Afonso, eu nunca me perdoei…

O melhor Dia das Mães

Esse menino foi o meu único filho. Ele poderia mesmo ter sido um médico ou um padre, um engenheiro. Poderia ter se casado e me dado os netos lindos que eu imagino, ter um cachorro que se chamasse Nero e me dar a infinita alegria de ouvir a palavra “Mãe”. Ah, seu Afonso, como eu queria poder dizer, para as mulheres que vivem por aí apregoando que têm direitos sobre os seus corpos, o mal que elas vão fazer às suas almas ao assassinarem os seus filhos!

Eu já sofri muito, houve época em que achei que fosse enlouquecer. Hoje, a religião me conforta e eu tenho um grande consolo: eu já estou velha e a morte não deve demorar para vir me buscar. Nas minhas orações, eu peço a Deus e a Nossa Senhora para morrer no segundo domingo de maio, aí sim eu terei, seu Afonso, o melhor Dia das Mães da minha vida, porque poderei, pela primeira vez, abraçar o meu filho e dizer: ‘Perdoa-me, meu anjinho. A minha vida inteira esperei pelo momento de te conhecer!’”

 

Por Afonso Pessoa

 

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