O maior milagre de Frei Galvão
Neste dia 23, comemoram-se 200 anos da morte deste santo, cuja obra continua viva e vibrante neste mundo cada vez menos católico, cada vez menos cristão, cada vez menos temente a Deus.
Redação (23/12/2022 09:30, Gaudium Press) Estamos na semana do Natal e pensei em escrever sobre isso, mas acabei por concluir que seria “chover no molhado”, afinal, seja por fé, pelo enternecimento provocado pelo espírito natalino ou apenas por interesse midiático e comercial, muito se fala e se escreve a respeito do Natal nesta época e meu artigo seria apenas mais um. Por isso, resolvi escrever sobre um homem que, sem dúvida, viveu o Natal do Senhor Jesus como poucos, posto que a Ele dedicou toda a sua vida: Frei Antônio de Sant’Anna Galvão.
Neste dia 23, comemoram-se 200 anos da morte deste santo, cuja obra continua viva e vibrante neste mundo cada vez menos católico, cada vez menos cristão, cada vez menos temente a Deus. Fatos estes sobre os quais o próprio Deus nos advertiu através dos santos e dos profetas. Previsões que vamos vendo se cumprirem, uma a uma, numa velocidade estonteante.
Vocação religiosa
Ainda hoje, muitas pessoas cometem o equívoco de pensar que os santos eram pessoas de origem humilde, ou seja, pessoas pobres, que entraram para a vida religiosa para poderem estudar e conquistar um lugar ao sol. Obviamente, vários jovens de famílias sem recursos trilharam essa via, como São João Bosco, mas muitos outros vieram de famílias abastadas e deixaram suas posses e as posições de prestígio para adentrarem a vida espiritual, como São Francisco de Assis.
O que faz o monge, o sacerdote, a freira não é a condição social, mas a vocação. E, quando Deus chama – não importa onde e como a pessoa esteja – sua vida ganha uma nova direção. Da mesma forma, muitos que tentam trilhar este caminho por sua própria cabeça, sem obedecer a um chamado, cedo ou tarde acabam desistindo, porque Deus escolhe os seus ministros muito antes de nascerem: “Antes mesmo de te formar no ventre de tua mãe, Eu te escolhi; antes que viesses ao mundo, Eu te separei e te designei para a missão de profeta para as nações!” (Jr. 1,5).
Frei Galvão
São Frei Galvão foi um dos que tiveram o privilégio de nascer em uma família bem posta, de elevado status político e social. O seu pai, Antônio Galvão de França, nascido em Portugal, era um próspero comerciante e também capitão-mor da Vila de Santo Antônio de Guaratinguetá, pertencente à então capitania de São Paulo. Sua mãe, Isabel Leite de Barros, era filha de fazendeiros e parente do famoso bandeirante Fernão Dias Paes, que ficou conhecido como o “caçador de esmeraldas”.
Além das posses, da boa reputação e do prestígio, a família de Frei Galvão possuía uma qualidade fundamental: era extremamente católica. O pai pertencia à Ordem Terceira de São Francisco e à Ordem do Carmo, e a mãe, que morreu jovem, com apenas 38 anos de idade, era conhecida por sua imensa generosidade.
Antônio era o quarto de onze filhos e, aos 13 anos, foi enviado para estudar com os jesuítas. Não demorou a se decidir pela vida religiosa, porém, devido à perseguição que os jesuítas enfrentavam, mudou-se para um convento franciscano.
Ao professar os votos religiosos, o jovem Antônio decidiu acrescentar “Sant’Ana” ao seu nome, como forma de homenagear a devoção de sua família a Santa Ana, avó de Jesus. Foi ordenado sacerdote no dia 11 de julho de 1762, sendo transferido do Rio de Janeiro, onde estudava, para o Convento de São Francisco, na cidade de São Paulo.
Um confessor atento
De 1769 a 1770, atuou como confessor no Recolhimento de Santa Teresa, casa que abrigava devotas de Santa Teresa d’Ávila, na cidade de São Paulo. Lá, ele conheceu a Irmã Helena Maria do Espírito Santo, uma religiosa penitente que afirmava ter visões onde Jesus lhe pedia para fundar um novo Recolhimento. Frei Galvão estudou essas mensagens com atenção e respeito e consultou outros religiosos, que as reconheceram como válidas e sobrenaturais.
Com base nisso, Frei Galvão ajudou a criar o novo Recolhimento, chamado Convento Nossa Senhora da Luz, inaugurado em 2 de fevereiro de 1774, na capital paulista, com base nas diretrizes da Ordem da Imaculada Conceição. No ano seguinte, com a morte da irmã Helena, ele se tornou o novo diretor do Instituto e o líder espiritual das irmãs.
Ao longo de sua vida, enfrentou vários percalços, entre eles, uma inusitada ordem do governo para o fechamento do convento, que acabou sendo reaberto pela recusa das irmãs em deixarem o local e também pela pressão popular e os esforços do bispo. O fato só serviu para que mais jovens se juntassem às irmãs, aumentando o número de religiosas recolhidas naquele local, seguindo os estatutos que Frei Galvão escrevera para elas e que constituía um verdadeiro guia de santidade.
Amado e perseguido
Muito amado pelos fiéis, o bondoso frei passou por muitas dificuldades e perseguições, sendo até mesmo obrigado a se exilar por defender um soldado condenado à morte devido a uma pequena ofensa feita ao filho do capitão-mor. O frei tudo aceitava em silêncio, dedicando-se ainda mais à oração e à obra divina.
Todos os problemas, desafios e situações difíceis ele resolvia através da prece, buscando o auxílio da Virgem Maria, a quem tinha especial devoção, e colocando-se inteiramente sob a vontade de Deus. Com seu temperamento calmo, jamais demonstrava a menor exasperação, e essa calma era capaz de tranquilizar qualquer pessoa que dele se aproximasse.
Vários fenômenos místicos foram atribuídos à sua pessoa, como a premonição, a telepatia, a levitação e até mesmo a bilocação, havendo relatos de casos em que ele teria estado presente em dois lugares ao mesmo tempo para cuidar dos que pediam a sua ajuda, principalmente enfermos e pessoas à beira da morte.
Faleceu já bem idoso, com 83 anos, no dia 23 de dezembro de 1822, sendo sepultado na igreja do Recolhimento, onde passou os últimos tempos de sua vida. Sua fama de santo se espalhou antes de sua morte, e várias pessoas mencionavam graças obtidas quando rezavam em nome do frei. No dia de seu enterro, muitos fiéis, querendo possuir uma relíquia sua, cortaram pequenos pedaços do seu hábito, que foi reduzido até à altura do joelho. Como ele possuía apenas um hábito, precisou ser enterrado com a veste de outro religioso. E até mesmo as pedras de sua lápide acabaram sendo levada pelos devotos.
O convento – mais tarde renomeado como Mosteiro da Luz e incorporado à Ordem da Imaculada Conceição – foi declarado Patrimônio Cultural da Humanidade pela UNESCO e, atualmente, abriga o Museu de Arte Sacra de São Paulo, um dos principais acervos brasileiros dessa arte.
As pílulas milagrosas de Frei Galvão
Uma de suas ações mais conhecidas se estende até os dias de hoje: as famosas pílulas do Frei Galvão, com as quais muitas doenças são curadas. Certamente, as propaladas pílulas milagrosas surgiram diante da impossibilidade de ajudar efetivamente às pessoas, devido à falta de recursos, numa época em que havia pouquíssimos médicos e pequena variedade de remédios, muitos deles ineficazes.
Conta-se que, em determinada ocasião, diante do pedido de ajuda de um jovem acometido por cólicas renais fortíssimas, que punham sua vida em risco, Frei Galvão rezou e, em seguida, escreveu uma frase em latim em um pedacinho de papel, dobrou-o bem e recomendou que o jovem o engolisse com um pouco d´água e muita fé. O moço seguiu o conselho e, logo em seguida, expeliu uma grande quantidade de cálculos renais, ficando completamente livre da dor.
Ele usou do mesmo recurso para atender a um jovem senhor cuja esposa em trabalho de parto enfrentava dificuldades, correndo o risco de morrerem, ela e a criança. Assim que o homem deu a pequena “pílula” à esposa, a criança nasceu em perfeitas condições de saúde. Não demorou para que a fama das pílulas se espalhasse e muitas pessoas obtivessem curas milagrosas através delas, incluindo senhoras estéreis que conseguiam engravidar após ingeri-las.
Certamente, nem ele mesmo teria imaginado que isso se ampliaria tanto, e acabou precisando ensinar as irmãs a fazerem as pílulas, atividade que elas continuam executando até hoje. A frase milagrosa escrita por ele, e depois pelas irmãs, no pequeno pedaço de papel, é um pequeno trecho do Ofício de Nossa Senhora: “Post partum, Virgo, inviolata, permansisti; Dei Genitrix, intercede pro nobis.” (Depois do Parto, ó Virgem, permaneceste intacta; Mãe de Deus, intercedei por nós.)
Primeiro Santo brasileiro
Frei Galvão é o primeiro santo brasileiro, canonizado pelo Papa Bento XVI no dia 11 de maio de 2007. Muitas pessoas visitam o seu túmulo, no interior da igreja do Mosteiro da Luz, em busca de graças e milagres. As pílulas milagrosas continuam sendo confeccionadas pelas irmãs concepcionistas, que entregam uma média de 300 delas por dia.
No entanto, o que São Frei Galvão tem para nos oferecer é bem mais que isso. A fé em suas pílulas e na sua intercessão pode levar à cura de enfermidades físicas, porém, o seu exemplo de vida, de ponderação e de temperança é o que de mais precioso ele poderia nos deixar. Frei Galvão desenvolveu de forma exemplar os dons do Espírito Santo: conselho, entendimento, fortaleza, sabedoria, piedade, ciência e temor a Deus.
Neste dia que celebramos dois séculos da morte desse piedoso servo de Deus, gostaria muito de ver as pessoas se apegando aos exemplos dos santos e tentando viver como eles, conscientes de que a via da santidade não é um caminho fácil e sem problemas, uma vida calma e sem agitações. Longe disso. Os santos são aqueles que enfrentam mais desafios, são mais tentados pelos ardis do inimigo, pela rigidez do desânimo e pelos terríveis desertos interiores. O que os difere de nós é que eles enfrentam tudo com temor a Deus e confiança sem limites.
Os grandes santos, dos quais Frei Galvão é um excepcional exemplo, não ficam parados esperando a tempestade passar nem dão nenhum passo na direção contrária ao que Deus determina – até mesmo nos momentos de secura espiritual, quando parece que Deus se cala e os abandona à própria sorte –, mas continuam caminhando, sem titubear, na direção certa: a do sacrário, a do altar.
Neste dia festivo, às vésperas do Natal, peçamos, sim, a Frei Galvão que nos ajude com as nossas dificuldades e que nos restitua a saúde do corpo, mas peçamos, sobretudo, que ele obtenha para nós, junto ao Menino Jesus e a Nossa Senhora, a graça incomparável da perseverança e da conversão. 200 anos depois, este é o maior milagre que devemos buscar!
Santo Antônio de Sant’Anna Galvão, rogai por nós!
Por Afonso Pessoa
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