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O farol adverte: “cuidado com o igualitarismo!”

Surgirá, é certo, quem, em defesa do pérfido igualitarismo, admire a atitude deste servo imaginário, a quem o próprio Senhor chama “mau e preguiçoso”. É, pois, uma visualização deturpada e traiçoeira.

Parabola dos talentos

Redação (14/11/2020 20:08, Gaudium Press) Grandiosa e simbólica cena: um farol em meio à tempestade.

Altaneiro e desafiante ergue-se ele como a desprezar as imensas vagas que, de tempos em tempos, o atingem e envolvem, fazendo-o quase desaparecer sob as cortinas de água.

Mas – pobre força da natureza! – frustra é qualquer tentativa de fazer ruir a sólida construção; ignoram as águas insolentes que sobre rocha está edificado nosso glorioso farol. E, enquanto mais uma onda faz de suas robustas paredes local de arrebentação, ele – alheio à vã e desprezível ameaça – lança sua luz sobre embarcações desorientadas que se debatem no oceano revolto.

De forma similar, as águas de nosso conturbado século são movimentadas por doutrinas perniciosas e ideologias maléficas. Um farol, entretanto, sempre permanecerá a iluminar os homens e mulheres que busquem referência em sua luz salvadora e imutável. Este farol é o Evangelho.

Também ele, desafiante e altaneiro, se eleva acima do insolente relativismo e da atual dissolução de costumes; males que, infelizmente, começam a lograr de aceitação até mesmo nos ambientes ditos católicos. As funestas ideologias de nosso século, no ímpeto de suas investidas, sempre encontrarão danoso obstáculo a atalhar seu avanço nas duras verdades do Evangelho.

Alguns tentarão adaptar o ensinamento evangélico à mentalidade do homem de hoje, conferindo-lhe ares de modernidade.

Surgem então as interpretações traiçoeiras; atribui-se a Nosso Senhor Jesus Cristo ideias e doutrinas por Ele jamais pregadas ou defendidas.

Sem embargo, embora se busque distorcer suas sagradas palavras, a suma clareza com que Ele expôs certas doutrinas – seja diretamente, seja por meio de parábolas – põe em ridículo aqueles que desejam defender opiniões contrárias ao ensinamento da Igreja, utilizando-se dos próprios Evangelhos.

E tal é o caso do Evangelho de hoje. De caráter profundamente anti-igualitário – se consideramos aquela noção de igualitarismo ferrenhamente defendida e difundida desde a Revolução Francesa até nossos dias – a parábola dos talentos contém em si elementos que nos ajudam a compreender o modo de Deus nos tratar: a cada homem de forma diferente; mas a todos com insuperável bondade e generosidade.

Os dois primeiros trabalham os talentos, mas o último…

Um senhor está para viajar; reúne seus servos e lhes confia quantias distintas de seu tesouro, segundo a capacidade de cada um deles: a um dá cinco, a outro dois, e ao terceiro um talento de prata.

“Perante essa diferença – defende certo autor -, os três servos agem bem. Os dois últimos não reclamam pelo fato de haver sido dado mais ao primeiro; os que têm menos não ficam com inveja do que recebeu mais, e este não despreza os outros dois. São meros administradores, e cada qual deverá prestar contas na proporção do valor que lhe foi confiado. Por conseguinte, não há motivo para inveja, queixa ou, menos ainda, revolta.”[1]

Os dois primeiros trabalham os talentos; o último, ao contrário, enterra displicentemente a quantia recebida.

Ao voltar, o senhor pede contas a seus servos. Os dois primeiros, que multiplicaram as riquezas, se apresentam. São, pois, dignos de ouvir as palavras de gratidão e contentamento do senhor: “Muito bom, servo bom e fiel! Como foste fiel na administração de tão pouco, eu lhe confiarei muito mais. Vem participar da minha alegria!” (Cf. Mt 25, 21-23).

Estes servos bem podem representar as almas que sabem ter recebido tudo das liberais e generosas mãos do Senhor. Um não inveja o outro por ter recebido mais ou menos talentos, mas cada qual, repleto de gratidão, faz multiplicar os dons e qualidades com vistas à glória de Deus.

Com o terceiro servo sucede algo bem diferente. “Durante a ausência do Senhor, foge do cumprimento de sua obrigação e, ao ser chamado a prestar contas, revolta-se contra ele. (…) Sua atitude erige-se em paradigma do comportamento dos pecadores que procuram justificar suas faltas, revoltando-se contra Deus e contra os outros”[2]. São Gregório Magno também comentará: “O servo que não quis negociar com o talento, volta ao Senhor com palavras de escusa, dizendo: ‘Senhor, sei que és um homem duro, ceifas onde não plantaste e colhes onde não semeaste; temeroso fui e escondi na terra teu talento; tens o que é teu’ (Mt 25, 24-25). Devemos observar que o servo inútil chama de duro a seu senhor; e afirma que temeu negociar com o talento recebido, ele que só devia temer devolvê-lo a seu senhor sem lucro algum.”

“Pois há muitos – continua São Gregório –, dentro da Igreja, dos quais este servo é viva imagem, que temem empreender um caminho de vida melhor e não temem permanecer na indolência. Considerando-se pecadores, hesitam em adentrar as vias da santidade, mas não hesitam em seguir com seus vícios.”[3]

O servo infiel: modelo para nós?

Surgirá, é certo, quem, em defesa do pérfido igualitarismo, admire a atitude deste servo imaginário, a quem o próprio Senhor chama “mau e preguiçoso”, e sela o destino: “Quanto a este servo inútil, jogai-o lá fora, na escuridão. Aí haverá choro e ranger de dentes!” (Cf. Mt 25, 26-30). Uma visualização deturpada e traiçoeira, que, em última análise, sugere a revolta contra Deus. Neste caso o senhor da parábola seria visto como um homem perverso que deseja multiplicar gananciosamente suas riquezas.

É suficientemente claro o ensinamento que Nosso Senhor deseja transmitir. O senhor da parábola faz o papel, invariavelmente, de Deus e seus legítimos representantes. Não tem esse senhor direito de fazer o que quer com aquilo que lhe pertence (Cf. Mt 20, 15), dar a cada um segundo o que lhe parece bem? E este servo infiel, por acaso teria alguma razão – sob qualquer ponto de vista – em enterrar o talento recebido e, ademais, culpar seu senhor pelo delito próprio?

Ele perde até o pouco que tinha. Lamentável, pois teria sido também partícipe das alegrias do Senhor, não fosse sua atitude desprezível. “Que ninguém diga: ‘Tenho só um talento e nada posso fazer’. Não. Com apenas um talento podes também ser glorioso”[4] – afirma São João Crisóstomo.

Que o Evangelho deste 33º Domingo do Tempo Comum, qual farol e guia em nossas vidas, nos conduza pelo caminho certo rumo à santidade, e nos desvie de ideologias traiçoeiras que, quais rochas e escolhos, visam nosso naufrágio espiritual.

 

Por Afonso Costa


[1] CLÁ DIAS, João Scognamiglio. O Inédito sobre os Evangelhos. Città del Vaticano: L.E.V./São Paulo: Lumen Sapientiae. 2013. v. II. p. 457

[2] Idem. p.465.

[3] SÃO GREGÓRIO MAGNO. In: La Biblia Comentada por los Padres de la Iglesia y otros autores de la época patrística. MERINO RODRÍGUEZ, Marcelo (Diretor da obra em espanhol). Madrid: Ciudad Nueva. 2006. v. Ib. p.278-279. Tradução nossa.

 [4] SÃO JOÃO CRISÓSTOMO. Homilía LXXVIII, n.2. In: Obras. Homilías sobre el Evangelio de San Mateo (46-90). 2.ed. Madrid: BAC, 2007, v.II. p.558-559.

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