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Na Comunhão dos Santos, somos todos irmãos

A Comunhão dos Santos é uma das verdades de Fé contidas no Credo católico, cuja teologia foi explorada em grande parte no Concílio Vaticano II. Que lições podem trazer para nós hoje?

Somos todos irmaos

Redação (23/10/2020 14:58, Gaudium Press) As mentiras que correm o mundo, disse Ernest Hello, não são aquelas expressas formalmente, as asserções precisas em seus defeitos, mas sim aquelas que exploram o terreno baldio e fértil até o pletórico da alma humana, isto é, o terreno da imaginação.

Quais são estas mentiras? As “falsas associações de ideias”[1]. Podemos procurar os exemplos em nós mesmos: quantas vezes nos enganamos, dando por certo que o grande é esmagador, que o novo é bom, que o colorido é saboroso, que o redondo é confortável, que o aparatoso é versátil, que o homem forte e sisudo não tem sentimentos e que o calvo é experimentado.

E nossa imaginação é tão teimosa que relutamos em associar o piercing, o blue jeans e o tênis às auréolas dos santos (mas também não haverá sérias razões e considerandos para isso?).

Mas nem toda associação de ideias é ruim, e, não poucas vezes, o senso católico e as intuições misteriosas da natureza – acrescidas pelo discernimento sobrenatural da alma do batizado – afloram quando confrontados com alguma imagem que propõe um erro sutil.

Se no recinto sagrado de uma Igreja nos deparássemos, por exemplo, com a imponente figura de São Paulo de espada na mão, e notássemos que na sua outra mão, o Apóstolo ostentasse um avantajado ipod no lugar do livro da Palavra de Deus, algo em nossa alma cristã não começaria a dar sinais desconfortantes de alarme? Não lançaríamos os mesmos olhares desconfiados quando escutamos as modulações de voz da mentira? Mas, o que haveria de estranho se São Paulo tivesse um telefone celular, uma conta no Facebook ou fosse um afamado ativista no Youtube?

Poderíamos propor inclusive uma enquete nos seguintes termos: Quem acredita que, se no nascedouro da Igreja os apóstolos possuíssem o uso de todos os meios de comunicação do séc. XXI, Facebook, Youtube, WhatsApp, Instagran, etc, a Boa-Nova não se teria difundido mais depressa, o número dos convertidos aumentaria descontroladamente e teríamos uma primavera da Fé Católica mais excelente e possante do que a da Idade Média, mas já em pleno século II?

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Enquanto meu possível leitor elabora uma opinião sobre o assunto, permita-me algumas divagações.

Dentre os inúmeros carismas que o Espírito Santo suscitou dentro da Igreja Católica encontramos, não sem reverência e entusiasmo, as inúmeras almas que, entregues sozinhas ou em grupos à solidão, almejaram uma vida de sacrifícios e contemplação, visando a glória de Deus e o bem de toda a Igreja.

Assim, desde os primeiros anacoretas que povoaram o Oriente sob a Regra de São Basílio, passando pelos luminares apóstolos da vida religiosa no Ocidente, São Columbano, São Bento etc.; pelos mendicantes de todas as cores, encabeçados pelo grande São Francisco de Assis; pelas ordens contemplativas vivificadas pelo gênio de um São Bernardo e de uma Santa Teresa Jesus, vemos como a Igreja sempre agiu com sabedoria, incentivando os apóstolos de toda espécie, os apóstolos da palavra e dos Sacramentos, os apóstolos da doutrina e da apologia, e também, e quase diria sobretudo, os apóstolos do silêncio e da contemplação.

E de que eficácia o Espírito Santo deu mostras nestes séculos todos de apostolado? Alguns exemplos mais recentes:

Santa Teresinha do Menino Jesus narra-nos com entusiasmo como ela pôde, pela oração e pelo sacrifício, dar à luz ao Reino dos Céus a um ímpio e inconvertível malfeitor, condenado à morte. A santa soube de sua existência e depois de sua conversão, instantes antes de ser supliciado, pela descrição feita por um noticiário; nada mais. Entretanto, não teve a menor dúvida de que aquele penitente era filho de suas orações e sacrifícios.

J-K. Huysmans confessou, com extraordinária humildade, a história de sua conversão. Tal novo Agostinho, debatia-se desalentado nas seduções da impureza, até que lhe informaram da existência de uma congregação religiosa feminina, cujo ideal heroico consistia em aceitar diante de Deus as tentações de outros sobre si, para aliviar e salvar pecadores empedernidos. Huysmans escreveu para esta congregação, pedindo a generosidade de alguma alma que estivesse disposta a receber sobre si suas violentas tentações contra a virtude da castidade. Dias depois, sentia como se o vendaval da concupiscência, o peso da carne, o tivessem abandonado repentinamente.

E os exemplos multiplicam-se ao infinito na História da Igreja e quantas e quantas almas salvas do paganismo ou da perversão não devem, sem sabê-lo, sua mais significativa gratidão a um sofredor anônimo, a um herói enclausurado, a um mártir do silêncio e da obediência, esquecido do mundo, mas não de Deus.

Consideremos como era grande o número de famílias bem compostas, numerosas e retas que havia no mundo civilizado, quando as congregações religiosas pululavam de vocações tomadas pelo ideal da castidade e da virgindade perpétua. São paradoxos… no meio de tantos outros.

Antes mesmo de Tertuliano lapidar para a História: “Sangue de mártires, semente de novos Cristãos” a Santa Igreja sempre viveu da convicção de que, na Comunhão dos Santos, somos todos irmãos e a piedade e os sacrifícios de uns pelos outros por amor de Deus são de uma eficácia inigualável; de que a alma de todo apostolado não está nos meios de que dispomos, mas no ser, com autenticidade, um outro Cristo, assumindo uma verdadeira santidade de vida. Multipliquemos os meios de apostolado sem que a santidade de vida cresça proporcionalmente mais, e estaremos completando o catálogo de nossas negligências ao elencarmos as nossas copiosas obras.

“Insensatos! O que fez o exterior, não fez também o interior?” (Cf. Lc 11,40)

Portanto, não se trata de querer ser cego, retrógrado ou contrário ao progresso técnico e científico – isso seria tocar na insanidade. É evidente que o uso de meios de comunicação para o apostolado hoje é recomendável, necessário e até indispensável! Apenas convém reafirmar a verdade – muitas vezes esquecida em consequência da prestabilidade – de que esses meios não são fim, de que TODA EFICÁCIA DO APOSTOLADO DEPENDE DE FORMA ABSOLUTA E QUASE EXCLUSIVA DA VIDA INTERIOR E DA GRAÇA. Basta lembrar a confissão do próprio São Paulo: “Ainda que falasse a língua dos homens e dos anjos […] ainda que tivesse o dom de profecia e conhecesse todos os mistérios e toda a ciência […] se não tenho Caridade, nada sou”. (1 Cor 13, 1)

Por Arthur Paz


[1] HELLO, Ernest. L’homme. La vie, la Science, l’Art. Montréal : Variétés. 1946. p.23.

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