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Monteiro Lobato, mestre na linguagem falaciosa

Histórias infantis muitas vezes não são senão o trabalho da imaginação do autor. Ora, o que havia por detrás da mente de Monteiro Lobato quando escreveu suas obras? Difícil é encontrar um brasileiro que não o tenha conhecido e, mais árduo ainda, um que não se deixou influenciar por seus escritos.

Sitio do Picapau Amarelo 2001

Redação (12/09/2021 11:50, Gaudium Press) Célebre é Monteiro Lobato por suas obras infantis. É bem difícil encontrar algum brasileiro que nos tempos de infância nunca tenha tido contato com suas histórias, principalmente uma: “O Pica-Pau Amarelo”. Lembremo-nos da aurora de nossas vidas, nem que seja por um momento, e viajemos até o sítio, mas, dessa vez desvendando seus segredos sob um prisma apresentado pelo Evangelho: “Guardai-vos dos falsos profetas. Eles vêm a vós disfarçados de ovelhas, mas por dentro são lobos arrebatadores” (Mt. 7, 15).

No sítio

Naqueles dias, desapareceram o proprietário de um circo junto com seu advogado após uma longa busca do rinoceronte deles que foi raptado. A última vez que o viram foi à entrada do sítio do Pica-Pau Amarelo. Misteriosamente seus corpos jamais foram encontrados, restando apenas uma hipótese: o roubo do animal seguido do assassinato de seus proprietários.

Ora, quem seria capaz de, em um conto de crianças, montar um furto seguido de homicídio? Só mesmo se for dizendo sem dizer, ou como bem expressa a filosofia da personagem que tornou Monteiro famoso, Emília: “faz de conta” que ele não disse… ao menos não com essas palavras.

Talvez alguém diga que não é real.

“Os homens [o dono do circo e seu advogado] pararam na porteira [do sítio] e pediram licença para entrar. Entraram. Apearam-se. Dirigiram-se para a varanda.

“– Desejamos falar com a dona de casa, disseram.

“Dona Benta adiantou-se. […]

“– Minha senhora […]. O senhor Mueller é dono dum rinoceronte que fugiu de lá faz uns meses. Depois de longas pesquisas descobriu que o animal estava escondido aqui e veio comigo reclamá-lo. Sou o seu advogado.

“O rinoceronte reconheceu o senhor Mueller e pendurou o focinho, muito triste, já sem vontade de brincar.

“– Que é que há? Perguntou-lhe a boneca ao ouvido.

“– Aquele homem louro é meu dono, respondeu o paquiderme, e veio buscar-me. Estou triste porque gosto muito mais daqui do que do circo…

“Emília abespinhou-se toda, lançando um olhar terrível para os dois intrusos. Refletiu uns instantes e depois disse ao animalão:

“– Não se aborreça. Darei um jeito de esses piratas fugirem mais depressa que os caçadores. Disse e desceu, dirigindo-se para a varanda, onde ficou atrás de uma cadeira escutando a conversa dos homens com a velha.

“– Pois não haja dúvida, dizia Dona Benta. Se o animal é seu, pode levá-lo, apesar de que está muito acostumado aqui e não nos incomoda em nada.

“– Está bem, disse o alemão. Vou levá-lo já.

“Ao ouvir tais palavras, Emília não se conteve. Pulou de trás da cadeira, plantou-se diante do homem, […] e disse:

“– A coisa não vai assim, meu caro senhor! Não basta dizer que o rinoceronte é seu. Tem que provar que é seu, sabe?

[…]

“– Sim, sim, minha senhorinha, [disse o advogado], o rinoceronte pertence aqui ao meu amigo Mueller, que o vem reclamar. […] Infelizmente somos obrigados a levá-lo para o circo.

[…]

“– Vamos por partes, disse ela. Antes de mais nada, quero que o senhor doutor me prove que o senhor Mueller é mesmo o dono desse rinoceronte. Exijo provas, sabe? Eu não uso anel de advogado no dedo, mas acho que em direito o que vale são as provas.

[…]

“– Muito fácil provar, bonequinha. No Brasil não há rinocerontes. O senhor Mueller foi o primeiro homem que trouxe um para cá. Este fugiu. Em seguida aparece este rinoceronte por aqui. Logo, o presente rinoceronte é o mesmo rinoceronte do senhor Mueller.”

Nessa hora, Emília não teve outra saída senão buscar um “pó de pirlimpimpim” a fim de dar um “sumiço” no dono do animal e seu advogado…

“– Vamos resolver esta questão dum outro modo, disse ela ao voltar. Tenho aqui este tabaco, que vou dividi-lo em duas porções. O senhor toma uma pitada e ali o “cara-melada” […] toma outra. Se não espirrarem, é que o rinoceronte é o mesmo que andam procurando.

“O advogado e o alemão acharam muita graça naquilo, e sem desconfiança nenhuma resolveram tomar a pitada de pó de pirlimpimpim, certos de que não espirrariam.

“Era dose pequena demais para fazer espirrar dois homões como eles, acostumados ao fumo forte. Tomaram a pitada, sorridentes e… fiunnn! – ninguém nunca soube onde foram parar! Sumiram-se no espaço…

“A vitória de Emília foi saudada com berros e palmas. Até o rinoceronte aplaudiu com urros, contentíssimo do feliz desfecho do incidente”.[1]

Semelhança com os tempos atuais

Um roubo, um assassinato e para desfechar, aplausos pelo crime cometido. Esse é um final feliz, ou é no fundo uma filosofia toda falaciosa onde patenteia-se a vontade de inverter os valores sociais?

É evidente que no meio de um livro, um fato como esse pode passar-se despercebido. Entretanto, isoladamente vê-se o quanto é prejudicial, sobretudo para as crianças. Aí está a grande arte do autor, inculcar sorrateiramente falsos sofismas em seus pequenos leitores, colocando o mal com aparência de bem. Afinal, “o rinoceronte estava contente no sítio”…

A quantas pessoas não terão inspirado seus escritos? Bem parece que existe uma certa semelhança de seus livros com os tempos hodiernos: muitos usam uma linguagem falaciosa a fim de apresentar o mal com a aparência de bem, enganando não só os pequenos, como também os grandes. Não serão algumas reminiscências das obras do autor que vieram à tona nas mentes crescidas de seus antigos leitores?

Por Fabio Ricardo


[1] Cf. BRASIL, Sales. A literatura infantil de Monteiro Lobato ou comunismo para crianças?. 2 ed. São Paulo: Paulinas, 1959.

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