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Karl Leisner: um mártir do nazismo

A figura deste sacerdote católico e mártir do nazismo é um modelo de alegria em face ao sofrimento. Sua ordenação sacerdotal foi realizada dentro do campo de concentração em plena II Guerra Mundial.

1502 Leisner e1625320636732 Redação (03/07/2021 10:24, Gaudium Press) Foi no dia 28 de fevereiro de 1915 que Karl Leisner veio à luz, na cidade de Rees (Alemanha), próxima à fronteira com a Holanda. Seu pai se chamava Wilhelm e sua mãe, Amalie; ambos de notável formação católica.

       A infância de Karl foi marcada por uma forte piedade católica sobretudo no tocante à devoção a Maria Santíssima, a qual foi largamente inspirada por sua mãe. No entanto, ele conheceu seu maior benfeitor quando, aos 11 anos, entrou no colégio: o Pe. Walter Vinnenberg, que era o professor de religião.

A “história de uma alma”

       Em 27 de fevereiro de 1927, após um encontro com o mencionado sacerdote, o jovem começou a escrever a sua “História de uma alma”, um diário no qual constavam todas as graças, tentações e resoluções que tomava. Tal objeto seria a maior de fonte de dados que se poderia obter de Leisner.

       Tanto seus amigos como esse caderno foram testemunhas de sua maturidade física, intelectual e espiritual; de uma honestidade invulgar e de uma capacidade de influenciar incomum, ainda mais entre as crianças. Prova dessa maturidade é uma de suas anotações no diário: “interiormente sem pensamentos indignos, desordenados, vulgares. Honestidade! Exteriormente: sempre com hábitos e atitudes corretas (à mesa). Distinção e polidez”,[1] bem como: “começar o dia com um ‘sursum’[2] a Deus. Começar o dia com coragem e piedade. Levantar rápida e pontualmente. Refletir calmamente, depois agir com audácia”.[3]

Uma vocação no despontar da guerra mundial

       Em 1931, aos 16 anos, ele foi eleito chefe da Juventude Católica em seu distrito. A partir daí, várias resoluções emergiram de seu espírito: estender a fé católica nos atos mais concretos; não dar espaço de ação para o demônio; ter um programa apertado; nunca ter pena de si mesmo, entre outras.

       Em 30 de janeiro de 1933, Hitler foi nomeado chanceler do Reich. Em vista disso, Karl escreveu profeticamente no diário: Dies ater Germaniae (dia negro para a Alemanha). E em seguida: “amo minha pátria, mas, em primeiro lugar, sou católico”. Esse foi o marco de uma inimizade frontal entre ele e o nazismo.

       Três meses depois, partiu para um retiro em Schoenstatt, onde hauriu todas as graças da Aliança de amor a Maria e de abandono como instrumento em suas mãos. Vendo as lutas que travaria, pediu a graça do discernimento do bem e do mal para fazer face a tudo o que aconteceria, e também uma “vontade inflexível, uma coragem tenaz e uma fé profunda”. Juntamente, adotou dois lemas: “Castitas in omnibus” e “Da virtutem, Domine”.[4]

       Pouco tempo depois, durante um retiro, sentiu um profundo desejo de ser sacerdote. Por isso, em 7 de maio de 1934, ingressou no seminário no Collegium Borromäum, em Münster. Para o início dos estudos, pediu “um santo ardor, uma força cheia de brio, uma profunda humildade, uma pureza total e luminosa, uma esperança firme e um amor fogoso”.

            Os pedidos para a vida no seminário foram uma “disciplina de pensamento, do olhar e das tendências” e a capacidade de fazer discursos “falando livremente, sem texto”.

       Consta também no diário um encontro que Karl teve com o Papa Pio XI, o qual o acolheu com particular atenção.

       Em 1938, ingressou no seminário maior, preparando-se para o diaconado, ministério no qual adentrou no dia 25 de março de 1939.  Esperava ele, ainda no mesmo ano, receber o segundo grau da ordem, mas… algo inesperado aconteceu.

Caminhos da Providência

Certo dia, um amigo de sua confiança veio avisar-lhe que Hitler havia sido objeto de um atentado, entretanto, não tinha morrido. Leisner não conteve, porém, um suspiro: “Schade!” (Que pena!). O suposto amigo denunciou-o ao superior do hospital (Karl havida contraído uma tuberculose), e este mandou prendê-lo, o que foi feito em 9 de novembro.

       Em 16 de março do ano seguinte, o diácono foi internado no campo de concentração de Sachsenhausen e, no final do mesmo ano, transladado para o campo de concentração de Dachau, juntamente com outros 2.600 padres.

       Karl Leisner contraiu uma forte hemorragia em março do ano seguinte, e isso provocou febre tifoide. Apesar de todas as enfermidades, ele era tratado pelos guardas da SS de modo quase selvagem. Isso era proposital, uma vez que o chefe do campo dera uma ordem de matar todos os doentes. De fato, é o que se vai dar, pois um terço dos padres deixará lá sua vida.

       Embora as situações fossem deploráveis, Karl nunca perdia o ânimo; de maneira tal, que assinava suas cartas escrevendo sempre “Immerfroh”, o que quer dizer: sempre contente.[5]

       Ouvindo dizer que Dom Gabriel Piguet, bispo de Clermont-Ferrand, fora também conduzido a Dachau, Leisner enviou um pedido a Dom Klemens von Galen,[6] Bispo de Münster, a fim de obter autorização para ser ordenado às escondidas pelo bispo recém-chegado. A licença foi concedida e, no dia 17 de dezembro de 1944, na presença de 2.300 padres realizou-se a cerimônia de ordenação. Para o Pe. Leisner, a alegria foi indescritível, pois, apesar de já ter presente seu agravante estado de saúde, pudera cumprir seu tão esperado desejo.

Contudo, o novo sacerdote não pôde celebrar sua primeira Missa senão no dia 26 de dezembro, festa de Santo Estêvão, devido à sua debilidade física.

Do campo de concentração, à honra dos altares

À alegria da ordenação veio somar-se outro alívio: a morte de Hitler (por suicídio, aliás), no dia 30 de abril de 1945. Isso acarretou a liberação do campo de concentração, após 2.000 dias de verdadeiro inferno. No entanto, tendo a febre tifoide se alastrado e matado 10.000 pessoas em 4 meses, Karl teve que esperar até ser transladado para outro hospital. Isso foi feito no dia 4 de maio.

Ora, bons acontecimentos não ocultavam, de modo algum, que o dia de sua morte se aproximava e seu estado de saúde realmente piorava cada vez mais. Apesar disso, algumas consolações lhe foram concedidas, como a visita de seus pais e de suas irmãs.

Em 29 de junho de 1945, dia que marcou o fim de sua passagem terrena, Karl estava, como sempre, alegre; pois, assim como diz o adágio latino: “talis vita, finis ita”,[7] assim também aquele que, no início de sua vida, tinha tanto entusiasmo, piedade e decisão, na hora da morte não se deixaria abalar, certo de que “pela cruz se chega à luz”. Isso marcou os últimos instantes de sua existência.

No dia 23 de junho de 1996, Pe. Karl Leisner foi reconhecido com honra de mártir e proclamado bem-aventurado.

A ele bem se poderiam aplicar as palavras de São Paulo Apóstolo aos romanos: “O que nos separará do amor de Cristo? Tribulação? Angústia? Fome? Nudez? Perigo? Espada? Mas em tudo isso somos mais que vencedores graças Àquele que nos amou” (Rm 8, 35-38).

Por Luiz Eduardo Trevisan


[1] LEJEUNE, René. Le Prisonnier du Bloc 26: Bienheureux Carl Leisner, martyr du nazisme. Paris: Pierre Téqui, 2011, p. 28.

[2] Referindo-se à Santa Missa, na qual o sacerdote diz: Sursum corda (corações ao alto, a Deus).

[3] LEJEUNE. Op. cit., p. 29.

[4] Respectivamente: “castidade em tudo” e “dai-me força, Senhor”.

[5] Cf. ZELLER, Guillaume. La baraque des prêtres: Dachau, 1938-1945. Paris: Tallandier, 2015, p. 208.

[6] Um dos mais radicais prelados na luta contra o nazismo. Ficou conhecido como o “Leão de Münster”.

[7] “Assim como foi a vida, será a morte”.

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