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Invasão da Abadia de Cluny

Com a Ordem de Cister, fundada no início de século XI por três Santos, houve um reerguimento de quase todos os mosteiros beneditinos. Mas Cluny se precipitou em grave decadência devido à revolta de um abade.

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Redação (01/04/2023 18:47, Gaudium Press) Santo Hugo, Abade de Cluny durante 60 anos, faleceu em 1109 e foi sucedido por Pons de Melgueil, que ele mesmo indicara para esse cargo. Descendente de pais nobres, era parente dos reis da França, Alemanha e Espanha.

Pons era estudioso, parecia ter muitas virtudes e foi eleito abade por unanimidade de votos dos monges. Assim que tomou posse, pediu ao Papa Pascoal II – que havia sido monge cluniacense – a manutenção de todos os privilégios da Ordem de Cluny a qual possuía, então, 1.450 mosteiros na Europa.

Ostentação, relaxamento, mundanismo

O pontífice consentiu, mas o novo abade deixou-se arrastar por suas más tendências e introduziu no mosteiro “a ostentação, o relaxamento e o mundanismo”.[1]

Tendo o bispo de uma cidade das proximidades viajado como peregrino a Jerusalém, Pons se arrogou o direito de distribuir o Sacramento da Crisma, o qual só podia ser ministrado por um prelado. Informado desse abuso, o bispo e os cônegos daquela diocese apresentaram queixas a Pascoal II, que censurou o Abade Pons.

Renúncia ao abaciado

Em 1119, Calixto II foi eleito Papa e Pons ficou indignado porque queria ser ele o escolhido….  E passou a se vestir com trajes magníficos, ser acompanhado por cortejos pomposos e procurava a popularidade especialmente junto aos burgueses.

Vários bispos enviaram mensagens a Calixto II informando-o sobre esses fatos, mas o Papa não tomou nenhuma medida contra Pons. E, em janeiro de 1120, foi pessoalmente à Cluny e o nomeou cardeal.

Pons continuou decaindo espiritualmente causando reações nas almas boas, e diversos monges de Cluny o denunciaram ao Papa, em 1122.  O abade se dirigiu à Roma e Calixto lhe apresentou a carta dos monges descontentes. Revoltado, ele renunciou ao abaciado e declarou que iria a Jerusalém onde passaria o resto de sua vida.

Em agosto de 1122, foi eleito abade de Cluny um monge que ficou conhecido com o nome de Pedro, o Venerável, o qual procurou corrigir a indisciplina existente no mosteiro devido às péssimas ações de Pons.  Todavia muitos monges queriam o regresso deste e mantinham correspondência secreta com ele.

Na Terra Santa, Pons chegou até mesmo a portar a Santa Lança numa batalha contra os muçulmanos, que foram derrotados pelos católicos. Entretanto, ele não cumpriu seu voto de sempre ali permanecer e resolveu regressar à Europa.

Obscenidades e sacrilégios

Em princípios de 1125, Pons atravessou os Alpes acompanhado de pessoas desonestas. Ao saberem disso, diversos monges revoltosos de Cluny deixaram a abadia e foram se unir a ele.

Com esses maus elementos Pons resolveu invadir Cluny, aproveitando o fato de que o Abade Pedro, o Venerável, estava em outra localidade. O prior responsável pelo mosteiro ordenou aos monges que, trancadas todas as portas, resistissem àquela tropa frenética.

Mas a maior parte deles quis receber Pons como seu verdadeiro abade e fizeram causa comum com os atacantes.  A estes se juntaram os burgueses da cidade de Cluny, bem como soldados e camponeses aos quais Pons havia anteriormente tratado de modo demagógico.

Os integrantes dessa turbamulta quebraram as portas e foram acolhidos festivamente pelos monges revoltosos, enquanto que os fiéis se refugiaram nos castelos ou casas das redondezas.

“A populaça invadiu os claustros, os dormitórios, a enfermaria. Os lugares mais reservados, que sempre haviam sido interditos aos leigos, foram tomados pelos fanfarrões, pelas mulheres de má vida, que se entregaram a brincadeiras e demonstrações obscenas.

“No meio do tumulto, uma parte da nave da grande igreja recentemente construída desabou, como se a cólera de Deus tivesse protestado contra a profanação do lugar santo.” [2]

Pons obrigou os monges, sob ameaça de castigo, a lhe prestarem juramento de fidelidade e declarou que nunca pedira demissão do cargo de abade. Aqueles que não quiseram jurar foram jogados na prisão.

Mandou que recolhessem as cruzes, os relicários, candelabros, turíbulos, vasos ornados com pedras preciosas, e até mesmo os cálices sagrados que haviam contido o Sangue de Cristo. Todos esses objetos foram lançados numa fornalha e transformados em lingotes para pagar os soldados e mercenários.

Depois desses sacrilégios, Pons ordenou que invadissem castelos e habitações das redondezas, nos quais estabeleceu prepostos. Em diversas localidades, a corja fez pilhagens e assassinatos. Essa revolução durou até outubro de 1125.

Informado sobre esses horrores, o Arcebispo de Lyon excomungou Pons.

Cismático e excomungado

Os monges fiéis se dirigiram a Pedro, o Venerável, e lhe deram um jornal falado a respeito desses acontecimentos. Ele partiu para Roma e foi recebido pelo novo Papa Honório II, o qual confirmou a excomunhão decretada pelo Arcebispo de Lyon e ordenou aos clérigos e leigos que providenciassem a prisão de Pons, caso o encontrassem.

Em janeiro de 1126, realizou-se um sínodo em Lyon no qual o legado papal lançou contra Pons, os monges e os burgueses de Cluny que aderiram a ele a excomunhão pontifícia. Nas igrejas, não se poderia celebrar Missas e os sinos ficariam mudos.

E todos aqueles que haviam colaborado com os monges rebeldes, adquirindo objetos roubados da abadia, ou tivessem ajudado com víveres ou armas os burgueses de Cluny estavam também excomungados.

Honório II ordenou que se apresentassem diante dele o Abade Pedro, o Venerável, e o facínora Pons. Este declarou que não aceitava o decreto de excomunhão, pois, acrescentava, somente São Pedro, no Céu, possuía o direito de fazer tal documento.

O Papa, então, exarou uma sentença declarando que Pons era cismático e estava excomungado. Os soldados do Pontífice o lançaram numa prisão onde morreu impenitente depois de um mês, em dezembro de 1126.

Essa revolta efetivada por um abade cluniacense foi a precursora da Revolução Protestante propugnada pelo padre Lutero, no século XVI.

Os inimigos internos da Igreja são muito piores que os externos. Por meio de Nossa Senhora, peçamos ao Redentor:

“Dignai-Vos humilhar, rebaixar e castigar os inimigos da Santa Igreja Católica Apostólica Romana, a começar pelos mais terríveis; e estes não são os externos, mas os internos. Tirai-lhes a influência, o prestígio, a quantidade e a capacidade de fazer mal!”[3]

Por Paulo Francisco Martos


[1] DARRAS, Joseph Epiphane. Histoire Génerale de l’Église. Paris: Louis Vivès. 1879, v. 26, p. 273.

[2] PIGNOT, Jean-Henri. Histoire de l’ordre de Cluny, depuis la fondation de l’abbaye jusqu’à la mort de Pierre-le-Vénérable (909-1157). Paris : Durand, Libraire. 1868, v. 3, p. 69.

[3] CORRÊA DE OLIVEIRA, Plinio. Presença régia e vitoriosa do Divino Infante. In Arautos do Evangelho. São Paulo. Ano 21, n. 252 (dezembro 2022), p. 27.

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