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Falta de claridade no documento preparatório do Sínodo suscitará mais perguntas que respostas

O Cardeal Hollerich, relator-geral da Assembleia, declarou que o documento, o qual contém dezenas de interrogações para a reflexão, poderia ou não “receber respostas dos participantes do Sínodo dos Bispos”.

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Redação (21/06/2023 15:01, Gaudium Press) Foi divulgado nesta última terça-feira, dia 20 de junho, o documento que guiará os trabalhos dos participantes na próxima 16ª Assembleia Geral Ordinária do Sínodo dos Bispos a ser realizada entre os dias 4 e 23 de outubro. O documento traz uma série de questões – reunidas após uma sondagem mundial entre os católicos – que apontam para a necessidade de mais inclusão, descentralização e escuta por parte da Igreja Católica.

O texto foi apresentado em uma coletiva de imprensa no Vaticano que contou com a presença do presidente da Secretaria do Sínodo, Cardeal Mario Grech, do relator-geral da Assembleia, Cardeal Jean-Claude Hollerich e do Pe. Giacomo Costa SJ, da Secretaria para a Comunicação do Sínodo. O texto-base ou a “ferramenta de trabalho” das assembleias sinodais costuma ser apelidado de “documento mártir”, porque é descartado após o início dos trabalhos. A não ser que o papa decida incluí-lo entre os textos do seu magistério, os “instrumentum laboris” servem apenas como “lineamenta”, ou seja, diretrizes para as discussões dos participantes.

Com este documento conclui-se a fase de escuta e de discernimento sinodal, iniciada em 2021, em todas as dioceses do mundo. Esta assembleia sinodal será realizada em duas etapas anuais e, pela primeira vez desde sua criação por S. Paulo VI, permitirá o voto dos participantes que não são bispos.

Informou-se que a assembleia se reuniria na Sala Paulo VI e não na Sala do Sínodo, como de costume, uma vez que, além do inusual número de participantes, a Sala permite a composição de “mesas redondas”, onde os bispos se sentarão lado a lado com os participantes religiosos e leigos, sejam homens ou mulheres, para rezarem e refletirem juntos sobre os temas propostos. Esperam-se mais de 300 participantes entre bispos, peritos e auditores.

Segundo dados da Secretaria do Sínodo, 21% dos delegados votantes da assembleia não serão bispos, e o papa indicará pessoalmente 70 delegados:  sacerdotes, religiosos, homens e mulheres consagrados e diáconos. Estima-se um número expressivo do público feminino.

O documento foi escrito por um comitê de 22 pessoas, e aprovado pelo Papa Francisco, segundo o relator da assembleia, o Cardeal Jean-Hollerich. O instrumento de trabalho cobre tópicos polêmicos como a possibilidade da ordenação diaconal de mulheres, flexibilização da regra do celibato sacerdotal, aceitação de pessoas LGBTQ+ e a maior participação dos leigos nas decisões de governo das dioceses e paróquias. O documento pede a renovação dos currículos de formação dos seminários da Igreja a fim de incluir uma abordagem sinodal.

As propostas sugerem que a Igreja adote um processo “sinodal”, ou seja, participativo, em suas estruturas de governo, o que implica em um estilo de condução das assembleias baseado na conversa espiritual, ou seja, no “diálogo no Espírito” e no “discernimento” por parte de bispos e fiéis. O texto também sugere que os candidatos ao ministério ordenado sejam “formados na visão da Igreja sinodal missionária”. Da mesma forma, recomenda que as pessoas que não entendem ou não concordam com as propostas, realizem um “caminho sinodal de acolhimento eficaz” delas.

Entre as prioridades delineadas no documento está o papel da mulher na Igreja. Uma das “fichas de trabalho” que acompanha o texto propõe a seguinte questão para o discernimento: “A maior parte das Assembleias continentais e as sínteses de numerosas Conferências Episcopais pedem que se volte a considerar a questão do acesso das mulheres ao Diaconado. Como se pode encarar esta questão?”

O documento sinodal também assinala sugestões de oração e reflexão preparatória na tentativa de compreender o que significa concretamente o acolhimento e o acompanhamento para a comunidade cristã, recordando que os documentos finais das Assembleias continentais mencionam frequentemente “aqueles que não se sentem aceitos na Igreja, como os divorciados e recasados, as pessoas em casamentos polígamos ou as pessoas LGBTQ+”.

“Como podemos criar espaços em que aqueles que se sentem magoados pela Igreja e não bem-vindos pela comunidade possam sentir-se reconhecidos, acolhidos, não julgados e livres para fazer perguntas? À luz da Exortação Apostólica Pós-Sinodal Amoris laetitia, que passos concretos são necessários para chegar às pessoas que se sentem excluídas da Igreja por causa da sua afetividade e sexualidade (por exemplo, divorciados recasados, pessoas em casamentos polígamos, pessoas LGBTQ+ etc.)?”, indaga o documento.

Apesar de os responsáveis afirmarem que o Sínodo tratará especificamente sobre o tema da Sinodalidade e não sobre temas de moral e doutrina – o que foi reforçado explicitamente pelo Cardeal Hollerich na apresentação do documento –, o texto indica que certas preocupações que requerem “maior reflexão sobre o Depósito da Fé e a Tradição viva da Igreja” poderão ser discutidos.

O documento traz ainda um formato peculiar de apresentação constando de 15 planilhas com perguntas para discernimento e infografias sobre os temas do discernimento e do “diálogo no Espírito”.

Sobre as tensões que virão a surgir com as propostas, o documento atesta: “Não nos devemos assustar com elas, nem tentar resolvê-las a qualquer custo, mas sim nos envolver num discernimento sinodal contínuo. Somente dessa forma, essas tensões podem se tornar fontes de energia e não cair em polarizações destrutivas”.

Causaram surpresa o presidente da Secretaria do Sínodo, Cardeal Mario Grech, afirmar que o documento para o Sínodo sobre a Sinodalidade não oferece uma “sistematização teórica da sinodalidade”, mas é apenas o fruto de uma “experiência da Igreja, de um caminho em que todos aprendemos mais pelo fato de caminhar juntos”; e o cardeal Hollerich declarar que o documento, o qual contém dezenas de interrogações para a reflexão, poderia ou não “receber respostas dos participantes do Sínodo dos Bispos”.

Segundo o purpurado, o Instrumento de Trabalho da assembleia “é antes o resultado do processo sinodal em todos os níveis, um resultado que leva a muitas perguntas. […] Estas questões devem ser colocadas no quadro geral de como responder ao chamado do Espírito e como crescer como Igreja sinodal. […] O Espírito Santo é o verdadeiro protagonista do Sínodo”.

Já o Padre Giacomo Costa, S.J., do setor de Comunicação da Secretaria do Sínodo, explicou que “emergiu o desejo de continuar utilizando o “diálogo no Espírito” como metodologia de trabalho da assembleia de outubro: “O diálogo no Espírito pode ser descrito como uma oração compartilhada em vista de um discernimento comum, para o qual os participantes se preparam com reflexão e meditação pessoal. […] O diálogo no Espírito é tanto mais fecundo quanto mais todos os participantes presentes comprometem-se com convicção, compartilhando experiências, carismas e ministérios a serviço do Evangelho”.

Devido à falta de definições categóricas sobre os temas e a metodologia, a tendência é que a próxima assembleia do Sínodo dos bispos suscitará mais perguntas que respostas.

Por Rafael Tavares, de Roma

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