Em Belém, alegria e dor
Há quem não entenda como podem ser conciliados os estados de felicidade e de dor, supõem que são opostos e que se excluem, quando na realidade podem harmonizar-se.
Redação (05/12/2023 15:21, Gaudium Press) No Advento, tempo litúrgico que antecede imediatamente o Natal, a Igreja encoraja os fiéis a colocarem como nota tônica duas virtudes a serem praticadas: a esperança que encoraja e a penitência que dói. Porque se trata de preparar-se para receber o Menino que nasce, e de celebrar nEle toda uma vida redentora que vai desde a gruta de Belém até a sua Ascensão aos Céus, passando pelo Cenáculo e pelo Calvário.
“Passando” dizemos, embora a rigor o Cenáculo e o Calvário sejam acontecimentos que não passam, permanecem. O ‘Catecismo da Igreja Católica’ no seu número 1085, explica que, na sua Paixão, Morte e Ressurreição, “Cristo viveu o único evento da história que não passa”. Vale a pena ir ao Catecismo e ler esse tema para compreender o grande mistério da permanência da Redenção no tempo. Mas vamos falar sobre o Natal.
A Virgem Maria conhecia as Escrituras e as profecias a respeito do Messias. Sabia, portanto, que Ele sofreria e seria crucificado, e contava com isso, já desde o anúncio do anjo e em meio às alegrias do nascimento.
Humanamente falando, dir-se-ia que o mais apropriado para o Filho de Deus seria nascer num palácio, gozando das honras próprias do melhor dos reis. Não foi assim; Ele nasce em uma gruta, uma cova de animais, onde Maria e José encontram abrigo após serem rejeitados pelos habitantes de Belém.
Essa adversidade não obscurece de forma alguma a alegria da Mãe; Ela está feliz por ter Jesus com ela e por saber que tudo o que acontece está de acordo com os planos providenciais de Deus.
Chegou assim o momento esperado dar a luz… a luz do mundo, o acontecimento que dividiria a história em duas: antes e depois de Cristo.
Repousando nos braços de Maria, o Menino Deus está como no mais esplêndido dos ostensórios. Não é Maria a criatura mais excelsa saída das mãos de Deus? Pobres metais e pedras nobres que decoram os ostensórios e sacrários materiais, por mais ricos e históricos que sejam! O Coração Imaculado de Maria, que palpita em uníssono com o Sagrado Coração de Jesus, vale muito mais do que todos os tesouros da criação.
São Pedro Julião Eymard, fundador dos Sacramentinos e ardente arauto da Eucaristia, escreveu numa meditação eucarística: “Através de Maria, a humanidade faminta recebe o Pão da Vida, seu leite nutrirá o Cordeiro cuja carne será alimento vivificante para o mundo. Ela o prepara e educa para o sacrifício, pois sabe que o Filho nasceu para ser imolado, aceita o desígnio de Deus. Belém anuncia o Calvário”.
Agora, se Belém anuncia o Calvário, como Maria pode estar feliz?
Há quem não entenda como podem ser conciliados os estados de felicidade e de dor, supõem que são opostos e que se excluem, quando na realidade podem harmonizar-se numa pessoa ao mesmo tempo; em sua ótica equivocada, pensam que o estado de felicidade corresponde necessariamente ao riso e às festas. E na hora do sofrimento, reclamações e lágrimas. Mas não é assim.
Quando existem razões válidas para sofrer ou para estar alegres, estas vão além dos sentimentos e das exterioridades, e é perfeitamente concebível que se possa sofrer muito sem nenhuma amargura, e também ser muito feliz com o coração sangrando. Sim, sofrer e gozar ao mesmo tempo! Porque a dor tem um papel importante na existência, é formativa, expiatória e indispensável para a santificação. Os Santos nos dão um exemplo de como viver esta realidade.
Por isso, em Belém não reina nem a desolação e nem a euforia; reina a paz. A noção autêntica de paz não exclui a luta ou o sofrimento. Onde está a Rainha da Paz, está a inimizade contra a serpente e contra o mal…
Por fim, consideremos que o culto eucarístico e a piedade mariana são duas grandes devoções, imprescindíveis e indissociáveis. Tanto mais que Maria Santíssima, sendo a medianeira de todas as graças e o canal para chegar a Jesus, é quem nos conduz ao Pão do Céu.
Neste sentido, chama a atenção que, em algumas de suas aparições, a Virgem solicite a construção de uma capela ou de uma igreja, como pediu em Guadalupe, em Lourdes, em Fátima, etc. Por sua vez, cada templo católico é um lugar sagrado, um santuário. E, à medida que se multiplicam as capelas, as igrejas e os santuários, multiplicam-se os altares onde o Senhor “nasce de novo” no sacrifício eucarístico, e também se multiplicam os sacrários onde Ele é reservado para ser comido como pão de delícias.
É que Maria sempre aceita e fica confortável onde se encontra Jesus. Ela mesma foi um tabernáculo vivo durante nove meses; ao longo de trinta anos ela foi sua companheira permanente, e quando chegou a hora do sacrifício supremo, ela estava ali cheia de dor, oferecendo sua ajuda para a salvação do mudo.
Na véspera de Natal façamos uma oração junto ao presépio ou diante do sacrário, adorando o Menino que vem sofrer para nos redimir do pecado e nos fazer participar de sua tão ditosa Vida divina.
Se os católicos reavivassem em suas almas o amor a Jesus na Eucaristia e pedissem a Maria que lhes conduzissem àquela fonte de água viva, como as coisas seriam diferentes neste mundo mimado e prevaricador!
Na triste constatação das crises que assolam a humanidade e na segurança de ser atendidos na súplica – “Pedi e receberei. Buscai e achareis. Batei e vos será aberto” (Mt 7, 7) – vemos unidas, como em Belém, a dor e a alegria.
Por Por Padre Rafael Ibarguren EP – Assistente Eclesiástico das Obras Eucarísticas da Igreja.
Traduzido por Emílio Portugal Coutinho.
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