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Duas bandeiras… uma só escolha

Vejamos que conselhos nos dá a liturgia de hoje para vencermos as provas de nossa vida interior.

Foto: Gustavo Kralj

Foto: Gustavo Kralj

 

Redação (28/01/2024 09:19, Gaudium Press) Uma das mais cogentes meditações propostas por Santo Inácio nos seus famosos Exercícios Espirituais é a das “Duas Bandeiras”. Nela, o fundador da Companhia de Jesus nos apresenta a vida espiritual como um campo de batalha onde se defrontam dois exércitos: o de nosso Senhor Jesus Cristo, Supremo Capitão e Senhor, e o de satanás, mortal inimigo da natureza humana.

Diante desses comandantes antagônicos, com traços muito bem definidos, torna-se impossível assumir uma postura de neutralidade. “Cristo chama e quer todos os homens sob a sua bandeira; e Lúcifer, ao contrário, debaixo da dele”.[1] Não há uma terceira opção; é preciso fazer uma escolha.

No episódio recolhido pela Liturgia deste 4º domingo do Tempo Comum, vamos contemplar um encontro entre essas duas bandeiras na sinagoga de Cafarnaum. De um lado vemos o Divino Mestre pregando a Boa-nova pela primeira vez; de outro, o “espírito mau”, instalado no corpo de um dos presentes.

Um embate entre Deus e o demônio

Segundo a praxe do culto judaico, sendo “dia de sábado”, Nosso Senhor e seus primeiros discípulos deviam comparecer à sinagoga para ouvir as Escrituras. Todavia, o Evangelho deixa claro não ter ido Jesus apenas para escutar, mas sobretudo para ensinar:

Na cidade de Cafarnaum, num dia de sábado, Jesus entrou na sinagoga e começou a ensinar (Mt 1,21).

Nosso Senhor ainda estava no início da vida pública, mas sua presença e sua palavra já contradiziam todos os padrões errados da época. Sendo o Criador de todas as coisas, explica São Jerônimo, não atuava como mestre, e sim como o Senhor: “Não menciona nenhum outro, mas é Ele mesmo quem dá a ordem. Não fala em nome de outro qualquer, mas no de sua própria autoridade”.[2] É justamente o que afirma o Evangelho:

Todos ficavam admirados com o seu ensinamento, pois ensinava como quem tem autoridade, não como os mestres da Lei (Mt 21,22).

Mas não podia o “caudilho dos inimigos”[3] ficar indiferente diante da pregação de Jesus. Sentiu-se, pelo contrário, muito incomodado com ela, porque a exposição da verdade sempre prejudica seus desígnios de levar os homens para o inferno. Aquele Mestre, cujo divino poder ainda não conhecia, havia pregado de maneira magnífica a mais pura doutrina. Ao ouvi-Lo, os corações afastavam-se do pecado e as mentes se abriam ao sobrenatural.

Embora não tivesse sido intimado abertamente, o “pai da mentira” não conseguia conter sua indignação. Exprimi-la-á pelos lábios de um possesso, que vai interpelar grosseiramente o Redentor. Teria lucrado mais ficando em silêncio…

“Estava então na sinagoga um homem possuído por um espírito mau. Ele gritou: ‘Que queres de nós, Jesus Nazareno? Vieste para nos destruir? Eu sei quem Tu és: Tu és o Santo de Deus’” (Mt 21,23-24).

Por meio dessa manobra, o demônio esperava nimbar Nosso Senhor com uma auréola de glória, que naquele momento não Lhe convinha, de modo a tentá-Lo de orgulho. Visava também, ao enaltecê-Lo, suscitar a inveja e o ódio contra Ele. Como comenta São João Crisóstomo, Cristo ensina aqui que “ainda quando os demônios vos derem um conselho útil, nem assim presteis atenção neles”.[4] Então continua o Evangelho:

Jesus o intimou: “Cala-te e sai dele!” Então o espírito mau sacudiu o homem com violência, deu um grande grito e saiu (Mt 21,25-26).

Nesta passagem, Nosso Senhor diz simplesmente: “Cala-te e sai dele!”. E deve ter pronunciado estas palavras com a maior serenidade e sobranceria, pois não precisa fazer nenhum esforço para impor sua vontade. Ele impera de forma absoluta sobre todas as coisas. Ao dizer “cala-te”, nega ao espírito mau o ministério da palavra, privilégio exclusivo daqueles a quem Deus ama. Logo a seguir, manda-o sair daquele homem. O demônio vê-se imediatamente obrigado a obedecer. E é justamente nesse pormenor do Evangelho que encontramos uma lição de ouro para a nossa vida espiritual.

Como vencer as tentações?

Em seu objetivo de nos arrastar pelo caminho da perdição, os espíritos maus estão sempre à espreita de entrarmos em confabulação com eles, e servem-se para isso dos mais variados estratagemas. Sendo anjos, tudo captam por intuição; são sagacíssimos e incomparavelmente mais inteligentes do que qualquer homem.

Qual deve ser, então, nossa atitude frente a eles nas tentações? São Francisco de Sales, em sua famosa obra Introdução à vida devota, faz uma sábia recomendação: “Não discuta com seu inimigo, nem lhe responda uma palavra sequer […]. Quando assaltada pela tentação, a alma devota não deve perder tempo em discussões nem argumentações”.[5] Ou seja, perante uma tentação, a melhor saída é imitar o exemplo de Nosso Senhor: não dar ouvidos à voz do demônio, romper com a solicitação pecaminosa e voltar a atenção a outra coisa. Mas tenhamos esta certeza: quando a provação nos afligir, ou a tentação nos atormentar, o “Verdadeiro e Supremo Capitão”[6] está ao nosso lado, disposto a intervir no momento mais oportuno para sua glória e nosso proveito espiritual.

Jesus, que hoje nos aguarda na Santa Comunhão, é o mesmo que expulsou o demônio em Cafarnaum e fez toda espécie de milagres na Galileia. Sob o véu das Sagradas Espécies, oculta-se a figura majestosa do “mais belo dos filhos dos homens” (Sl 44,3), perante cuja onipotência é impossível ao demônio resistir.

Extraído, com adaptações, de: CLÁ DIAS, João Scognamiglio. O inédito sobre os Evangelhos: comentários aos Evangelhos dominicais. Città del Vaticano-São Paulo: LEV-Instituto Lumen Sapientiæ, 2014, v. 4, p. 44-57.


[1] INÁCIO DE LOYOLA. Ejercicios espirituales. Segunda semana, n. 137. In: Obras Completas. Madrid: BAC, 1952, p. 186.

[2] JERÔNIMO. Tratado sobre el Evangelio de San Marcos. Homilía II (1,13-31). In: Obras Completas. Obras Homiléticas. Madrid: BAC, 1999, v. 1, p. 847.

[3] INÁCIO DE LOYOLA. Op. cit., n. 138, p. 186.

[4] JOÃO CRISÓSTOMO. Homilía XIII, n. 2. In: Obras. Homilías sobre el Evangelio de San Mateo (1-45). 2. ed. Madrid: BAC, 2007, v. 1, p. 239.

[5] FRANCISCO DE SALES. Introducción a la vida devota. In: Obras Selectas. Madrid: BAC, 1953, v. 1, p. 235.

[6] INÁCIO DE LOYOLA. Op. cit., n. 139, p. 186.

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