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Domingo da Ascensão do Senhor: de que valem os bens deste mundo?

“Não vos deixarei órfãos (Jo 14,18); eis que estarei convosco todos os dias, até o fim do mundo” (Mt 28,20)

Dosso Dossi 022

Redação (21/05/2023 09:07, Gaudium Press) Quem de nós seria capaz de cogitar como era a pessoa de Nosso Senhor Jesus Cristo nos dias de sua vida terrena? Quão agradável e musical era seu tom de voz? Como sua bondade encantava e atraía? Com que sabedoria e astúcia increpava seus inimigos? Algo, porém, é certo: nessa vida, dificilmente nossa pobre imaginação logrará atingir sequer uma parte muito ínfima desta realidade.

Por mais que só tenhamos acesso às descrições da vida de Jesus que constam nas Sagradas Escrituras, podemos concluir quão duro e difícil foi o momento da separação entre o Senhor e seus discípulos. Estes, para qualquer coisa que necessitassem, sabiam a quem recorrer, certos de que seriam atendidos, fosse acalmar uma tempestade, alimentar uma imensa multidão, ou ainda expulsar os espíritos maus que não lhes obedeciam.

Doravante, após a Ascensão, não teriam mais sua presença física…

Maria, sustentáculo da Igreja nascente

Aos seus, contudo, o Senhor prometeu antes de ir ao Pai: “Não vos deixarei órfãos” (Jo 14,18), e ainda: “Eis que estarei convosco todos os dias, até o fim do mundo” (Mt 28,20), indicando que, apesar de sua ausência corporal entre eles, estaria presente como nunca antes.

De fato, tendo Ele subido aos céus, enviou-lhes o Divino Paráclito e, a partir de então, a Santa Igreja iniciou sua missão. Mas não nos esqueçamos de que antes que viesse o Espírito da Verdade, os discípulos perseveravam em oração com Maria, a Mãe de Jesus (cf. At 1,14). E foi por meio de sua ação entre os eleitos que essa orfandade foi sanada nos primeiros tempos da Igreja.

Com efeito, Nossa Senhora, em suas orações, implorava para seus filhos o Dom daquele Espírito que já tinha descido sobre Ela na Encarnação.[1] Bem podemos dizer que Ela era o sustentáculo da Igreja nascente, através de sua chamejante Fé que não A deixava esmorecer perante a incredulidade dos Apóstolos e das ciladas do maligno. Não foi sem razão que a doutrina do Magistério mais recente, proclamou que o lugar privilegiado de nossa Senhora é a Igreja, “onde é saudada como membro eminente e inteiramente singular”.[2]

De que valem os bens terrenos?

Em primeiro lugar, cabe salientar que como Cristo foi enviado pelo Pai, assim também Ele enviou os Apóstolos não só pregarem o Evangelho […], mas também para efetivarem o que anunciaram: a obra da salvação através do Sacrifício e dos Sacramentos, com vistas a perpetuar aos homens a presença de Jesus.[3]

Sem embargo, qual terá sido a razão pela qual o Divino Mestre deixou essa terra, para ascender ao Céu de Corpo e Alma? Não seria mais frutuoso perpetuar sua existência até o presente de modo físico – em vez de fazê-lo pelos Sacramentos –, a fim de que Ele próprio pudesse guiar e conduzir a Santa Igreja, seu Corpo Místico?

São Tomás de Aquino explica que a Ascensão de Cristo é causa de nossa salvação. É de igual modo causa de nossa ascensão ao Céu, pois Ele removeu o pecado que nos impedia de lá entrar. E, pelo fato de ser Ele nossa Cabeça, foi o primeiro a subir aos Céus, a fim de nos apontar o caminho pelo qual um dia nos uniremos a Ele. Além do mais, Cristo subindo ao Céu alcançou para Si e para nós o perpétuo direito e a dignidade da mansão celeste.[4]

Com palavras singelas, podemos afirmar que, entre muitos motivos, Nosso Senhor deixou os seus e foi para o Pai a fim de deixar patente que a finalidade do gênero humano não se cumpre nessa terra e que, portanto, estamos aqui temporariamente. Tudo o que aqui fazemos deve ter em vista a vida futura. Por isso, o Papa São Gregório Magno, numa de suas magistrais e inspiradas homilias, fazia o apelo a que com todo o coração sigamos Jesus para o lugar onde Jesus Se elevou com o seu corpo:

“Deixemos os desejos da terra: nenhum dos ligames desta terra nos satisfaz, a nós que temos um Pai nos céus… Ainda que estejais aturdidos no embate das ocupações, lançai desde hoje na pátria eterna a âncora da esperança. Não procure a vossa alma senão a verdadeira luz. Ouvimos que o Senhor se elevou ao céu: reflitamos com seriedade naquilo em que acreditamos. Apesar da debilidade da natureza humana que nos prende ainda à terra, o amor nos atrai para o seu seguimento, pois estamos bem certos de que Aquele que nos inspirou tal desejo, Jesus Cristo, não há de desiludir-nos na nossa esperança”.[5]

Um eterno tesouro nos está prometido

“O homem se agita, se preocupa inutilmente, junta riquezas sem saber quem vai usá-las” (Sl 38,7).

Assim sendo, meditemos nos tesouros tão valiosos que nos são prometidos na pátria futura, onde gozaremos da visão de Deus por toda a eternidade, bem como da inestimável companhia da Virgem Santíssima e dos bem-aventurados. Se tivermos isso em vista, o mais ínfimo prazer ilícito será considerado insensatez para nós e, deste modo, não quereremos trocar a eterna Beatitude pela prisão sem fim onde haverá choro e ranger de dentes (cf. Mt 8,12).

Temos bem presente a fragilidade de nossa natureza e como somos fracos e miseráveis. Entretanto, lembremo-nos o que afirma a oração coleta da Missa: “a Ascensão de Cristo já é nossa vitória”. E, como membros que somos de seu Corpo, somos chamados na esperança a participar de sua glória.

Por nós mesmos, não somos capazes de abandonar nossos vícios e defeitos. Porém, Nossa Senhora, Mãe da Igreja, que está junto a seu Filho no Céu, tudo pode nos obter d’Ele, desde que lhe peçamos com humildade e com a confiança de que seremos atendidos.

Por Guilherme Maia


[1] Cf. Concílio Vaticano II, Constituição Dogmática Lumen gentium sobre a Igreja, n. 59. In: AAS 57, 1965, 29s.

[2] Ibid., n. 53.

[3] Cf. Concílio Vaticano II, Constituição Conciliar Sacrosanctum Concilium sobre a Liturgia, n. 6-7.

[4] Cf. S. Th. III, q. 57, a. 6, ad 1, 2 et 3.

[5] Gregório Magno. Serm. XXIX, 11.  (PL 76, 1219).

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