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Consenso e conveniência, ou convicções?

As vozes que apregoam o consenso e a conveniência, não raras vezes, são daqueles cujo exemplo condenam suas falsas convicções.

Joseph Fouche

Redação (11/11/2020 10:55, Gaudium Press)Em um parlamento, muitos homens falavam, outros gritavam, alguns somente vociferavam palavras vazias e tudo ao mesmo tempo, sem ordem nem respeito. Num canto, um homem silencioso analisava toda a cena: enquanto a maioria disputava pela palavra, este homem reclamava o silêncio, não sem antes deixar de calcular a atitude dos circunstantes.

A personagem chamava a atenção: era magro, esquálido, de olhar frio, nariz aquilino; nada nele possuía estética, tudo era anguloso e de aspecto sombrio.

De repente, iniciou-se outra cena: começara uma votação: “Sim”, dizem os mais atrevidos; “não”, murmuram alguns medíocres. O ‘homem esquálido’ esperava o momento decisivo; não gostava de manifestar sua opinião antes de ter calculado bem o que mais lhe seria proveitoso. E aquele que, horas antes havia escrito um discurso a favor do “não”, aproxima-se da balança, onde pendem os papéis que alternarão o rumo da História: “o bom calculador, contara os votos e verificara que ia ficar na minoria – o único partido ao qual ele nunca pertencerá – e, subindo à tribuna com o seu passo silencioso, murmurou: ‘A morte’”.[1]

Apenas ele pronunciou o seu voto, os olhares de vários homens voltaram-se para ele: seus amigos sentiram a punhalada que acabavam de receber, sem entender o jogo que executava. Na verdade, tratava-se de um homem que possuía uma “reserva sutil, a audácia de não ter nenhum caráter, a ausência completa de convicções”[2], e que, por isso, colocava-se “tranquilamente e sem perigo, ao lado do vencedor, no seu eterno partido, o da maioria”[3]. Seus inimigos abriram um cínico sorriso de aprovação. O crime foi perpetrado, marcando sua “primeira renegação pública”, uma vez que com este ato tornara-se um regicida.

Nesse dia, o clima estava cinzento. O “homem anguloso” – Joseph Fouché[4] –, mesmo depois de haver cometido o horrendo crime, caminhava tranquilamente pelas ruas movimentadas por uma populaça em algazarra. Era 16 de janeiro de 1793, dia em que a história do Rei da França passou, por instantes, pelas mãos maculadas de um homem cujo ideal era o de ver-se livre de qualquer convicção.

O destino dos que caem nas mãos sujas do unanimismo só pode ser o da guilhotina, inclemente e intolerante!

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Ora, num mundo de instabilidade, inseguranças e, portanto, de incertezas, ou as convicções em relação ao Bem, à Igreja e à Deus estão bem firmes, ou elas cambalearão no momento extremo, diante de mesquinhas maiorias contrárias, de pressões psicológicas ou até mesmo de perseguição aberta daqueles que visam naturalizar ou destruir todo qualquer aspecto religioso verdadeiro.

Além disso, pelo instinto de sociabilidade, todo homem quer “ficar bem” com os demais, o que o leva, muitas vezes, a negar os princípios adquiridos por um simples consenso, e até mesmo por conveniência. Com efeito, “consenso é a ausência de princípios e a presença da conveniência”.[5]

E aqui surgem algumas perguntas: se hoje arrebentar uma perseguição contra a Igreja, de que lado ficarei? Se me for pedido que renegue minha fé em favor da opinião geral, o que responderei? Serei daqueles apreciadores do consenso unanimista?

Queira Deus que estejamos firmes na fé, inabaláveis na esperança e ardentes na caridade (Cf. Cl 1, 23), para não acontecer de descobrirmos que, na realidade, o que achávamos ser fortes convicções, não passavam de mero consenso unanimista, ao qual nunca déramos adesão profunda da inteligência nem da vontade.

Livre-nos Deus de sermos concordes com os Fouchés contemporâneos.

Por Thiago Cunha


[1] ZWEIG, Stefan. Joseph Fouché. Retrato de um homem político (tradução de Medeiros e Albuquerque). Rio de Janeiro: Guanabara & Waissman Koogan Ltda., 1945, p. 38

[2] Ibid., p. 30.

[3] Ibid., p. 37.

[4] Joseph Fouché foi influente e discreto político durante a Revolução Francesa, e dela saiu ileso; chegou a ser Ministro da Polícia no Diretório e durante o período napoleônico.

[5] Cf. Margaret Thatcher.

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