Conformar-se com a vontade de Deus
Como ser fiel a Deus em meio às adversidades que encontramos em nossos caminhos?
Redação (25/02/2024 10:01, Gaudium Press) O sofrimento, esta dura realidade que todo homem tem de enfrentar, leva-nos com frequência a questionar: qual a sua utilidade? Por que Deus os permite? Não seria melhor que tudo acontecesse sem dificuldades?
O Evangelho deste 2º Domingo da Quaresma poderá nos apontar algumas respostas.
A aversão ao sofrimento
O povo judaico ansiava durante milênios pelo advento de um Messias que trouxesse a salvação para Israel. Todavia uma falsa visualização acerca desse Salvador, baseada em princípios assaz políticos, começou a se alastrar entre os judeus, mesmo dentre os mais fervorosos: o Messias sanaria todos os problemas temporais, concedendo ao povo judeu prosperidade e paz, além da primazia sobre as demais nações, qual sanadora dos sofrimentos.
Ora, em relação aos Apóstolos, esta visualização não era muito diferente. Sabiam que Jesus era o Messias prometido e, por esta razão, esperavam a restauração de Israel (cf. At 1,6) em um âmbito meramente terreno.
Quando se deu a Transfiguração no Monte Tabor — como contempla a liturgia de hoje —, os evangelistas narram que os Apóstolos Pedro, Tiago e João estavam com medo, mas extasiados com a cena que se descortinava diante de seus olhos:
“[Jesus] transfigurou-Se diante deles. Suas roupas ficaram brilhantes e tão brancas como nenhuma lavadeira sobre a Terra poderia alvejar. Apareceram-lhes Elias e Moisés, e estavam conversando com Jesus” (Mc 9,2-3)
Uma nuvem os encobriu e dela saiu uma voz que dizia:
“Este é o Meu Filho amado. Escutai o que Ele diz” (Mc 9,7)
Ao descerem da montanha, Jesus lhes proibira de contar esta visão, “até que o Filho do Homem tivesse ressuscitado dos mortos” (Mc 9,9). A expressão “ressuscitar dos mortos” confundia suas mentes, a ponto de comentarem entre si o significado destas palavras (cf. Mc 9,10). Para que se desse uma ressurreição, era preciso que antes Jesus morresse; e, segundo seus critérios, isto era-lhes inadmissível.
Vemos este mesmo fenômeno acontecer na passagem do oitavo capítulo de São Marcos, quando São Pedro repreendeu a Jesus por ter Ele afirmado que morreria e ressuscitaria depois de três dias, o que lhe coube a alcunha de Satanás! (cf. Mc 8,31-33)
Eles ainda não podiam compreender que sem a Cruz, sem o sofrimento, não há vitória: era, efetivamente, através de Sua Morte que viria a salvação para a humanidade.
Cumprir os desígnios de Deus em meio aos sofrimentos
Conta-se que, no século passado, um sacerdote jesuíta, de nome Walter Ciszek, sentira o chamado de Deus para evangelizar a Rússia. Estudou no Collegium Russicum, em Roma, destinado à preparação de jovens para o apostolado na Rússia. Entretanto, ele teve de permanecer algum tempo na Polônia antes de partir para a Rússia. Era o ano de 1939. O exército alemão se apossou da Varsóvia, ao passo que a Rússia vinha tomando conta da Polônia oriental, acercando-se da cidade de Albertyn, onde o Pe. Walter residia com seus paroquianos. Desatou, em consequência, uma terrível perseguição contra os católicos da região.
Por causa do ocorrido, Pe. Walter perguntava-se: por que Deus permitia aquilo? E diante daquela calamidade, ele compreendeu uma importante verdade: quando estamos na vida tranquila de todos os dias, sentimo-nos seguros de nós mesmos, passamos “a nos acomodar neste mundo e buscar nele o nosso sustento […]; começamos a perder de vista o fato de que, por baixo e por detrás de todas estas coisas, é Deus quem nos dá suporte e sustenta […] e pensamos cada vez menos em Deus”. [1]
E por que os desastres?
Infelizmente, muitíssimas vezes apenas nos recordamos de Deus e O buscamos nos momentos de crise, e, geralmente, “com a atitude de crianças birrentas e teimosas. É em momentos de perda familiar ou desespero que os homens se voltam a Deus”.[2] São as ocasiões em que exclamamos interiormente: “Ah, se eu pudesse voltar no tempo, se nada disso tivesse acontecido, se eu tivesse mais uma chance…”[3]
Deve-se ter em consideração que Deus não pode ser o autor e nem mesmo a causa do pecado. Porém, Ele se utiliza de tragédias para recordar à natureza decaída a sua presença e seu amor, a constância de sua preocupação e zelo para conosco. É preciso nos conscientizarmos de que – conforme aponta o Pe. Antônio Rodriguez – “todas as coisas que nos sucedem, veem da mão de Deus, e toda a nossa perfeição está em conformar-nos com sua vontade […]. Não haveis de tomar nenhuma coisa como vinda por acaso ou por indústria e traças humanas, pois isso é o que sói dar maior pena e tristeza”.[4]
Assim, a alma que a cada dia oferece todas as alegrias e sofrimentos a Deus, recebendo tudo sem questionar e respondendo amorosamente ao Criador com inteira aceitação de seu querer, “esta alma percebeu, com a simples fé de uma criança, a profunda verdade da vontade divina”.[5]
Como os paroquianos de Albertyn, apenas uma coisa nos resta fazer: “permanecermos fiéis a Deus e procurá-Lo em tudo, confiando no seu amor […], esforçando-nos sempre para conhecer a vontade de Deus e cumpri-la a cada dia”.[6]
Por Guilherme Motta
[1] CISZEK, Walter, FLAHERTY, Daniel. Pelos vales escuros. São Paulo: Quadrante, 2018, p. 25.
[2] Ibid., p. 27.
[3] Ibid., p. 20.
[4] RODRIGUES, Afonso. Exercícios de Perfeição e Virtudes Cristãs. São Paulo: Cultor de Livros, 2017, p. 443.
[5] CISZEK, Walter, FLAHERTY, Daniel. Op. Cit., p. 51.
[6] Ibid., p. 28.
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