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Como conquistar almas para Deus?

“Desgraçado do padre que permanece mudo vendo Deus ser ultrajado e as almas se extraviarem!”, dizia o Santo Cura D’Ars. Foi, pois, este humilde sacerdote um modelo de pastor íntegro e zeloso, que não poupou esforços para conduzir o rebanho a ele confiado pelas vias da santidade e entrega a Deus.

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Redação (01/08/2020 10:10, Gaudium Press) “Quero ser padre a fim de conquistar almas para Deus!”, declarou o jovem João Batista Maria Vianney à sua mãe, tendo apenas dezessete anos. E, na verdade, foi este o escopo de toda a sua existência.

Quantas almas terá ele salvado ao longo de seus quarenta e quatro anos de ministério sacerdotal? Só Deus o sabe. Mas não há dúvida de que foram muitas, a julgar pelo uivo do demônio registrado por um dos seus principais biógrafos: “Roubas-te me mais de oitenta mil almas!”[1]

O poder de um “pacto” feito com Deus

O Pe. Vianney chegou a Ars no dia 9 de fevereiro de 1818, quando ali era ainda um lugarejo, com cerca de cinquenta casas e duzentos e cinquenta habitantes. Todos ali se diziam católicos, mas estavam longe de viver em função de Deus.

Durante a semana, os homens desperdiçavam seu tempo e os parcos recursos obtidos na faina rural em meia dúzia de tabernas, e – para tentar recuperar um pouco do assim dilapidado – trabalhavam aos domingos. Organizavam-se bailes que faziam perder a inocência aos jovens enquanto, na pequena igreja, tudo se encontrava em situação de descuido e abandono. Aquele templo era a imagem perfeita do estado de alma dos fiéis.

O novo pároco lançou-se desde o primeiro dia à conquista daquelas almas, começando pelo mais essencial: a oração. Pouco depois da meia-noite, dirigiu-se à igreja e, em prantos, fez esta súplica: “Meu Deus, concedei-me a conversão de minha paróquia. Consinto em sofrer quanto quiserdes, durante toda a minha vida… Sim, durante cem anos as dores mais atrozes, contanto que se convertam”.[2]

O Senhor aceitou o pacto proposto pelo santo presbítero e enviou-lhe sofrimentos inenarráveis, aos quais este acrescentava jejuns, flagelações e outros sacrifícios voluntários. Resultado: em dois ou três anos Ars se transformou em modelo de paróquia fervorosa.

“Um pastor deve estar sempre de espada em punho”

Às poderosas armas da oração e do holocausto, juntou ele a da pregação, conforme a recomendação do Apóstolo: “Eu te conjuro em presença de Deus e de Jesus Cristo […]: prega a palavra, insiste oportuna e inoportunamente, repreende, ameaça, exorta com toda paciência e empenho de instruir” (II Tim 4, 1-2).

No púlpito e em toda parte, João Maria Vianney não perdia oportunidade de alertar contra as três coisas que mais afastavam seus paroquianos de Deus: o trabalho aos domingos, as bebedeiras nas tabernas e os bailes.

E legou aos seus irmãos no sacerdócio esta advertência, que ressoa como um eco da profecia de Ezequiel contra os maus pastores (cf. Ez 34, 1-10): “Desgraçado do padre que permanece mudo vendo Deus ser ultrajado e as almas se extraviarem! […] Um pastor disposto a cumprir seu dever precisa estar sempre de espada em punho para defender os inocentes e perseguir os pecadores até reconduzi-los a Deus. Se não agir assim, será um mau padre, que perde as almas em vez de levá-las para Deus”.[3]

Verdadeiro escravo do confessionário

Mas o campo no qual o Pe. Vianney mais se sacrificou e mais almas conquistou para Deus foi no do Sacramento da Reconciliação. O mesmo amor ao próximo que o levava a tonitruar no púlpito contra o pecado, transformava-o no mais paciente e misericordioso dos pais, no confessionário.

O bom exemplo de sua santidade pessoal começou por mover o coração dos seus paroquianos ao desejo de uma séria mudança de vida. Aos poucos, sua fama se estendeu aos povoados vizinhos, depois às grandes cidades da região e, por fim, à França inteira. Em consequência, aumentou na mesma proporção o tempo despendido no confessionário:  de cerca de meia hora no início, elevou-se a uma média diária de quinze horas. E isto durante mais de trinta anos!

Com inteira razão, um historiador hodierno qualificou de escravidão esse regime de vida: devorado de zelo pela salvação das almas, João Maria Vianney chegou a passar dezoito horas seguidas nessa pequena caixa de madeira, sufocado a tal ponto pela escassez de ar que mais de uma vez aconteceu-lhe de desmaiar.[4]

Quando chegava à igreja, poucos minutos após a meia-noite, já o aguardava a multidão. A partir de certa altura, foi preciso organizar filas de espera e um serviço de atendimento: mulheres na capela lateral, homens na sacristia, sacerdotes atrás do altar-mor. Coisa frequente era um penitente sair com o rosto banhado em lágrimas. Pranto de felicidade pela recuperação da inocência! Detalhe edificante, confidenciado pelo próprio São João Vianney a um sacerdote que lhe pedia conselho: “Dou-lhes uma penitência pequena e o resto faço-a eu por eles”.[5] Ou seja, impunha ele ao autor de graves pecados uma pequena parcela da penitência devida e cumpria ele próprio o restante.

“Só na cruz está a felicidade”

Com uma vida marcada por tamanhos sofrimentos e penitências, era possível ser feliz? O pároco de Ars o era em sumo grau. Sua serenidade, seu trato afável e sua conversa atraente assim o demonstravam.

A fonte do júbilo interior que constantemente sentia, ele mesmo no-la desvenda: “Fui muito caluniado e objeto de contradições. Ah! Tive muitas cruzes; talvez mais do que podia carregar. Pus-me a pedir o amor à cruz e desde então sou feliz! Agora digo: verdadeiramente, só na cruz está a felicidade”.[6]

O Santo Cura d’Ars foi também muito popular em vida. Durante suas três últimas décadas de existência, aproximadamente oitenta mil pessoas visitavam por ano aquela aldeia outrora insignificante. Cabe ressaltar que, para chegar até Ars existia apenas uma estrada, a duras penas carroçável. Não havia hotéis nem restaurantes: cada um se instalava ou acampava como podia. Muitos dormiam noites seguidas à la belle étoile, isto é, tendo por teto o firmamento.

Tantos incômodos para quê? Para “ver Deus num homem”, conforme a famosa expressão de um desses peregrinos. A presença do Altíssimo no coração daquele sacerdote, tão simples na aparência, mas tão rico em méritos diante de Deus, atraía poderosamente as almas, conquistando-as para a Santa Igreja.

A figura de São João Maria Vianney é um paradigma de fidelidade ao Sagrado Ministério até os dias de hoje. Não é sem razão ter sido ele escolhido como padroeiro dos sacerdotes.

 Com efeito, este homem, que não mediu esforços nem sofrimentos para cumprir com a vontade de Deus, bem compreendeu a grandeza do Sacerdócio ao qual fora elevado. Estas palavras bem o ilustram: “Oh como é grande o padre! […] Se lhe fosse dado compreender-se a si mesmo, morreria. […] Deus obedece-lhe: ele pronuncia duas palavras e, à sua voz, Nosso Senhor desce do Céu e encerra-Se numa pequena hóstia”.[7]

 

Extraído, com adaptações de:

ARAÚJO, Francisco Teixeira de. Como conquistar almas para Deus? Arautos do Evangelho, ano 18, n. 212, ago. 2019, p 32-33.


[1] MONNIN, Alfred. Le curé d’Ars. Vie de Jean-Baptiste-Marie Vianney. Paris: Charles Douniol, 1861, t.I, p.439.

[2] TROCHU, Francis. O Santo Cura d’Ars. 3.ed. Contagem: Littera Maciel, 1997, p.93.

[3] SÃO JOÃO MARIA VIANNEY. Sur la colère. In: Sermons. Paris-Lyon: Victor Lecoffre; Ruban, 1883, t.III, p.352.

[4] Cf. DANIEL-ROPS. A Igreja das revoluções. I – Diante de novos destinos. São Paulo: Quadrante, 2003, p.756.

[5] SÃO JOÃO XXIII. Sacerdotii nostri primordia, n.53.

[6] TROCHU. Idem, p.137.

[7] SÃO JOÃO MARIA VIANNEY. In: BENTO XVI. Carta para a Convocação do Ano Sacerdotal, 16 junho 2009. Disponível em <www.vatican.va>.

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