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Prezado Cardeal Braz de Aviz, a grama é verde

Este artigo foi enviado à redação da Gaudium Press por um advogado que conhece há muitos anos o apostolado dos Arautos do Evangelho. Dada a atual conjuntura, publicamos de bom grado.

Braz de Aviz

Redação (quarta-feira, 15/09/2021 11:21, atualizado: 12:40, Gaudium Press) Após maciça divulgação do decreto do cardeal Braz de Aviz de 22 de junho de 2021, proibindo menores de se hospedarem em casas dos Arautos do Evangelho, o mundo católico demonstrou grande perplexidade.

Nesses dias estava justamente me indagando se os Arautos do Evangelho escreveriam uma resposta à altura. De fato, soube que encaminharam um recurso à Congregação chefiada pelo cardeal brasileiro, oferecendo sólidos argumentos canônicos e jurídicos contra a decisão. Sem embargo, as chances de essa ação produzir algum efeito são mínimas. O histórico recente das animosidades de Braz de Aviz em relação à Associação – e também a muitas outras – comprova essa tese por si. Mas então que atitude tomar?

Não é novidade que o Código de Direito Canônico anda meio empoeirado na biblioteca cardinalícia. Assim sendo, recorro àquilo que todos os homens possuem por natureza, isto é, a razão, esperando que ela não esteja empoeirada, claro… Nesse sentido, proporia aos Arautos que escrevessem uma carta ao purpurado com a saudação inserida no título deste artigo, baseada no famoso aforismo de G. K. Chesterton: “Chegará o dia que teremos que provar ao mundo que a grama é verde”. Então, provemos que a grama é verde…

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Primeiramente, é estranho que o decreto alegue se basear em “informações” e “numerosas comunicações”. Como assim “numerosas”? Por que, então, não são consideradas as mais de 2500 assinaturas dos pais, legítimos responsáveis pelos menores,[1] constantes no volumoso abaixo-assinado enviado ao cardeal? A totalidade dos pais dos alunos está de TOTAL acordo com a frequência deles na Associação; caso contrário, os retiraria. Pelo menos se supomos que a grama é verde…

Ademais, o decreto afirma que as “famílias de origem” (sic: existe família de destino?) são, “na maioria das vezes, excluídas da vida dos seus filhos, e que os contatos com os pais não são suficientemente garantidos”. É interessante notar que o decreto coloca as famílias como excluídas da vida dos filhos e não o contrário. Ou seja, a Associação em si estaria excluindo as famílias dos filhos, como se estes tivessem sido subtraídos dos pais! Se é assim, então estamos diante de um caso único na história: o sequestro em massa de centenas de adolescentes!

Como dizia Shakespeare, há algo de podre no Reino da Dinamarca… pois o mesmo cardeal entrou para o seminário menor do Pontifício Instituto de Missões Estrangeiras de Assis (SP) com apenas 11 anos de idade, enquanto sua família morava bem longe (no Paraná). Seria isso também uma exclusão familiar…? E os padres do PIME seriam também “rígidos”? Só sei que para eles a grama segue sendo verde…

Além disso, o decreto considera que o “tipo de disciplina” seria “excessivamente rígida” (sic; correto: “rígido”) nos Arautos do Evangelho (concordância nominal é rigidez também?). Mas como pode ser uma associação em si mesma rígida sem indicação dos responsáveis? Como se diz em Direito, carro não atropela ninguém; quem atropela é o motorista.

E tudo isso com que finalidade? Para “permitir aos mais jovens o indispensável relacionamento com as famílias e com o objetivo de prevenir qualquer situação que possa favorecer possíveis abusos de consciência e plágio contra menores”. Bem, mais uma vez uma acusação genérica, pois em qualquer ordenamento jurídico que se preze, só uma pessoa física pode abusar da consciência de outrem. Pelo menos nos países onde a grama é verde…

E a questão do plágio? Até onde saiba “plágio” significa a “apresentação feita por alguém, como de sua própria autoria, de trabalho, obra intelectual etc. produzido por outrem” (Houaiss). Enfim, ao que tudo indica, trata-se de uma tradução mequetrefe do termo italiano “plagio”, para significar algo como “submissão de outrem ao próprio poder”. Ora, a lei italiana que trata do assunto foi por última vez promulgada pelo governo fascista e declarada inconstitucional em 1981 pela Suprema Corte Italiana.

Eis mais uma criatividade do prelado: punir um eventual crime futuro. Pelo sentido comum, o remédio não pode ser mais duro do que o temor de uma doença. Seria mais ou menos como se um prefeito fechasse todos os bares de sua cidade porque alguns súditos “possivelmente” se embriagarão… ou se um bispo fechasse todas as igrejas de sua diocese porque ouviu falar que há padres corruptos (com concubinas e filhos, por exemplo). Não me consta que Braz de Aviz tomou essa providência enquanto esteve nas dioceses por onde passou. De qualquer forma, quem seriam esses supostos abusadores de consciência nos Arautos? Pois se existe grama, existe também a sua cor verde…

Outras questões ainda se impõem: como reputar o relacionamento com os pais como “indispensável” se algum dos jovens punidos fosse órfão? E se a família não tem condições de acolhê-lo? E se a família estiver em condições de vulnerabilidade? E se não há possibilidade de retornar a seu país natal? E se os pais simplesmente não quiserem? Será que Braz de Aviz vai entrar até mesmo no planejamento familiar? Se assim for, sugiro aos pais para pedir que ele ajude então a pagar as contas…

Certo é que a formulação do cardeal é tão hipotética (e tão errática) – “possa favorecer possíveis” – que a pena é completamente desproporcional ao suposto crime. Isso sem falar dos aspectos estritamente jurídicos da questão, como o devido processo legal, o contraditório e a presunção de inocência, salientando-se que os ordenamentos jurídicos pátrios guardam profunda consonância com o Direito Canônico. Alô, alô, canonistas do Vaticano e da CNBB, onde estão os senhores? Será que aqui no Brasil a grama ainda é verde?

Além disso, o cardeal afirma que “todos os menores de idade admitidos a qualquer título na Associação privada de (sic) Arautos do Evangelho […], ao final do ano letivo em curso devem voltar a viver com as suas famílias e serem confiados aos respectivos pais”. A pergunta é: como um menor pode ser admitido nos Arautos, se os Estatutos desta associação não preveem a admissão de menores? Ou seja, os menores sequer são Arautos! Seria mais ou menos como se o cardeal quisesse se meter na escalação da seleção brasileira de futebol… mas não pode, pois o gramado onde ela joga é verde!

Por fim, o decreto redigido em junho ordena que os menores sejam deportados até o final do ano letivo, ou seja, em dezembro. Como a Congregação permite, então, que os supostos abusos continuem acontecendo durante um semestre inteiro!? Se os abusos são reais, tratar-se-ia de uma negligência ímpar por parte do cardeal… e se assim for, eventualmente punível pela justiça comum. Ou estou enganado?

Em suma, tratemos de poupar o leitor, porque mais, muito mais poderia ser dito sobre a inocuidade do libelo. Disso poderemos tratar em outro artigo. Como advogado, só posso dizer que na esfera do Direito Positivo, um colega esfregaria as mãos diante de uma causa dessa, desde que a grama continuasse verde, claro…

Por Marco Antonio Machado

Advogado no Rio de Janeiro


[1] Cfr. artigos 227 e 229 da Constituição Federal, c/c os artigos 1630 a 1634 do Código Civil; Código de Direito Canônico, cân. 226, § 2; cân. 793, § 1; cân. 1136.

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