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As três decisões históricas de Bento XVI

Sem dúvida, levará tempo para poder apreciar adequadamente o alcance da obra de Bento XVI. Sua renúncia, em 2013, convidava a pensar que tomaria definitivamente o caminho do silêncio, inclusive do esquecimento. No entanto, Bento XVI continuou sendo uma referência.

Pope Benedict XVI 1 – cropped

Redação (13/01/2023 08:38, Gaudium Press) Pouco depois de responder ao chamado de João Paulo II, em 1981, para estar à frente da Congregação para a Doutrina da Fé, Joseph Ratzinger recebeu o apelido de “Panzer-Kardinal”. A expressão chocava. Mas era falsa. E todos os que o conheceram puderam atestar isso. [Ratzinger] era um homem fisicamente pequeno. Um sorriso agradável e uns olhos brilhantes de inteligência ocultavam uma espécie de timidez. Não havia nada nele que pudesse recordar um tanque arrasando a França em 1940. Tampouco era um inquisidor, como imaginam aqueles que pintam a época medieval de cores escuras. Seus traços, pelo contrário, sugeriam a imagem de um “cardeal sorridente”.

À frente do antigo Santo Ofício, o cardeal Ratzinger marcaria o rumo doutrinal do longo pontificado de João Paulo II. Os papéis pareciam divididos. O papa se encarregava quase diretamente do cenário, das multidões, das viagens, da evangelização dos povos e nações. Atos que, embora louvados pelo mundo, seguiam sendo controvertidos para alguns fiéis, como os encontros inter-religiosos de Assis ou o beijo do Corão. Já o cardeal, pelo contrário, se incumbia do trabalho de escritório, das explicações da doutrina católica, da criação de um catecismo universal e de ajustar bem as encíclicas papais para evitar as interpretações heterodoxas. Também houve advertências e condenações. Cada detalhe era uma obra sob medida, um ponto de encaixe, uma fina costura artesanal. Pura arte em uma época que vivia da industrialização chinesa. Tratava-se de uma inevitável inovação.

Quando João Paulo II entregou sua alma a Deus, Joseph Ratzinger o sucedeu. Foi uma surpresa, mas era inevitável. O papa falecido havia deixado uma tal impressão que era impossível imaginar um sucessor que não fosse um próximo a ele. Ademais, era necessário um homem de dentro do sistema eclesial para reformá-lo; urgentemente, porque a estrutura papal estava a ponto de explodir. O cardeal Ratzinger era o homem indicado para fazê-lo. E o era tanto, que não teve medo de tratar, na Sexta-feira Santa de 2005, sobre o lodo que sujava a Igreja.

Joseph Ratzinger foi eleito rapidamente e adotou o nome de Bento XVI. Esperava-se, portanto, que ele reformasse a cúria a toque de caixa. Expectativa legítima, mas que, sem dúvida, significava não conhecer bem o novo pontífice. Ele via as coisas de cima. Demasiado alto? Talvez. Preferiu uma reforma em grande escala, uma reforma beneditina que pretendia restaurar a unidade da Igreja e a paz em seu seio mediante uns poucos atos decisivos.

O primeiro, foi depurar as responsabilidades derivadas do Concílio Vaticano II. No dia 22 de dezembro de 2005, pronunciou um discurso histórico no qual contrapôs duas interpretações do Concílio. Aquela que entende o Vaticano II como uma ruptura com o passado, e a que o insere na continuidade de uma renovação sempre necessária. A segunda, é claro, tinha a sua preferência e constituía a sua política. Representava uma tentativa de resgatar o Concílio; não de questioná-lo, e nem sequer de tentar avaliar suas conquistas. No entanto, foi como uma deflagração.

Em outro gesto histórico, Bento XVI decidiu pôr fim à disputa litúrgica nascida da mudança do rito da missa em 1969. Joseph Ratzinger já levava décadas trabalhando neste sentido. Com seu motu próprio Summorum Pontificum, recordou que a missa antiga nunca havia sido proibida e que qualquer sacerdote podia celebrá-la. Acreditava-se que se tratava simplesmente de um desejo de reconciliação com a Sociedade de São Pio X. Se este desejo não faltava – como o demonstrou em 2009 o levantamento das excomunhões dos bispos consagrados por Mons. Lefebvre –, não era o primeiro. Na mente de Bento XVI, o conhecimento da antiga liturgia deveria permitir corrigir as deficiências da nova e reinstaurar a arte de celebrar dos sacerdotes na grande tradição da Igreja latina. Uma aposta? Sim, porém foi uma aposta bem-sucedida, porque as novas gerações de sacerdotes retomaram com alegria a missa antiga e revisaram sua forma de celebrar a nova.

Menos conhecida pelo grande público, outra decisão ia na mesma direção. Em 2009, Bento XVI criou estruturas de acolhida para os anglicanos que desejavam converter-se ao catolicismo. Eram herdeiros de um rico patrimônio litúrgico e artístico difícil de abandonar. Bento XVI permitiu que eles conservassem esta tradição anglicana sem deixar de serem plenamente católicos no plano doutrinal e disciplinar. O êxito foi modesto, mas real. Inseria-se sobretudo no âmbito desta reforma beneditina que se tentou levar a cabo entre 2005 e 2013.

Qual é o resultado? Ao lançar a Igreja pelo caminho sinodal, o papa Francisco pôs fim, definitivamente, a qualquer interpretação de continuidade referente ao Vaticano II. Seu motu próprio Traditionis custodes tentou anular o Summorum Pontificum, proibindo a celebração da missa tradicional em nome do mesmo Concílio. Por mais que os bispos anglicanos continuem a converter-se ao Catolicismo, os ordinariatos criados para acolhê-los deixaram de ser uma via privilegiada e uma resposta clara ao desvio do ecumenismo.

Claro está que a obra teológica de Bento XVI é de grande qualidade e requinte. Certamente, algum dia a História esclarecerá as reais condições de sua renúncia. Sobretudo, é possível que seu pontificado passe pela peneira do Evangelho, que diz que a semente que cai em terra deve morrer para dar fruto. Assim, entre os jovens sacerdotes alimentados com o leite de Summorum Pontificum se encontra, sem dúvida, o papa de amanhã. Bento XVII?

Por Philippe Maxence

Extraído de: https://www.lefigaro.fr/vox/religion/les-trois-decisions-historiques-de-benoit-xvi-20221231. [Tradução nossa]

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