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As principais festas judaicas: a Páscoa – Parte I

Celebrada pela primeira vez em terras egípcias, a Páscoa é a única festa cuja instituição ocorreu antes da posse da terra de Canaã efetuada pelos hebreus.

Josefa cordeiro pascal

Redação (30/03/2023 10:30, Gaudium Press) A comemoração anual de datas simbólicas e importantes é um costume muito frequente nos povos civilizados e em diversas instituições. No Brasil, por exemplo, festeja-se o dia em que nossa independência foi obtida, em 7 de setembro; e proclamada a república, em 15 de novembro.

No âmbito litúrgico, entretanto, as coisas tomam outra dimensão: rememoramos e celebramos os dias dos mártires, das virgens ou as próprias solenidades do Senhor e de Nossa Senhora. Estas datas, imbuídas de simbolismo, reúnem em si o passado, como função rememorativa; o presente, como função atualizante; mas garantem a esperança no futuro, como função profética.[1] E é nesta impostação que devem ser observadas.

Ora, essa visualização litúrgica das datas estava muito vincada na religião judaica: “sempre foi um costume assaz propagado entre os judeus o ato de consagrar as pessoas, objetos, animais e os produtos agrícolas, mas o mesmo também deveria se fazer com o tempo. Interrompendo as ocupações de cada dia festivo, deveria se destinar ao Senhor alguns breves períodos, como forma de santificá-los. Para Israel, o tempo não é simplesmente o eterno repetir dos meses e das estações. Não se trata de um tempo quantitativo (“kronos”), mas de um tempo qualitativo (“kairós”) que adquire a qualidade de acontecimento salvífico reatualizado no marco das celebrações festivas”.[2]

Com efeito, está escrito no livro do Levítico: “O Senhor disse a Moisés: ‘Dize aos israelitas o seguinte: Eis as festas do Senhor que anunciareis como devendo ser santas assembleias: Essas são as minhas solenidades’” (Lv 23, 1-3).

Para eles, judeus, três eram as festas principais: a festa da Páscoa, Pentecostes e a festa dos Tabernáculos.

Origem da Páscoa

Friesach Dominikanerkirche Hochaltar PessachA Páscoa é a única festa cuja instituição ocorreu antes da posse da terra de Canaã efetuada pelos hebreus. De fato, ela foi pela primeira vez celebrada antes mesmo que o povo eleito abandonasse o Egito. Era o dia da primavera boreal, o 14º do mês de Abib – posteriormente chamado Nissan –, correspondente aos nossos meses de março-abril.

No relato do Êxodo, aparece pela primeira vez na Sagrada Escritura o termo פֶּסַח (pesaḥ): “É a Páscoa do Senhor” (Ex 12,11). Embora muito discutida, a provável etimologia desta palavra está relacionada à raiz hebraica PSH, que significa “saltar”, devendo ser interpretada num sentido salvífico: o Senhor “saltou” as casas habitadas pelos israelitas, livrando-os do extermínio dos primogênitos. O vocábulo hebreu pesa foi transliterado pelos Setenta[3] para o grego, utilizando o termo πάσχα (pásja), de onde derivam a palavra latina pascha e seus equivalentes em outros idiomas: Pascua, Páscoa, Pâques, etc.

O filósofo Fílon de Alexandria, em seus comentários ao Êxodo, preferia usar os termos διάβασις (diábasis): “passagem” e διαβατήρια (diabatéria): “travessia”, em lugar de πάσχα, para traduzir o conceito hebreu pesa. Ao mesmo tempo, porém, por uma semelhança meramente fonética, relacionava essa palavra com o termo grego πάσχειν (pásjein), cujo significado é “padecer”. Assim, entre os alexandrinos de origem judaica, seguindo uma interpretação alegórica, a Páscoa começou a ser considerada como a passagem do estado de sofrimento para o de perfeição; abandonam-se as paixões e se adquire a sabedoria”.[4]

Esta festa costumava durar sete dias, guardando-se devidamente o sábado que figurasse entre eles. Tudo começava no dia 10 do mês de Nissan, quando os chefes de cada família de Israel adquiriam o seu próprio cordeiro e o levavam para o local onde seria sacrificado.

Desde o entardecer do 14 de Nissan, oferecia-se no Templo um Sacrifício especial. Ao ouvir o clangor das trombetas que eram tocadas do Santuário, ressoando por toda Jerusalém, os chefes de família para lá se dirigiam, cada qual com seu cordeiro. Todos os israelitas eram introduzidos no átrio sagrado onde degolavam o animal com suas próprias mãos, quando não o faziam os levitas. Os sacerdotes recolhiam o sangue e o derramavam sobre o altar. Somente a partir do segundo dia de Páscoa, ficava aberta solenemente a época da recolecção de cereais, e então se permitia consumir os novos frutos em reconhecimento da dádiva do Senhor, que são os produtos dos campos.[5]

Cerimonial familiar

O ritual da Páscoa não era unicamente realizado no Templo de Jerusalém, mas inclusive havia um cerimonial doméstico onde cada família se reunia para louvar a Deus.

Na tarde do dia 13 de Nissan, iniciava-se o preparo dos pães ázimos. Cada mãe de família era responsável por cozê-los apenas no dia 14, para serem comidos a partir da refeição do meio-dia, hora em que se queimavam ao ar livre todos os pães fermentados. Cabe recordar que durante os sete dias pascais era somente permitido comer dos pães sem fermento. E, por este motivo, esta festa ficou também conhecida como festa dos Pães Ázimos.

Após o sacrifício no Templo, os chefes de família levavam os respectivos cordeiros para suas casas. “Para assar o cordeiro, ele era atravessado por uma haste que entrava pela boca e, ordinariamente, por uma outra menor que lhe entrava pela região do costado, de maneira que o cordeiro ficava como que sujeito a uma cruz”,[6] fato que adquire um alto valor simbólico, visto que Nosso Senhor Jesus Cristo, o verdadeiro Cordeiro de Deus, por nós imolou-se no altar da Cruz.

Chegado o momento da refeição, reuniam-se os comensais, que não podiam ser menos de dez pessoas, todos limpos de qualquer impureza legal. O pai da família começava a refeição, tomando em suas mãos a primeira taça de vinho e pronunciando uma bênção. Recitava uma oração em agradecimento pela instituição daquele banquete; bebia uma parte do líquido e a taça circulava por toda a mesa. Logo, todos lavavam suas mãos e após uma nova bênção, recitavam outras orações. Então se trazia uma mesa onde estavam postas as verduras amargas, os pães ázimos, uma taça de vinagre, o cordeiro e uma geleia feita de maçãs, figos, nozes e vinho. O pai da família provava as verduras depois de molhá-las no vinagre; os demais faziam o mesmo, enquanto um leitor presente recordava em alta voz a história do cordeiro pascal.[7]

Distribuía-se a segunda taça de vinho. Concomitantemente, um dos filhos da casa ou um dos jovens presentes suplicava ao pai da família que explicasse o sentido das cerimônias de Páscoa. Então ele explicava, acrescentando depois o salmo: “Aleluia, louvai o Senhor, servos do Senhor”. E todos cantavam a primeira parte do Hallel; abençoava-se o vinho, bebia-se e repartia-se entre os presentes. Após isso, o pai tomava dois pães ázimos; partia o primeiro em dois pedaços e, depois de recitar uma curta oração, tomava um dos pedaços, envolvia-o em verduras amargas e começava a comê-lo com a geleia, pronunciando uma oração. Em seguida, ele abençoava o cordeiro pascal e tomava uma porção. Somente concluída esta última benção, iniciava-se propriamente o banquete pascal, onde todos se serviam dos alimentos, junto com uma terceira taça de vinho. Posteriormente rezava-se a segunda parte do Hallel, alternado em dois coros.[8] Uma criança cantava: “bendito seja o que vem”, ao que respondiam “em nome do Senhor”. Ainda cantavam-se bênçãos, louvores e o grande Hallel (Sl 135), juntamente com um grandioso hino de graças. E só então bebiam a quarta taça de vinho, findando, assim, a ceia Pascal”.[9]

É indispensável explicar que, na Religião Católica, todo este cerimonial foi suplantado pela Santa Missa, visto que, no próprio dizer do Apóstolo, “Cristo, nossa Páscoa, foi imolado” (1 Cor 5,7). Pois, no antigo ritual, a Páscoa que se celebrava era uma prefigura da verdadeira no Novo Testamento: a ressurreição de Nosso Senhor Jesus Cristo, o maior triunfo da História.

Por João Pedro Serafim


[1] Cf. LÓPEZ MARIN, Julián. La liturgia de la Iglesia: Teología, historia, espiritualidad y pastoral. Madrid: BAC, 2009, p. 33.

[2] Cf. BÍBLIA SAGRADA: Edição de estudos. São Paulo: Ave Maria. 1959, p. 180-267.

[3] Primeira tradução feita da Bíblia. Iniciada no séc. III a. C pelos judeus que viviam na cidade de Alexandria. A língua utilizada foi o grego.

[4] DE SAINT AMANT, Alejandro Javier. A Páscoa antiga, prefigura da verdadeira. Arautos do Evangelho, n. 124, abr. 2012, p. 18-19.

[5] Cf. HOLZAMMER, Juan; SHUSTER, Ignacio. História bíblica: Antigo Testamento. Trad. Jorge de Riezu. Barcelona: Litúrgica española, 1934, p. 341-342.

[6] HOLZAMMER. Op. Cit., p. 342.

[7] Como descrito em Ex. 12, 26.

[8] Neste momento se cantava especialmente o Sl 117, 27.

[9] Cf. HOLZAMMER. Op. Cit., p. 342-343.

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