Antes de tudo, é preciso ser Santo!
Deus não quer as obras de Francisco, mas quer o São Francisco das obras!
Redação (03/12/2020 15:05, Gaudium Press) No dia 6 de maio de 1542, aportava na remota e lendária Índia, depois de conturbada viagem de treze meses, o filho dileto de Santo Inácio de Loyola. As portas da Ásia abriam-se diante desse sacerdote de apenas 35 anos de idade, Francisco Xavier.
Seu primeiro campo de ação foi a cidade de Goa, principal colônia portuguesa no Oriente, onde os europeus, esquecidos de sua missão civilizadora, dedicavam-se a um lucrativo comércio e se deixavam arrastar pela sensualidade e pelos vícios do mundo pagão.
Depois de passar alguns meses nessa cidade, rumou Francisco para terras ainda mais distantes. E a partir de então, sua vida tornou-se um ininterrupto peregrinar por terras, mares e ilhas longínquas, alargando sem cessar as fronteiras do Reino de Jesus.
Assim, enfunadas as velas de sua alma pelo sopro do Espírito Santo, com heroica generosidade Francisco Xavier fez de sua existência um contínuo “fiat mihi secundum verbum tuum”, lançando-se sempre, de ousadia em ousadia, à conquista de mais almas, para a maior glória de Deus.
No Império do Sol Nascente
Certo dia, estando na cidade de Malaca, apresentaram-lhe um homem de olhos oblíquos e mirada inteligente, que havia percorrido centenas de milhas tendo por único intuito encontrar-se com o célebre e venerável ocidental que perdoava os pecados… Seu nome era Hashiro e sua terra natal, o Japão.
Imediatamente, vislumbrou Francisco a riqueza que seria para a Igreja se o povo representado por esse intrépido neófito fosse santificado pelas águas do Batismo.
Lutando contra adversidades de toda ordem, mais de dois anos passou Francisco no remotíssimo Império do Sol Nascente, fundando igrejas, anunciando a verdadeira fé a príncipes e nobres, a pobres camponeses e inocentes crianças. Entretanto, tendo como objetivo conseguir mais missionários para essa promissora terra, partiu de volta à Índia, deixando no Japão, que não mais o veria, uma robusta e florescente cristandade.
Depois de ter percorrido o Extremo Oriente em todas as direções durante dez anos e levantado a Cruz no arquipélago nipônico, o coração de Francisco, insaciável da glória de Deus, lançou-se a conquistar novos povos para seu Rei e Senhor: a China seria agora sua grande meta. Pela importância do império chinês, por sua incalculável população e, sobretudo, seu prestígio e riqueza cultural, compreendeu que, se fizesse nele correr as águas batismais, a Ásia inteira se prostraria aos pés do Divino Redentor.
A última viagem
Retornando do Japão, pouco tempo se deteve o Pe. Francisco na Índia. Apenas o suficiente para atender as necessidades da Companhia de Jesus nessas terras e preparar a tão desejada viagem à China.
Um dedicado amigo do infatigável missionário, chamado Diogo Pereira, empregou toda a sua fortuna fretando um navio, carregando-o com esplêndidos presentes para o imperador da China e adquirindo magníficos paramentos de seda e de damasco, e todo tipo de ricos ornamentos para celebrar a Santa Missa com toda a pompa, de modo a dar aos chineses noção da grandeza da verdadeira religião que lhes seria anunciada.
Assim, no dia 17 de abril de 1552, embarcou na nave Santa Cruz para conquistar o império de seus sonhos.
No entanto, poucos dias de navegação haviam transcorrido, quando se desencadeou terrível tempestade. A tripulação do navio, espantada com a violência dos elementos e tendo perdido qualquer esperança de salvação, pedia com grandes clamores o sacramento da Penitência. Francisco Xavier, imperturbável, recolheu-se em profunda oração. E imediatamente, o vento cessou de soprar e as ondas tornaram-se suaves e calmas pela fé e pelas preces desse humilde conquistador de impérios.
Sancião era o nome dado pelos portugueses à inóspita ilha de Shangchuan, situada a 180 quilômetros da cidade de Cantão. Nessa ilha, onde os navios europeus costumavam aportar para comerciar com os chineses, desembarcou o santo missionário em outubro de 1552.
Esforçaram-se ali os portugueses por encontrar, entre os numerosos mercadores chineses, algum que se prontificasse a levá-lo a Cantão. Todos, porém, se escusavam, pois isso era vedado pelas leis imperiais, e os transgressores expunham-se a perder todos os haveres e até a própria vida. Por fim, um deles, decidido a correr o risco, se dispôs a transportar São Francisco numa pequena embarcação, mediante o pagamento de 200 cruzados. Mas os dias e as semanas se passaram, e em vão aguardou Francisco o retorno do comerciante que se comprometera a transportá-lo: este infelizmente nunca retornou.
O fim de uma alma santa
As forças físicas do ardoroso missionário chegaram então ao termo. Uma altíssima febre o obrigou a recolher-se em sua improvisada cabana, onde, desamparado dos homens e padecendo frio, fome e toda classe de privações, deveria passar os últimos dias de sua heroica existência nesta terra de exílio: a exemplo de seu Mestre Divino, Francisco Xavier morreria no auge do abandono e da aparente contradição.
Alguns dias antes de entregar seu espírito, entrou em delírio, revelando então a magnitude do holocausto que a Providência lhe pedia: falava continuamente da China, de seu veemente desejo de converter esse império e da glória que adviria para Deus se esse povo fosse atraído para a Santa Igreja Católica…
E nas primeiras horas da madrugada de 3 de dezembro de 1552, Francisco Xavier expirou docemente no Senhor, sem uma queixa ou reclamação, divisando ao longe aquela China que não conseguira conquistar e que tanto havia desejado depositar aos pés de seu Rei, Nosso Senhor Jesus Cristo.
* * *
Às almas prediletas, Deus pede uma disposição ilimitada para cumprir sua divina vontade e, além disso, a aceitação de não chegar a cumprir aquilo que constitui a razão de ser de sua existência. A China representava o pleno cumprimento de sua missão, mas não era a China que Deus queria de Francisco, e sim o próprio Francisco. Vê-se com isso que as almas eleitas dão mais glória a Deus sendo fiéis do que realizando grandiosas proezas. Por isso, a verdadeira santidade encontra-se no recolhimento interior da alma, que está sempre no conspecto de Deus.
Se alguém se depara com pessoas que fazem, fazem, fazem, mas não se preocupam em ser, cuidado: pois podem ser Francisco, mas jamais São Francisco o serão.
Texto extraído, com adaptações, da Revista Arautos do Evangelho n. 47, de novembro 2005.
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