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Amor a toda prova

O encontro com uma pobre mulher da Samaria prefigura o amor de Jesus por todos nós. Fatigado pelo calor do caminho, o Redentor necessita de água. Mas sua sede de converter aquela alma é incomparavelmente maior.

Catedral Metropolitana de Salta – Argentina – Foto: Dario Ialorenzi

Catedral Metropolitana de Salta – Argentina – Foto: Dario Ialorenzi

Redação (12/03/2023 10:26, Gaudium Press) O episódio do encontro de Nosso Senhor com a samaritana nos revela um belo ensinamento, neste 3º Domingo da Quaresma, a propósito da disposição que deve ter a alma para converter-se a Deus.

“Naquele tempo, Jesus chegou a uma cidade da Samaria chamada Sicar, perto do terreno que Jacó tinha dado ao seu filho José. Era aí que ficava o poço de Jacó. Cansado da viagem, Jesus sentou-se junto ao poço” (Jo 4,5-6).

O livro do Gênesis nos relata alguns poços mandados escavar por Isaac (cf. Gn 26, 18-32). Acostumados nós, hoje, com a água encanada, não fazemos ideia da fundamental importância de uma fonte, ou de um poço, no Oriente daqueles tempos. Naquelas terras, é causticante o calor do verão. Procurava-se caminhar fora dos horários ensolarados a fim de evitar a exaustão. Nesta passagem do Evangelho, vemos Jesus se comportar, em sua humanidade, como qualquer pessoa que sente as agruras do mormaço dessa estação do ano.

“Chegou uma mulher da Samaria para tirar água. Jesus lhe disse: ‘Dá-me de beber’” (Jo 4,7).

São João, que escreveu seu Evangelho para ressaltar a substância divina do Salvador, neste trecho demonstra empenho em relatar o lado humano d’Ele. Um dos Padres da Igreja que, com voo de águia, tratou belamente do assunto foi Santo Agostinho: “Não é em vão que Jesus Se fatiga, não Se cansa sem motivo a fortaleza de Deus, não Se fatiga sem causa Aquele por quem os fatigados retomam as forças. Não é em vão que Se fatiga Aquele cuja ausência nos cansa e cuja presença nos conforta”.[1]

E diz mais adiante:

Se tu conhecesses o dom de Deus e quem é que te pede: ‘Dá-Me de beber’, tu mesma Lhe pedirias a Ele, e Ele te daria água viva.” (Jo 4,10).

Ora, esta samaritana que apesar de não ter uma vida virtuosa, não era senão uma mulher comum e simples diante do Criador. Ela jamais imaginaria quem era Aquele, e menos ainda o poder que estava nas suas mãos de lhe oferecer a salvação eterna. Ele, por seu lado, transborda de desejo de tê-la consigo por toda a eternidade. O Senhor lhe pede água. Seria apenas física sua sede? Trata-se do mesmo “sitio ― tenho sede” (Jo 19,28), pronunciado por Ele no alto da Cruz? Seu grande anseio é redimir o gênero humano e, neste caso, quer salvar aquela alma.

Deitemos toda a nossa atenção nesse encontro extremamente exemplificativo da teologia sobre o chamado da graça. Tanto a atitude de Jesus quanto a dela são paradigmáticas. Quem toma a iniciativa é Ele, sem levar em conta qualquer oração, pedido, desejo ou mérito da samaritana. De fato, com todos os homens, Ele procede de maneira inteiramente gratuita. Ela nada suspeita das generosas intenções de seu interlocutor; pelo contrário, pensa que Jesus, por ser judeu, repudia por completo os samaritanos.

Por este fato, vemos que Nosso Senhor costuma agir nas almas adaptando-Se aos modos de ser de cada um. Para Natanael, Ele dirá que o viu debaixo de uma figueira (cf. Jo 1,48); para André e João, será uma proclamação sobre o Cordeiro de Deus (cf. Jo 1,35-37); para os Reis Magos, era a estrela aparecida no Oriente (cf. Mt 2,2). Para esta mulher, Ele pede água.

Quão misteriosa é a bondade de Deus!

Diz ainda Jesus:

“Todo aquele que bebe desta água terá sede de novo. Mas quem beber da água que Eu lhe darei, esse nunca mais terá sede. E a água que Eu lhe der se tornará nele uma fonte de água que jorra para a vida eterna” (Jo 4,13-14).

Jesus necessita da água comum e corrente, mas sua sede de converter aquela alma é incomparavelmente maior, e essa é a razão pela qual Ele procura despertar um interesse, todo feito de fé, no interior de sua interlocutora. A graça começa a trabalhar-lhe a alma com suavidade e, ao mesmo tempo, com muito vigor.

Ela então, por sua vez, pediu a Jesus:

“Senhor, dá-me desta água, para que eu não tenha mais sede nem tenha de vir aqui para tirá-la” (Jo 4,15).

O que Nosso Senhor quer dizer quando trata desta água misteriosa que “jorra para a vida eterna”?

Ele se referia a um prodígio maior e incomparável que ela necessitava: o das águas da graça. E ela teve a sua alma aberta para receber esta dádiva.

Portanto, a liturgia de hoje nos faz um convite: na ciência ou na ignorância, na virtude ou no pecado, o fundamental é buscarmos a água da vida, nas fontes da Santa Igreja. É indispensável assumirmos a simplicidade de espírito e humildade de coração da samaritana, ainda que, infelizmente, estejamos dentro de uma via pecaminosa como a dela. Deste modo, reconhecendo nossas culpas, tendo a disposição de não mais retornar às vias do pecado, e pedindo perdão a Deus por meio da confissão, Ele poderá sanar nossas mazelas e conduzir-nos às “fontes que jorram para a vida eterna”.

Em síntese, de modo especial neste 3º domingo da Quaresma, roguemos à Santíssima Virgem que ela nos obtenha de seu Divino Filho a água da vida, fazendo jorrar em nossos corações o líquido precioso da graça que nos conduz à morada eterna.

Por Guilherme Motta

Extraído, com adaptações, de:

CLÁ DIAS, João Scognamiglio. O inédito sobre os Evangelhos: comentários aos Evangelhos dominicais. Città del Vaticano-São Paulo: LEV-Instituto Lumen Sapientiæ, 2012, v. 1, p. 206-207.


[1] SANTO AGOSTINHO. In Ioannis Evangelium. Tractatus XV, n. 6. In: Obras. 2. ed. Madrid: BAC, 1968, v. XIII, p. 409.

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