Ai de quem escandalizar!
O escândalo consiste em pronunciar palavras ou realizar ações próprias a expor alguém à ruína espiritual, na medida em que elas o arrastam ao pecado.
Redação (29/09/2024 10:09, Gaudium Press) A liturgia deste 26º Domingo do Tempo Comum aborda as palavras de Nosso Senhor quanto à gravidade do escândalo. Se relermos os versículos anteriores, constataremos que Cristo trata da necessidade de se ter a humildade e a simplicidade da criança, dizendo: “Em verdade vos declaro: se não vos transformardes e vos tornardes como criancinhas, não entrareis no Reino dos Céus” (Mt 18, 3). Acrescentando: “Todo o que recebe um destes meninos em meu nome, a Mim é que recebe; e todo o que recebe a Mim, não Me recebe, mas Aquele que Me enviou” (Mc 9, 37). Uma vez cientes desta afirmação, passemos a analisar a mensagem que esta liturgia tem a nos transmitir.
Ai de quem escandalizar!
Tendo tratado da recompensa à boa acolhida dada a um pequenino, analisemos agora o oposto: o castigo para quem desedificar ou prejudicar um inocente:
“E, se alguém escandalizar um destes pequeninos que creem, melhor seria que fosse jogado no mar com uma pedra de moinho amarrada ao pescoço” (Mc 9,42).
Ao falar em pequeninos, Nosso Senhor não está Se referindo apenas às crianças, mas a todos quantos não têm forças suficientes para se manter por si mesmos na prática da virtude, precisando para isso do apoio de outros, em especial no tocante ao seu instinto de sociabilidade.
É merecedor deste auxílio, sobretudo, quem conserva a sua inocência batismal. Este tem a alma constantemente aberta ao sobrenatural, pois, como explica São João Crisóstomo, “o menino está limpo de inveja, de vanglória e da ambição de ocupar os primeiros postos. Ele possui a maior das virtudes: a simplicidade, a sinceridade, a humildade”.[1]
Muito se compraz Deus com esta retidão de alma própria ao inocente. Por isso, quem induz ao pecado “um destes pequeninos” causa-Lhe um tal repúdio, que se torna réu desta terrível condenação: seria preferível ser lançado ao mar! Jesus utiliza esta severa imagem por ser inteiramente familiar aos seus ouvintes, conforme comenta São Jerônimo: “Fala segundo o costume da região, porque esta foi entre os antigos judeus a pena para os maiores crimes: lançar na água o criminoso, com uma pedra atada ao pescoço”.[2]
Nos lábios de um outro, esta afirmação poderia parecer exagerada, mas quem a faz é o Filho de Deus! E São João Crisóstomo assinala um detalhe: para quem escandalizar uma criança, disse Cristo, “melhor seria” ser atirado ao mar com uma pedra amarrada ao pescoço, ou seja, “dá a entender com isto que o espera um castigo mais grave do que este”.[3]
Pela indignação de Nosso Senhor diante do escândalo, bem se pode medir o estreito vínculo d’Ele com os inocentes!
Gravidade do pecado de escândalo
O escândalo, segundo São Tomás,[4] consiste em pronunciar palavras ou realizar ações próprias a expor alguém à ruína espiritual, na medida em que elas o arrastam ao pecado. Significa dar más sugestões, conselhos ou exemplos que chocam aquele a quem deveríamos, pelo contrário, edificar, fazendo com que suas forças espirituais depereçam.
Trata-se de um pecado gravíssimo e cheio de malícia, que prejudica tanto quem o recebe quanto quem o comete. Ao primeiro, porque a falta cometida em decorrência do escândalo furta-lhe a vida da graça de Deus na alma. Ao segundo, por fazer o mesmo papel do demônio — perder almas —, acrescido do gosto em arruinar a inocência alheia. Neste sentido, pode-se afirmar que é um pecado satânico.
Com a agravante, ainda, de ser muito difícil reparar um escândalo: pois, uma vez cometido, não basta a Confissão, é necessária a reparação. É fácil tomar um copo d’água e jogá-lo ao chão; mas será o mesmo recolher o líquido depois? E a partir de um escândalo moral os pecados podem se multiplicar, avolumar-se como uma bola de neve, perpetuando-se em sucessivas faltas decorrentes umas das outras. Como reparar todas elas? Portanto, ai dos escandalosos!…
O mundo de hoje está pervadido, encharcado e transbordante de escândalos por todos os cantos. São escândalos nas modas, nas conversas, nos modos de ser; são escândalos na televisão, na internet, nos aparelhos eletrônicos; são escândalos nos jornais, nas revistas, nas redes sociais. Onde não há escândalo e a inocência não vai sendo tragada pela voragem da impureza e da desonestidade? Qual será, pois, a reação de Nosso Senhor a esta avalanche de pecados de dimensões inauditas?
Extraído, com alterações de: CLÁ DIAS, João Scognamiglio. O inédito sobre os Evangelhos: comentários aos Evangelhos dominicais. Città del Vaticano-São Paulo: LEV-Instituto Lumen Sapientiæ, 2014, v. 4, p. 394-397.
[1] JOÃO CRISÓSTOMO. Homilia LVIII, n. 2. In: Obras. Homilías sobre el Evangelio de San Mateo (46-90). 2. ed. Madrid: BAC, 2007, v. II, p. 222-223.
[2] JERÔNIMO. Comentario a Mateo. L. III (16,13-22,40), c. 18, n. 43. In: Obras Completas. Comentario a Mateo y otros escritos. Op. cit., p. 243; 245.
[3] JOÃO CRISÓSTOMO. Op. cit., n. 3, p. 225.
[4] Cf. TOMÁS DE AQUINO. Suma Teológica. II-II, q. 43, a. 1.
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