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Organizador do "Círculo dos Estudantes de Ratzinger” conta detalhes do evento anual

Cidade do Vaticano (Sexta, 04-09-2009, Gaudium Press) Colaborador próximo do Papa Bento XVI, o reverendo alemão Stephen Horn conversou com exclusividade esta semana com Gaudium Press, a quem falou sobre a organização de um dos eventos mais tradicionais envolvendo Bento XVI: o Ratzinger Schülerkreis, ou “Circulo dos Estudantes de Ratzinger”. A edição deste ano do encontro do pontífice com seus ex-estudantes aconteceu no último dia 29 de agosto em um centro de conferências de Castel Gandolfo, como noticiou Gaudium Press.

Na entrevista a seguir, feita logo após a realização do evento, padre Horn, um dos fundadores do Schülerkreis e um dos mais antigos alunos de doutorando de Joseph Ratzinger, contou como surgiu a ideia dos encontros anuais, quem são seus frequentadores e, ainda, suas impressões acerca um Bento XVI “professor”.

 

Como iniciou esta ideia do “Schülerkreis”?

O Santo Padre como professor foi docente em algumas universidades. Iniciou sua carreira em Frisinga, perto de Munique, em uma faculdade governamental. Em 1958, passou a ocupar o cargo de professor ordinário em Bonn. Depois de três anos foi pra Münster e teve sob sua orientação um círculo de doutorandos, o que ocorreu também em Tubinga e em Ratisbona. Todos esses doutorandos sempre participaram de seminários com o professor Ratzinger, mas em Tubinga, além dos alunos, começaram a frequentar também outros professores famosos, como Karl Barth, Hans Urs von Balthasar.

Isto se desenvolveu de forma mais intensa em Ratisbona. No fim de um dos anos teológicos aconteceu um encontro maior. Convidamos teólogos famosos – católicos e protestantes – para discutir com eles. Uma vez, por exemplo, falamos com Karl Rahner. E assim se criou algo de especial e que depois viria a ser o “Schülerkreis”. Uma segunda coisa a se dizer: o professor Ratzinger teve estes encontros com os seus alunos de doutorado não na universidade, mas sim no seminário.

Antes do início das conversas, celebramos a santa missa. Depois, fizemos nossas discussões, onde cada um pôde dar a própria contribuição, a cada duas semanas.

Quando Joseph Ratzinger foi ordenado arcebispo de Munique e eleito cardeal, foi muito difícil para nós. No ano seguinte, em 1978, tivemos a ideia de fazer uma festa com ele. Uma festa não somente com os últimos doutorandos em Ratisbona,, mas também com aqueles de Bonn, Münster, de Tubinga, que convidamos. Foi uma festa onde encontramos o cardeal para celebrar com nosso mestre, para agradecer a ele. Pouco depois pensamos em continuar estes encontros.

Houve uma pausa?

Por um ano ou dois. Depois tivemos a ideia de realizar encontros todos os anos. E assim teve início o “Schülerkreis” – o círculo dos ex-alunos de Joseph Ratzinger, quer dizer, um círculo daqueles que fizeram o doutorado ou a chamada Habilitação sob sua orientação. E assim, todos os anos nos encontramos. E ele, mesmo depois da sua eleição como prefeito da Congregação pela Doutrina da Fé em 82, participou de todos os encontros.

Na Alemanha?

Sim, na Alemanha.

Antes o “Schülerkreis” acontecia na Alemanha?

Sim.

Sempre em Munique?

Não. Fizemos nossos encontros em alguns monastérios ou instituições especialmente na Bavária. Estivemos também em outras cidades da Alemanha. No início dos anos 90 o cardeal não se sentia muito bem de saúde e estava muito sobrecarregado de trabalho, por isto nos encontramos sem a sua presença, por dois, três ou quatro anos. Então, um de nós propôs que fizéssemos esses encontros no período de férias do cardeal, perto de Ratisbona. E assim foi feito.

Então antes não era realizado durante as férias?

Normalmente esses encontros aconteciam em setembro ou até mesmo em outubro. Depois, mais tarde, se não me engano, fizemos esses encontros sempre no início de setembro. Nesse período ele veio de sua casa em Ratisbona para celebrar conosco a santa missa, para dizer conosco as Laudes e para falar de temas teológicos. Sempre fizemos orações, sempre celebramos a Santa Missa. Assim, esses dias foram não somente de discussões científicas, mas também um momento de fraternidade e oração.

Todos os dias?

Sim, todos os dias. Como também agora em Castel Gandolfo, todos os dias tivemos antes a santa Missa com as Laudes e com uma homília. Depois fizemos nossos debates. Quando o nosso mestre foi eleito Papa, sete de nós se encontravam em Roma e puderam congratulá-lo pessoalmente. Eu fui um deles e parabenizei-o pela eleição em nome de todos do Schülerkreis, que para ele é quase como uma família. Ele respondeu: “Seria talvez possível que nós nos encontrássemos uma vez em Castel Gandolfo?” Então, nós perguntamos ao Santo Padre se esse encontro poderia acontecer já naquele ano.

E o primeiro encontro aconteceu em 2005?

Sim, em Castel Gandolfo. Achamos uma casa bem próxima dos jardins, uma casa do movimento dos Focolares, o Centro Mariápolis Internacional. Ficamos ali nesta casa onde é sempre celebrada a Santa Missa. As conferências e as discussões são na Residência Papal.

Quantos ex-alunos vêm?

Aproximadamente 35 ou 40. Alguns estão doentes, outros já faleceram. Fundamos também um “Novo Schülerkreis”, de teólogos que fizeram ou fazem o doutorado sobre temas da teologia do Santo Padre. São cerca de 20 pessoas e o número está aumentando.

Quantos eram no total os estudantes do Santo Padre?

50 ou um pouco mais. Quando estive com ele em Ratisbona ele tinha de 20 a 25 estudantes que faziam o doutorado sob sua orientação.

Como era Bento XVI como professor?

Com seus doutorandos ele sempre foi um professor com uma certa “liberdade bávara”, quer dizer, nunca foi rígido. Ele ajudava, mas não decidia por eles. Sempre foi aberto às exigências de cada um. Fui seu assistente por alguns anos em Ratisbona e nunca tive dificuldades com ele. Ele dava liberdade para fazer as coisas dentro do possível. Tivemos sempre um grande espaço.

Podemos dizer que o professor Ratzinger sempre foi aberto às iniciativas dos outros?

Sim, isto também. Sempre foi muito modesto. Ele é um gênio, mas não o demonstra. Tivemos sempre discussões muito abertas. Às vezes, depois da missa, convidado por ele, um de nós falava sobre sua tese ou um capítulo da mesma, por meia hora, uma hora. Depois discutíamos o que havia sido apresentado. Esse sempre foi um modo dele dirigir nossos trabalhos.

Então ele não falava muito?

Não. Depois dessas apresentações, ele fazia um resumo desses pensamentos. Com frequência, aquele que havia apresentado sua tese, ou seu pensamento, depois desse resumo do mestre Ratzinger, entendia muito mais sobre o que havia falado. Isto era incrível! Ele compreendia muito melhor tudo aquilo que o aluno gostaria de dizer. E então vinha a outra parte da discussão. Algumas vezes ele também fazia alguma crítica ou concordava com o que havia sido dito. Assim, tínhamos sempre discussões em grande liberdade. O mesmo acontece ainda hoje.

Ele ajudava muito seus alunos?

Com relação à ajuda na compilação de uma tese, era muito diferente. Alguns davam a ele um texto quando haviam terminado um capítulo. Então ele fazia alguns comentários. Com outros ele os deixava livres. Sua intenção era a de ajudar seus doutorandos com este círculo a cada duas semanas. Com isto ele nos ajudou muito. Sempre fomos livres, todos podiam dizer o que queriam. Se alguém queria interromper, não podia fazê-lo porque ele dizia que todos podiam dizer sua opinião. Queria que nós procurássemos, como ele, somente a verdade.

A atmosfera mudou ou é a mesma de antes?

No primeiro ano do seu pontificado nós tivemos, no início, um pouco de timidez. Quando estive com ele pela primeira vez, quase não podia falar. Porém, depois, tudo foi sempre como antes. Nós temos uma familiaridade com ele. Ele é uma pessoa um pouco tímida, mas não no sentido de quem tem medo. Não gosta de aparecer, mas quando vem alguém até si, é sempre aberto e afável. Certo, nós temos uma grande reverência por ele, mas temos também sempre uma grande alegria de estar com ele. Desta vez, em Castel Gandolfo, lhe demos uma grande bibliografia de suas obras (editada no Sankt Ulrich Verlag).

O Santo Padre gostou do presente?

Sim, ficou muito feliz! Já havíamos editado alguns livros antes. Um professor, uma vez, disse a Ratzinger que ele dava muito de seu tempo aos seus ex-alunos. E ele, como resposta disse: “sim, isto é verdade, mas também é verdade que os meus ex-alunos também me dão muito de seu tempo.”

Como era o cardeal Ratzinger como sacerdote?

Era muito simples, muito simples. Este apelido “cardeal panzer” (referência a um tanque de guerra alemão) para nós soa muito estranho. Ele é modesto, humilde, não faz alarde de si. É muito gentil também. Quando alguém ia até sua casa para lhe falar, depois ele o acompanhava até o ponto do ônibus. Algumas vezes nos convidava para jantar ou almoçar com sua irmã. Desta modéstia todos comentavam.

Talvez seja a coisa mais significativa para ele. Era muito afável nas discussões. Quando falávamos de teologia ele era teólogo, depois conversava como estamos conversando agora. Talvez agora, seja até mais atento em relação a nós, sabe sempre toda a história da família de cada um. Sempre atencioso. Ele tem uma grande memória, sabe tudo e se interessa por cada um de nós, sobre como estamos, o que fazemos, nossas famílias. Saudou a todos da minha casa religiosa na Alemanha.

O primeiro estereótipo sobre os alemães é que vocês são muito fortes.

Sim, mas ele não é forte assim como se pensa. Ele tem uma fortaleza de fé. Tem seu fundamento católico. A sua família sempre foi muito anti-nazista. Ele também. Sua família era verdadeiramente católica. Neste sentido ele também é muito forte. Tem uma forte fé católica. Mas, ao mesmo tempo, é livre para discutir todas as coisas do mundo em um modo muito aberto. Tudo que é aceitável ele o aceita. Não é fechado.

Falava também com seus alunos sobre coisas privadas, sobre fé, sobre a vida?

Aqui existem diferenças sobre nossas experiências com ele. Um de nós me contou que uma vez o cardeal foi para ele como um guia espiritual nos encontros pessoais. Talvez isto não se possa dizer no geral. Porém tivemos sempre uma atmosfera espiritual. É muito significativo para o nosso círculo. Sempre a Santa Missa, sempre as Laudes, as Vésperas. Frequentemente o professor faz uma homília, como o fez agora em Castel Gandolfo.

Ele ama muito a Santa Escritura. É um teólogo muito bíblico mesmo que tenha sido professor da teologia fundamental e de teologia dogmática. Mas vive sempre da Santa Escritura. Penso que ele deve meditar sempre sobre a Santa Escritura. Ama muito os Pais da Igreja.

Organizar o “Schülerkreis” é uma tarefa fácil?

É uma tarefa fácil de certa maneira. Posso falar uma vez por ano com o Santo Padre. Somos um círculo sem diferenças e fazemos assim há tantos anos. Porém a organização não é sempre simples. Agora somos 60 pessoas que participam desses encontros, o “Schülerkreis” e o “Novo Schülerkreis”. Fazemos quase um só encontro em Castel Gandolfo. Nós, o “Schülerkreis”, começamos na quinta-feira. Antes falamos entre nós – na sexta-feira – e sábado estivemos com o Santo Padre. Sábado pela manhã chegaram os membros do novo “Schülerkreis”, que falaram entre si. No domigo participaram conosco da Santa Missa com o Santo Padre. Tomamos café da manhã juntos e presenteamos o Santo Padre com esta bibliografia, da qual já lhe falei. À tarde nos encontramos novamente para discutir o tema das missões.

De onde vêm os membros do “Novo Schülerkreis”? Somente da Alemanha?

Naturalmente também da Áustria, mas alguns são da Itália, Espanha, México. Talvez da próxima vez serão também dos Estados Unidos. Um polonês que no momento se encontra em Roma, talvez venha no ano que vem. Assim, este círculo será internacional como o “Schülerkreis”. O “Schülerkreis” tem a maior parte de seus participantes provenientes da Áustria e da Alemanha, um é dos Países Baixos, três vivem nos Estados Unidos, um da África, uma da Coréia, um é armeno….

No novo “Schülerkreis” há também dois ortodoxos. O Santo Padre ama muito a tradição ortodoxa e já teve, em seus primeiros tempos em Bonn, dois alunos ortodoxos que tornaram-seus amigos e são também grandes teólogos. Teve também sempre contato com professores protestantes. Nós também convidamos frequentemente estes professores. A última vez convidamos dois amigos de Ratzinger, que foram professores com ele em Tubinga no fim dos anos sessenta.

Eu ouvi “uma” entre os participantes. Isto significa que havia no “Schülerkreis” também pessoas leigas? Também mulheres?

Naturalmente, não fazemos distinções. Obviamente somos, em grande parte, sacerdotes, mas também religiosos, religiosas e leigos. Também as esposas de ex-alunos podem participar, Uma mulher coreana, membro do “Schülerkreis”, mais tarde foi professora em uma faculdade do governo da Coréia.

Como são seus compromissos para preparar o “Schülerkreis”?

Quando terminou o “Schülerkreis” este ano, eu pude ter uma audiência privada com o Santo Padre depois do Angelus.
Falei com ele também da fundação que criamos, a Fundação Joseph Ratzinger Papa Bento XVI. Um ponto deste diálogo foi a questão sobre o que faremos no próximo “Schülerkreis”. Falamos primeiramente sobre os possíveis temas e fizemos uma lista. A decisão última é do Santo Padre. Neste momento ainda não foi decidido. Foram propostos nomes de alguns professores e logo temos que escolher a data do próximo “Schülerkreis”, para que todos possam participar.

Como é o programa do “Schülerkreis”? Tudo começa sempre com uma Missa?

Sim, sempre. As Laudes, a Missa. Naturalmente, depois se faz o café da manhã. No dia das discussões com o Santo Padre, às 9:30 ou 10h, nos encontramos e ficamos com ele até o almoço. Depois nos encontramos das 16h ou 16h45 até as 18h. Quando voltamos, às 19h, temos as Vésperas e o jantar. Por fim temos uma reunião de uma hora para comemorar.

O Santo Padre participa também das aulas dos professores?

Sim. Antes ele conta o que experimentou durante o último ano. E assim o fez também este ano. Falou de sua visita à África, à Terra Santa. Assim tomamos parte de suas experiências. Depois do discurso do Santo Padre, se começa discurso do primeiro conferencista, depois há a discussão.

À tarde fala o segundo conferencista. Este ano não tivemos muito tempo para a discussão. Mas discutimos muito entre nós e com o “Novo Schülerkreis” e também com os professores convidados, domingo à tarde.

Pode falar um pouco sobre o que discutiram?

Sim, tivemos como tema das discussões a missão.

A imprensa escreveu: no aspecto ecumênico.

Não tanto. Certo, tivemos entre nós um professor protestante e um católico que antes era protestante. Mas tivemos entre nós alguns membros de nossos círculos provenientes de regiões onde há missões, um africano e um indiano, um outro que esteve seis anos na África. O nosso teólogo africano fez um resumo das suas experiências de missão na África. Fez quase um programa da missão na África. Ele é um grande teólogo, foi secretário no sínodo da Igreja na África em 1994 e estará presente no próximo outubro no segundo sínodo. O indiano contou suas experiências sobre o que acontece nas missões na Índia, por exemplo, sobre as perseguições . E um membro do “Novo Schülerkreis” falou de suas experiências nas paróquias…

Por fim falamos de coisas mais genéricas, por exemplo, sobre a necessidade das missões.

O tema do próximo “Schülerkreis” já foi escolhido?

Ainda não. Escolhemos sempre temas urgentes da Igreja. Assim, nos últimos anos, falamos sobre o Islã, sobre a evolução e criação, sobre o livro “Jesus de Nazaré” do Santo Padre, etc.

Mas temos sempre em mente os grandes desafios para a Teologia de hoje: os assuntos ecumênicos, a urgência de uma nova evangelização em relação à secularização, a liturgia, o concílio, o diálogo com religiões e outros desafios.

 

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