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Relançar o Sacramento da Reconciliação

Redação – (Segunda-feira, 19-05-2014, Gaudium Press) – A profunda crise existencial, de valores e social de nossos dias deve tornar-se para todos nós, confessores, uma ocasião fecunda para um relançamento do Sacramento da Reconciliação. Com esta afirmação do Cardeal Mauro Piacenza, no XXV Curso sobre Foro Interno, organizado pela Penitenciaria Apostólica, em 24/03/2014, damos início à transcrição de suas palavras naquela oportunidade:confessionario.jpg

O Sacramento da Reconciliação é talvez o modo mais concreto e real de “renovar o encontro pessoal com Jesus Cristo”. […]

A renovação, como sabemos, depende sempre de dois fatores indissociáveis: a objetividade da ação do Espírito e a docilidade e adesão da liberdade. Em nenhum outro lugar como no Sacramento da Reconciliação esta dualidade encontra sua síntese, sapiencialmente expressa pela Igreja na indicação da necessidade do arrependimento para a validez da absolvição sacramental.

Qual é a necessidade do arrependimento, senão – falando em termos mais modernos – a necessidade do concurso da liberdade do homem, que acolhe e assim renova seu encontro com Cristo? E, pelo contrário, o que significaria não exigir o arrependimento, senão “esmagar e humilhar” a liberdade humana, reduzindo o homem a uma unilateral interpretação mecanicista do seu agir, totalmente afastada tanto da dignidade da criação quanto da experiência existencial objetiva e cotidiana?

O Sacramento da Reconciliação renova o encontro com Cristo, tanto dos penitentes quanto dos confessores

Portanto, cada um de nós é chamado a renovar pessoalmente o encontro com Jesus Cristo na fiel procura de sua objetiva misericórdia, que nos chega eficazmente através da absolvição sacramental. Ao mesmo tempo, essa fecunda experiência do confessionário torna progressivamente “peritos em misericórdia” e, portanto, capazes de oferecer aos nossos irmãos com sabedoria, prudência e autêntica caridade pastoral, a possibilidade de renovar o encontro com Cristo.

É de fundamental importância ter em vista que o Sacramento da Reconciliação renova sempre de modo pessoal o encontro com Cristo, tanto dos penitentes quanto dos confessores. A essa dimensão pessoal está ligada, como apontamos acima, a eficácia própria do Sacramento, quando se entenda como necessidade de envolvimento da liberdade do penitente.

Entretanto, sempre é possível, ou melhor, necessário, compreender a dimensão “pessoal” do Sacramento na sua dimensão relacional porque, como em nenhum outro caso, a celebração da Reconciliação cristã implica uma abertura da consciência diante de Deus e do Confessor, o que faz de tal Sacramento um unicum entre os sete instituídos por Nosso Senhor Jesus Cristo. […]

Ocasião fecunda para um relançamento do Sacramento da Reconciliação

A crise existencial, de valores e social de nossos dias é na realidade o resultado previsível de uma crise bem mais profunda: uma crise de fé e, portanto, de identidade. O homem pós-moderno, que riscou Deus do seu horizonte, não consegue mais saber quem é, não encontra resposta às próprias perguntas fundamentais e tenta, desesperada mas inutilmente, sufocá-las, ontem na ideologia, hoje no prazer; ontem no materialismo, hoje no sentimentalismo e na emotividade, que caracterizam tão pesadamente o agir das pessoas; ontem no compromisso social, hoje no individualismo solitário e niilista.

Esta profunda crise existencial deve tornar-se para todos nós, confessores, uma ocasião fecunda para um relançamento do Sacramento da Reconciliação, que seja uma verdadeira nova evangelização, um anúncio franco e luminoso da salvação trazida por Cristo.

Abramos por inteiro, no confessionário, os amplos horizontes da fé perante todo reducionismo desesperado; apresentemos a comunhão possível com o Emanuel, Deus conosco, para além de qualquer solidão; ofereçamos a possibilidade de acolher a Verdade que se oferece, para além de todo relativismo sufocante; a realidade de um amor sempre gratuitamente dado e experimentável, para além de todo egoístico
individualismo.

Se formos fiéis na celebração do Sacramento da Reconciliação, veremos os nossos irmãos, que julgam estar inexoravelmente em crise, caminhar do contrassenso à verdade, do isolamento existencial à comunhão,
da hostilidade ao irmão à capacidade de acolher o outro, da ilusão de uma autossuficiência tecnocientífica à realidade de uma mendicância orante, capaz, por si só, de revelar o homem ao homem.

Uma pergunta para exame de consciência: “Fui generoso no tocante ao tempo passado no confessionário?”

Ser fiel ao Sacramento da Reconciliação é um dos modos mais eficazes de ser fiel ao próprio Cristo e ao seu iniludível mandato: “Àqueles a quem perdoardes os pecados, ser-lhes-ão perdoados; àqueles a quem os retiverdes, ser-lhes-ão retidos” (Jo 20, 23).

“Àqueles a quem os retiverdes, ser-lhes-ão retidos” pode e deve certamente ser interpretado, como nos ensinam a história e a doutrina, no sentido do vínculo diretamente querido por Deus entre concreta ação sacramental e eficácia da misericórdia. Mas, talvez mais espiritualmente, possa ser entendido também como responsabilidade pessoal de cada sacerdote em relação a todos aqueles aos quais os pecados não foram perdoados devido à negligência em oferecer tal Sacramento e da consequente dificuldade de celebrá-lo.

No exame de consciência cotidiano ou periódico, não podem faltar estas perguntas: “Fui generoso no tocante ao tempo passado no confessionário?” – “Aproveitei todas as possibilidades, inclusive indiretas, de propor o Sacramento da Reconciliação?”.

Todas as vezes que absolvemos um penitente renovamos nossa fidelidade a Cristo

A fidelidade a Cristo na celebração da Penitência sacramental confirma-se sobretudo no agir in Persona Christi Capitis, do qual o Sacramento necessita. Todas as vezes que pronunciamos as palavras “Eu te absolvo de teus pecados”, renovamos nossa fidelidade a Cristo, fonte de perene gratidão pelo ministério confiado imerecidamente a nós e pela associação que Ele fez de nossas pessoas à sua ação histórico-salvífica, até o fim dos tempos.

Por fim, na fidelidade à nossa missão de confessores se renova concretamente a fidelidade à Igreja. Antes de tudo porque, como todo pecado fere quem o comete, mas fere também o Corpo de Cristo que é a Igreja, assim, toda reconciliação sacramental renova em quem a celebra o seu relacionamento pessoal com Jesus Cristo e restaura a face sempre jovem da Esposa do Senhor. Toda autêntica reforma da Igreja parte da Eucaristia e da Reconciliação, da renovação das consciências, da ação do Espírito nelas; o Espírito, de fato, atraindo-as a Si, insere-as progressivamente no mistério trinitário, que é mistério de salvação, de comunhão e de amor. ²

Por Cardeal Mauro Piacenza

Penitenciário-Mor do Supremo Tribunal da Penitenciaria Apostólica

(Excertos da Lectio magistralis do XXV Curso sobre Foro Interno, organizado pela Penitenciaria Apostólica, 24/03/2014 – Texto íntegro em http://www.penitenzieria. va/ – Tradução e subtítulos: Arautos do Evangelho, in “REVISTA ARAUTOS DO EVANGELO”- número 149)

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