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Dom Cláudio Hummes concede entrevista a Gaudium Press sobre o Ano Sacerdotal

Roma (Sexta, 19-06-2009, Gaudium Press) Na última segunda-feira, o prefeito da Congregação para o Clero, o brasileiro dom Cláudio Hummes, conversou com Gaudium Press sobre a convococação do novo Ano Jubileu pelo Papa Bento XVI. O Ano Sacerdotal, em homenagem ao patrono dos sacerdotes, São José Maria Vianney, cuja morte completa 150 anos em 2009, tem início hoje.

Biografia

Dom Cláudio Hummes, OFM, recebeu a ordenação sacerdotal em 1958, aos 24 anos de idade. Doutorou-se em Filosofia e lecionou em diversos institutos superiores de ensino. Desde os primeiros anos de seu ministério, exerceu, entre outras, a função de formar os futuros sacerdotes de sua ordem religiosa. Ao ser eleito bispo de Santo André (SP), em 1975, era superior da Província Franciscana do Rio Grande do Sul. Em 1996, foi promovido a arcebispo de Fortaleza, onde permaneceu apenas dois anos, sendo convocado para reger a arquidiocese de São Paulo em 1998. João Paulo II o elevou ao cardinalato em 2001 e Bento XVI o nomeou prefeito da Congregação para o Clero em 2006.

Confira a entrevista:

Vossa Eminência poderia nos explicar como surgiu a idéia do Ano Sacerdotal? Como foi recebida pelo Papa?

Uma decisão tão importante como proclamar um ano especial, neste caso o Ano Sacerdotal, cabe exclusivamente ao Papa. Então, foi de fato uma decisão soberana do Santo Padre. Isto é obvio e precisa ser ressaltado. Claro que ele pode ter ouvido, eventualmente, aqueles que estão envolvidos neste assunto, ou seja, a Congregação para o Clero, outras congregações também. Mas quero sublinhar que, obviamente, se trata de uma decisão do Papa.

Em recente pronunciamento, Bento XVI afirmou que favorecer o aperfeiçoamento espiritual dos sacerdotes foi uma das principais causas da proclamação do Ano Sacerdotal. Qual é a relação entre a santidade pessoal dos presbíteros e a eficácia de seu ministério?

Sempre houve uma relação muito forte. Toda a história do sacerdócio na Igreja tem ressaltado isso. Podemos começar com a Última Ceia. Jesus tinha diante de Si os Apóstolos, aos quais Ele dera formação durante três anos, na Sua vida pública. Eles aderiram plenamente ao Divino Mestre – claro, com todas as limitações humanas – e O seguiam por todos os lados. E foi a eles que Cristo entregou este grande ministério do Sacerdócio que se relaciona, sobretudo, com a Eucaristia, mas também com a pregação, como Ele dirá depois: “Ide por todo o mundo e pregai o Evangelho a toda criatura” (Mc 16, 15).

Isso sempre supôs, em primeiro lugar, uma Fé muito profunda, a qual é a raiz de toda espiritualidade. Uma Fé que provém da adesão a Jesus Cristo, uma adesão incondicional e total, entusiasmada e entusiasmante. Assim, o sacerdote – todo cristão, mas, sobretudo o sacerdote – deve ser uma pessoa que realmente tem um grande amor a Jesus Cristo, está encantado com Jesus Cristo. Essa adesão começa por um encontro pessoal e forte com Jesus Cristo.

Por exemplo, vemos nos Evangelhos aqueles discípulos de João Batista que vão atrás de Jesus e perguntam-Lhe: “Rabi, onde moras?” (Jo 1, 38). Jesus respondeu: “Vinde e vede” (Jo 1, 39). Eles foram e saíram transformados. Tiveram aquele encontro forte, pessoal, com Jesus Cristo. Aqueles que estão abertos de fato recebem essa graça da adesão. O início da Fé é aderir a Jesus Cristo, acreditar n’Ele, confiar n’Ele, entregar-se plenamente a Ele. Isso é o núcleo forte, central, de toda espiritualidade. E assim deve ser para o sacerdote. Creio que o sacerdote pode aprender muito ao ver aqueles primeiros discípulos aderirem a Jesus Cristo.

É claro que depois a espiritualidade deverá ser desenvolvida, de muitas formas. Será uma espiritualidade, sobretudo, eucarística; uma espiritualidade da escuta da Palavra de Deus, porque o sacerdote é pregador dessa Palavra; uma espiritualidade da caridade pastoral, sobretudo por aquela parcela das ovelhas de Cristo confiada ao padre. E ele deverá amar Jesus Cristo e essas ovelhas, a ponto de ser capaz de dar a vida por elas; sobretudo ser aquele que está junto dos mais sofridos, dos mais necessitados, dos mais pobres. Tudo isso tem a ver com a caridade pastoral e são elementos fundamentais dessa espiritualidade.

Espiritualidade não é uma coisa vaga, de mero sentimento, mas tem eixos muito firmes e, digamos assim, muito fortes. São atitudes de vida, são compromissos, é ser capaz de doar-se realmente. Aí é que está a força da espiritualidade. E é isso que dá, de fato, ao sacerdote uma melhor compreensão da sua identidade, do sentido do seu ministério, portanto, da identidade sacerdotal. E lhe dá força para viver sua vocação e cumprir a missão que lhe é confiada por essa vocação.

Então, a espiritualidade realmente é fundamental. E o Papa sempre tem acentuado – e nós também, constantemente falamos com os Bispos sobre isso – que eles devem estar muito atentos a desenvolver a espiritualidade e dar aos padres oportunidades de desenvolvê-la também. E uma espiritualidade que seja realmente forte, de conteúdos muito definidos, como acontece, repito, com a espiritualidade eucarística. Mas a espiritualidade mariana também é muito importante, porque Nossa Senhora é, de fato, um grande modelo de Fé. É a mulher eucarística, como sempre se diz com muita razão. Então, a espiritualidade mariana também faz parte também da espiritualidade sacerdotal.

O Ano Sacerdotal pretende ressaltar algum ponto dessa espiritualidade?

Veja, estamos insistindo muito em que a programação do Ano Sacerdotal seja marcadamente local, que cada Igreja local faça um programa. Em vez de esperar apenas conteúdos enviados de Roma, eles mesmos – o Bispo com seus sacerdotes – devem sentar-se juntos, refletir, meditar, rezar, celebrar, fazer um programa. É claro que daqui também vamos enviar conteúdos, a começar pelo próprio Papa, obviamente. Ontem, Festa de Corpus Christi, ele já falou sobre esse Ano especial. No dia 19, abertura do Ano Sacerdotal, fará homilia, falando sobre o tema. Ao longo do ano, certamente, vai abordar esses temas da vida e da missão sacerdotal. Inclusive, esperamos que ele possa publicar uma Carta Apostólica para os padres de todo o mundo.

Pretendemos enviar, através do site da congregação, uma mensagem mensal. Vamos também publicar o texto sobre a missionaridade dos presbíteros, que é fruto da última plenária da Congregação para o Clero, pois achamos muito importante redespertar a consciência missionária, estimular que o padre realmente vá em missão. A missão ajuda muito o padre a redescobrir sua identidade, sua alegria de ser padre, porque ele vai encontrar as pessoas que estão à espera de uma luz verdadeira que lhes dê sentido à vida, que as oriente. Trata-se de sair em busca dessas pessoas que não vêm por si mesmas, mas são muito abertas a essa luz.

Além das iniciativas e propostas que partirão da Congregação, esperamos que haja congressos das universidades católicas sobre o sacerdócio. Seriam, portanto, reflexões aprofundadas sobre o dia-a-dia, a missão, a vida, a espiritualidade do sacerdote. Esperamos que sejam programados retiros espirituais específicos para retomar a identidade sacerdotal, o celibato sacerdotal e essa questão da espiritualidade e da missão, que nós muito queremos acentuar.

De que maneira e em que medida os fiéis podem participar do Ano Sacerdotal?

Isso é fundamental porque o padre existe para os leigos, o padre existe para o povo de Deus, o padre existe para a comunidade local que lhe é confiada. Então, é realmente muito importante envolver os leigos no Ano Sacerdotal. Estamos insistindo nesse ponto, e é por isso que se celebrará o Ano nas comunidades paroquiais e outras comunidades. E ali, obviamente, é muito importante que os leigos também reflitam sobre a identidade sacerdotal; que, juntos com os padres reflitam sobre qual é de fato a vocação e a missão do sacerdote.

Mas gostaríamos muito que este ano seja bastante positivo também em outro sentido. Apesar de tudo quanto a imprensa publicou nestes últimos tempos sobre graves delitos de uma parcela dos padres – uma parcela muito pequena, mas que ocasionou uma visão negativa de parte da opinião pública a respeito do sacerdócio -, que os leigos sejam capazes de dizer a seus padres, como também nós queremos dizer novamente, que na verdade, em sua grandíssima maioria, os padres são fiéis, são dignos, são homens que dão toda a sua vida pela Igreja, pelo povo, enfim, por Jesus Cristo e, portanto, nós os admiramos, nós os amamos, nós os veneramos e a Igreja se ufana deles. Isso os leigos deveriam ajudar a dizer de novo aos padres, para que estes se sintam, de fato, reconhecidos naquilo que são. Isso não é apenas uma bela palavra. A realidade é esta: realmente, em sua grandíssima maioria, os padres são homens dignos e a Igreja tem grande orgulho deles.

Vossa Eminência estava há mais de oito anos à frente de uma das maiores dioceses do mundo, quando foi nomeado prefeito da Congregação para o Clero. Como fez para se adaptar à nova função?

Somos vários chefes de dicastérios – como são chamados os prefeitos das Congregações e os presidentes dos Pontifícios Conselhos – que fomos Bispos diocesanos durante certo tempo, e depois designados para algum cargo na Cúria. Essa experiência nas atividades pastorais é muito importante porque trazemos um ponto de vista mais voltado para o aspecto pastoral. E eu fui Bispo diocesano durante 32 anos. Isso, creio, me ajuda no exercício de minhas atuais funções, especialmente no relativo aos sacerdotes, aos diáconos, à catequese, que são as competências desta Congregação.

É claro que não é fácil adaptar-se ao novo ritmo de vida, a não ter mais uma comunidade, na qual se trabalha diretamente com o povo. O serviço na Cúria tem sempre uma dimensão pastoral fundamental, só que de um nível universal, não envolvido diretamente com o povo.

Compreende também todas as atividades técnicas,
administrativas, porque uma Congregação tem inclusive competências governativas, ela faz parte do governo da Igreja universal. E isso, claro, é necessário aprender. Para se adaptar, basta ter amor ao trabalho, basta crer que está fazendo a vontade de Deus. E tenho certeza de que Ele quer que eu esteja aqui, porque o Papa me chamou.

Na Arquidiocese de São Paulo, Vossa Eminência destacou-se na preocupação pela formação dos presbíteros. Como vê a instrução e a formação do clero?

Devemos começar dizendo que isso difere muito de diocese para diocese, de país para país, porque tudo se incultura, tudo tem sua história. E neste sentido a Igreja é muito diferenciada – isto é bom, porque a legítima diversidade enriquece a Igreja, traz experiências diferentes – mas existe uma grande unidade. A formação nos seminários é de competência da Congregação para Educação Católica. Mas a formação permanente, a partir do momento em que o seminarista recebe a ordenação presbiteral, compete à nossa Congregação. E devemos tomar sempre o cuidado de ter propostas universais, válidas para todas as dioceses, que sejam importantes de serem seguidas.

Agora, quando se analisa a história recente da formação nos seminários, nota-se que, embora tenha havido muitas mudanças após o Concílio Vaticano II, o sacerdote de Jesus Cristo que deve ser formado continua sempre o mesmo. Neste sentido, trata-se sempre da mesma formação, porque o sacerdócio não muda. Jesus Cristo é o mesmo, ontem, hoje e sempre. E para ser discípulo d’Ele deve se ter sempre as mesmas grandes exigências e o mesmo grande amor.

Então as mudanças não foram tão radicais, foram mudanças de método para conseguir os mesmos objetivos. Depois do Concílio, houve muitas, assim chamadas, experiências novas. Algumas deram certo, outras fracassaram, outras levaram a recuperar certas metodologias que tinham sido abandonadas, mas que se viu, afinal, ser importante retomá-las. Então, houve todo um processo de busca de caminhos, mas não de mudança de objetivos: os objetivos são os mesmos porque o sacerdócio é o mesmo.

O sacerdote deve sempre ser um homem aculturado na sua época, ele deve saber levar Jesus Cristo para o mundo de hoje, que é diferente do mundo de séculos atrás. Sob este aspecto houve câmbios, mas o grande ministério do sacerdote é sempre o mesmo. O ministério da Eucaristia, da Palavra, da santificação, do pastor que dirige a sua comunidade são os grandes ministérios do padre, que vêm desde Jesus Cristo.

O que Vossa Eminência diria aos fiéis, para chamá-los a participar do Ano Sacerdotal?

Eu recomendaria que comecem por procurar ter uma compreensão mais profunda do que é um presbítero. Este homem de Deus, na verdade, só se entende à luz da Fé, não se pode reduzi-lo a um ser humano que tem uma profissão da qual ele vive. Não! O sacerdócio é um dom de Deus. Portanto, a comunidade deverá acolher o padre como um dom de Jesus Cristo, não como algo fabricado por ela.

Em segundo lugar, ter muito amor ao sacerdote. E não apenas colaborar com ele, como disse o Papa recentemente, mas sentir-se corresponsável pela própria igreja. Não ajudar o padre simplesmente por achar que ele está fazendo uma coisa boa, mas deixando com ele toda a responsabilidade. Não. Cada cristão, cada batizado deve sentir que aquilo que tem a ver com a Igreja tem a ver também com ele. E ainda que seja leigo ou leiga deve dizer: “Eu também sou responsável.”

Além disso, rezar pelos sacerdotes e pelas vocações. Dar a entender ao padre que nós o amamos, o admiramos, nos alegramos de tê-lo como nosso pastor e queremos ser um apoio para ele. Assim o Ano Sacerdotal será um ano positivo que ajude os padres a crescerem na alegria da sua vocação, a sentirem a alegria de realizar sua missão, mesmo que isso lhes custe muito sacrifício.

 

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