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Para Bento XVI, é mais importante ser responsável perante Deus que diante da história, diz colaborador

Roma (Terça-feira, 28-06-2011, Gaudium Press) A correspondente de Gaudium Press em Roma, Anna Artymiak, conversou com o Padre Hermann Geissler, FSO, “capo ufficio” (chefe de departamento, em tradução livre) da Congregação para a Doutrina da Fé, sobre a teologia do Papa Bento XVI, à luz dos 60 anos do sacerdócio do pontífice, completados amanhã.

 

Gaudium Press – Que recordações pessoais o senhor, que conhece o Cardeal Ratzinger há muitos anos, tem de seu modo de viver o sacerdócio, de sua espiritualidade sacerdotal?

Padre Hermann Geissler – Conheci o Cardeal Ratzinger, que agora é o Santo Padre Bento XVI, como personalidade profunda e humilde. É um homem do diálogo, da escuta, atento a toda e qualquer pessoa. Distingue-se por uma grande interioridade, uma rica espiritualidade sacerdotal.

Esta espiritualidade é, antes de tudo, teológica. É um homem que ama Deus com todo o coração e toda a mente, que conhece sua Palavra e a transmite. Não fala de si mesmo, fala de Deus. Esta sempre foi uma constante sua, antes como cardeal e agora como pontífice.
Quando foi nomeado prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé, alguém lhe observou que iria exercer uma tarefa muito difícil, e ele respondeu que havia entendido que, no fim das contas, era responsável não diante da história, mas perante a Deus. E isto lhe deu uma grande paz, serenidade e liberdade. O Papa não tem medo. Já como cardeal não tinha medo. Isto, me parece ser uma consequência de sua espiritualidade teocêntrica.

Um segundo elemento que sempre me impressionou é que o Papa é homem da Eucaristia. A Santa Missa é realmente o coração de todos os seus dias. Nós pudemos celebrar com frequência a Eucaristia com ele e era sempre edificante ver como celebrava e como se nutria da Palavra e do Pão da vida. Podia-se experimentar como na Missa estava verdadeiramente em comunhão com o Deus que se fez homem e que está presente na Eucaristia. Diria que a Eucaristia é sua fonte principal de inspiração, de força, de luz, também agora como Papa.

E depois, deve-se mencionar a sua espiritualidade eclesial. É um homem de Igreja no sentido mais profundo: o Papa sabe que Deus está presente hoje na Igreja que é a Sua família; na Igreja que torna amigos entre eles os crentes de todos os continentes; na Igreja que abraça todos os séculos do passado, o presente e o futuro; na Igreja que une céu e terra. Isto está muito presente para o Papa. Disto deriva a sua profunda comunhão com os santos, principalmente com a Mãe de Deus, mas também com São José, seu patrono, e com muitos outros santos. O Papa, portanto, é um homem de Igreja e por isso também um homem de comunhão e de colaboração. Sempre me comoveu, desde quando em 1993 comecei a colaborar com ele, ver que frequentemente pedia sempre o parecer de seus colaboradores, mesmo dos mais jovens. Fazia isso não em modo superficial, mas porque tinha a convicção que o Espírito Santo pode falar mesmo através dos últimos que chegaram. Na Igreja todos têm importância, porque todos podem ser instrumentos do Espírito de Deus.

Tudo isto tem uma consequência muito visível no fato de que o Papa irradia uma grande paz e serenidade. É um homem profundamente alegre. Mesmo entre muitos problemas e dificuldades que devem ser enfrentados, ele é radicado em Deus, na Eucaristia, na Igreja. Por isso tem a convicção de que, mesmo que as dificuldades e os problemas sejam tantos e algumas vezes realmente pesados, Deus existe, o Senhor existe, a Redenção existe. Nós cristãos somos, portanto, sempre pessoas com uma grande esperança. E esta esperança nos dá alegria, nos estimula, nos dá coragem. Lembro que o lema do novo sacerdote Joseph Ratzinger tinha este teor: “Não porque pretendamos dominar sobre a vossa fé. Queremos apenas contribuir para a vossa alegria” (2 Cor 1, 24). Eis aquilo que o Papa quer: ser testemunha e comunicador da alegria do Senhor.

Gaudium Press – O senhor disse que o Papa tem uma profunda espiritualidade teológica. Diz-se que Joseph Ratzinger é um dos maiores teólogos do nosso tempo. O senhor pode explicar a um simples fiel a contribuição que deu o atual pontífice à Teologia?

Padre Hermann Geissler – Posso tentar (explicar). O Papa oferece uma teologia viva no sentido que é uma teologia radicada na Sagrada Escritura, na Palavra de Deus, uma teologia nutrida pelos Pais da Igreja, os primeiros grandes teólogos da era cristã. Ao mesmo tempo o Papa é capaz de oferecer uma lógica muito compreensível. É um grande comunicador. Consegue expressar os grandes mistérios de Deus, da Redenção, da Igreja, da Eucaristia em termos muito profundos e ao mesmo tempo simples. Assim, todos os fiéis e todas as pessoas de boa vontade podem realmente compreendê-lo.

A sua teologia, pois, é uma teologia atenta aos problemas do tempo. Gostaria de mencionar somente três temas centrais de seu empenho teológico. O primeiro é o da Igreja. O Papa dedicou seu primeiro grande estudo, a sua tese de doutorado, ao tema da Igreja em Santo Agostinho, descrevendo-a como povo e casa de Deus. A Igreja era um dos maiores grandes temas do século passado. Pensemos no fato de que o Concílio Vaticano II era substancialmente um Concílio da Igreja e sobre a Igreja. Certamente o Papa está entre os teólogos mais conhecidos no que diz respeito à teologia sobre a Igreja. Consegue sempre novamente explicar o que é realmente a Igreja. É importante porque no nosso tempo existe o perigo de pensar na Igreja somente como um grupo de homens. Existe o perigo de uma interpretação puramente sociológica da Igreja. Na realidade, a Igreja é muito mais, a Igreja é antes de mais nada Deus. Deus está no centro da Igreja, aquele Deus que se revelou em Cristo, que exaltado sobre a Cruz atrai todos para si. Esta é a Igreja: um povo reunido por Deus, por Jesus Cristo, um povo que possui uma clara identidade na fé, uma clara convicção, também uma clara visão sobre a moral, um povo que quer ser realmente o sal da terra e a luz do mundo, um povo que tem a missão de oferecer a este mundo o Evangelho de Jesus Cristo, a boa nova da salvação, a mensagem da alegria para todos os povos.

Um segundo tema na teologia do Papa diz respeito à fé, em torno da qual depois do Concílio Vaticano II seguiu-se um sentimento de incerteza: o que realmente vale na Igreja? No que devemos crer? O que temos que fazer? O que é o bem e o mal? O Papa, ainda como teólogo nos anos 60, deu uma série de aulas na Universidade de Tubinga para todas as faculdades, não só a de Teologia, sobre o credo apostólico, uma “Introdução ao Cristianismo”, tentando explicar em termos claros e compreensíveis o núcleo da fé, isto é, o que significa para nós hoje crer em Deus Pai Criador, crer no Filho de Deus que se fez homem e que morreu e ressuscitou por nós, crer no Espírito Santo, na Igreja Católica, na vida eterna. O Papa tem o dom único de oferecer realmente uma visão do conjunto da fé. Isto é muito importante. A fé não é um grande peso que torna difícil a nossa vida. Não, a fé é justamente o contrário. A fé é principalmente uma relação de amor entre Deus e o homem, entre o Deus que atrai o homem para si e o homem que se deixa atrair para Deus naquela grande família que é a Igreja. A fé é uma relação de amor que nos ajuda, nos sustenta, nos encoraja e nos guia em direção à felicidade.

Um último ponto importante na teologia do Papa é a questão crucial de Jesus Cristo. O Papa escreveu muito sobre isso, principalmente nos últimos tempos. Ele sabe que a grande questão hoje é: quem é Jesus? É só um dos grandes fundadores como Buda, como Confúcio, como Maomé, como outros? Ou é diferente? O Papa tenta mostrar que Jesus é diferente de todos os outros fundadores de religiões. Em Jesus realmente aparece o rosto de Deus. Então, a Palavra de Jesus não é como as outras palavras, é a última Palavra, a Palavra definitiva de Deus porque Ele é o Filho de Deus. Nos diz realmente palavras de vida eterna. Os livros de Jesus Cristo que o Papa publica nestes anos são uma explicação dos passos mais importantes do Evangelho. Nos mostram quem é Jesus, o que nos oferece com a sua vida, o que significam a sua morte e a sua ressurreição. Neste sentido o Papa quer explicar o núcleo fundamental do Cristianismo, a nossa fé em Jesus Cristo, verdadeiro Deus e verdadeiro homem, em Jesus que revela o coração de Deus, que é Amor, Verdade, Misericórdia, que revela quem é o homem, uma criatura realmente amada por Deus, remida por Deus, buscada por Deus, salva por Deus. É uma visão muito bela da fé que o Papa nos oferece.

Gaudium Press – Quais são as novidades da grande obra da vida do Papa, “Jesus de Nazaré”?

Padre Hermann Geissler – A especificidade destes dois volumes – ainda deve sair um terceiro – consiste no fato de que o Papa consegue unir exegese histórica e teologia. Oferece uma exegese teológica, recolhendo os resultados mais importantes da pesquisa histórica e da exegese dos últimos dois séculos e conectando-os com uma teologia sã: um pouco como fizeram os Pais da Igreja. Neste sentido, o Papa está convicto que a sua missão principal é aquela de confirmar os irmãos na fé. No livro, em palavras faz isto, não com a sua autoridade de Papa, mas na sua veste humilde de teólogo, mostrando-nos o que o Concílio Vaticano II pretende dizer quando pede aos exegetas para interpretar a Sagrada Escritura a partir de três critérios: é necessário explicar cada passo da Escritura no contexto de toda a Sagrada Escritura (primeiro critério), depois no contexto da tradição da Igreja (segundo critério) e então de acordo com toda a fé (terceiro critério). O Papa nos indica este método teológico como um verdadeiro mestre. Trata-se portanto de uma obra de enorme importância. Talvez assinale um novo início de renovação da exegese e da interpretação da Palavra de Deus.

No que diz respeito aos conteúdos do livro, posso fazer somente algumas breves notas. É muito interessante ver como o Papa explica que o Cristianismo tenha um fundamento histórico. Baseia-se sobre eventos históricos: o nascimento de Jesus, a sua vida, a sua pregação; o Senhor celebrou realmente a última ceia antes de morrer; realmente morreu e ressuscitou. O Cristianismo não é uma fantasia, não é um mito, está consolidado na história.

O segundo ponto importante, para mim, é que o Papa explica o que significa que Jesus é o Messias, o Filho de Deus. O Papa parte com frequência do Antigo Testamento, é uma especificidade sua explicar o Novo Testamento partindo do Antigo. Afirma que no Antigo Testamento os profetas anunciaram a vinda de um Messias. Mas no tempo de Jesus havia tantas expectativas e imagens de como seria este Messias. O Papa explica que Jesus não era um Messias político, mas religioso; veio para nos livrar do pecado, para nos dar a sua vida, a vida em abundância. Foi condenado porque professou abertamente que era o Filho de Deus. Confirmou diante de Pilatos que era o Rei e seu reino era um reino de verdade. Veio para dar testemunho da verdade. Não veio para combater contra os romanos, veio para combater contra o erro e para nos trazer a verdade, para nos revelar o verdadeiro vulto de Deus e a grande vocação do homem e para nos mostrar o caminho que conduz à verdadeira vida, à vida eterna.

O Santo Padre explica um outro ponto que hoje muitos não entendem bem, isto é, o que significa redenção, salvação, libertação dos pecados. Lembra que o pecado tem consequências graves, não somente sobre a pessoa que peca, mas também sobre a sociedade. Pensemos nos criminosos que destroem não somente a si próprios mas prejudicam muitos, nos terroristas que são uma ameaça para toda a sociedade. Para reparar os pecados é necessário levar a sério o mal. Deus não podia simplesmente ignorar o pecado. Jesus levou sobre si os nossos pecados. Morreu por nós, para nos libertar justamente do pecado e de suas consequências. Neste sentido, Jesus é o Redentor, assume para si os nossos pecados. E é também o verdadeiro Sacerdote da Nova Aliança, que oferece não uma coisa qualquer, mas a si mesmo para nos reconciliar com o Pai e entre nós.

O ponto culminante do livro é a ressurreição de Jesus. Para o Papa, a ressurreição é como um novo passo na “evolução” do homem, uma nova “mutação” do ser humano, um grande salto para frente em direção a uma humanidade que vive em plena comunhão com Deus. O fato de que Jesus tenha ressuscitado significa que Jesus continua a viver como homem – para sempre – no mistério de Deus, nos abrindo a porta para o Pai e nos mostrando qual é a nossa grande vocação: viver a nossa humanidade em um sentido transfigurado e renovado na presença do próprio Deus. A ressurreição de Jesus era um fato tão importante, explica o Papa, que os cristãos desde o início não celebraram o sábado como os judeus, mas o primeiro dia da semana, o domingo, o dia da ressurreição. E assim o Papa explica também a importância do domingo e da missa dominical. Também nós podemos encontrar Jesus ressuscitado na Missa todos os domingos, porque Ele está presente no meio de nós. Não deixou o mundo, entrando em Deus permaneceu presente na história. Portanto, o Papa nos explica também a importância do domingo, da liturgia e da missa dominical.

Gaudium Press – O que o senhor pessoalmente aprendeu com o então Cardeal Joseph Ratzinger?

Padre Hermann Geissler – Lembro-me bem do primeiro encontro com o Cardeal Ratzinger, em 1993. Disse-me: “Quando começar a trabalhar na nossa Congregação não deve nunca esquecer de permanecer simples e humilde”. Ele mesmo sempre foi uma pessoa humilde e simples, que não quer colocar a si mesmo no centro de tudo, mas sim o Senhor. Isto, me parece, é uma característica de sua personalidade. Depois, certamente aprendi com ele a paixão pela verdade, a paixão por Jesus Cristo, a paixão por Deus que é Amor. Vimos como ele sempre se empenhou em defender a fé e a Igreja, o povo de Deus, para ser realmente um dos cooperadores da verdade – “Cooperatores Veritatis” – segundo o seu lema episcopal. Tal característica nos mostra um outro ponto: o Papa tem a capacidade de suscitar um espírito de colaboração, de respeito recíproco, de confiança, no qual todos podem contribuir com seus dons, com suas graças, com aquilo que receberam de Deus. Sempre criou um clima familiar com a sua simplicidade, a sua profundidade, a sua cordialidade. Lembro-me que quando visitou a Congregação como Papa no dia seguinte depois de sua eleição à Cátedra de Pedro, foi acompanhado pelo Cardeal Sodano, a quem disse:”Eminência, olhe, esta é a minha família, a família da Congregação para a Doutrina da Fé”. Considerou-nos como sua família. Há um grande afeto ainda hoje de todos os colaboradores pelo Prefeito de então. O Papa, portanto, é um homem simples, um homem profundo, um homem paterno. Obviamente o Papa é também uma “estrela teológica” que tem uma impressionante capacidade de discernimento. Frequentemente quando penso no Papa me vem à mente a imagem de uma águia que vê tudo “do alto”. Com seus olhos de fé e de sabedoria, o Papa vê o núcleo das dificuldades e dos desafios a serem enfrentados, mas sabe indicar também os caminhos para superá-los segundo a vontade de Deus. É um grande dom tê-lo entre nós como Mestre e Pastor da Igreja universal.

Por Anna Artymiak.

 

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