16º Domingo do Tempo Comum: “Vigiai e orai”
Deus não permite que sejamos tentados além de nossas forças. Entretanto, é preciso que nos apoiemos com confiança na oração e na prática da preciosa virtude da vigilância.
Redação (23/07/2023 19:45, Gaudium Press) Na parábola proferida por Nosso Senhor acerca do joio, do fermento e do Reino, somos levados a refletir, neste 16º Domingo do Tempo Comum, sobre a necessidade da vigilância e do auxílio da graça divina para defendermo-nos das ciladas do maligno.
Centremos nossa atenção neste trecho do Evangelho de São Mateus:
“Enquanto todos dormiam, veio seu inimigo, semeou joio no meio do trigo, e foi embora” (Mt 13,25).
Neste versículo, chama a atenção o realce que Nosso Senhor faz à ação maléfica do inimigo — a bem dizer, o diabo — que procura a todo custo perder as almas. Deus não quer que ninguém se perca, mas que todos se salvem. Como prova de seu amor para conosco, Ele concede constantemente o auxílio divino e não permite que sejamos tentados além de nossas forças.[1]
Entretanto, Deus deseja que peçamos a Ele estas graças através da oração. Mas só isto não basta. É necessário haver a preciosa virtude da vigilância.
Analisemos neste versículo que o inimigo aproveitou o sono de seus adversários para praticar sua má ação. E neste particular, o Evangelho de hoje reafirma o preceito do Senhor: “Vigiai e orai para que não entreis em tentação. O espírito está pronto, mas a carne é fraca” (Mt 26, 41).
Nós semeamos no entusiasmo; é a fase de “fervor de noviço”, durante a qual não há obstáculo que faça esmorecer nossas decisões. A própria virtude da prudência parece-nos um empecilho nesses momentos, e, de fato, sentimos viver um tempo mais de ousadia que de ponderação, no qual comprovamos quanta razão tinha Santa Teresinha do Menino Jesus[2] ao dizer que para o amor nada é impossível. Aliás, referindo-se à situação oposta, encontramos uma máxima que costuma ser atribuída a São Bernardo: é impossível ao noviço prudente perseverar na vocação.[3]
Com ou sem culpa de nossa parte, chega um tempo em que essa sensibilidade diminui, não mais sentimos aquele impulso fervoroso, e nos vemos na contingência de nos apoiar apenas na razão — iluminada pela fé, é verdade —, e no esforço de nossa vontade. É o cair da “noite escura”, segundo a linguagem de São João da Cruz. Durante esse período, o demônio, o mundo e a carne encontram em nossa alma terra fértil para lançar o joio.
Aqui se entende melhor a figura do sono. Quando a sensibilidade se evanesce, é chegado o momento da vigilância, tal como nos aconselha Santa Teresinha de Lisieux, que dizia às noviças: “Vós deveis desprender-vos até de vossos afazeres pessoais e empregar cuidadosamente o tempo prescrito, mas com desapego de coração. Há algum tempo, eu li que os israelitas construíam os muros de Jerusalém trabalhando com uma das mãos e tendo uma espada na outra. Eis aí a imagem do que devemos fazer: não trabalhar mais do que com uma das mãos, e com a outra defender nossa alma da dissipação que a impede de se unir ao bom Deus”.[4]
Poderíamos dar ainda outra aplicação à parábola: há uma “semente de joio” que levamos em nosso interior em estado latente: a da concupiscência. O Senhor semeou o bom trigo no Paraíso, ao criar nossos primeiros pais, Adão e Eva, concedendo-lhes a graça e dons que constituíam o estado de justiça original. Por seu lado, o demônio semeou a cizânia do pecado e, com este, o homem perdeu o dom de integridade. Daí a concupiscência, que não é senão a inclinação natural do apetite aos bens sensíveis contrários à razão e à Lei de Deus.
Como opera em nós a concupiscência?
Nosso conhecimento natural se realiza através dos cinco sentidos, como afirma São Tomás (e a Escolástica):[5] nada há em nosso intelecto que não tenha antes passado pelos sentidos. Ora, antes mesmo de a razão ter emitido seu juízo sobre a liceidade ou não de qualquer bem sensível, nosso apetite já se sentiu inclinado a ele. Mais ainda, sobretudo quando fortemente impressionado pela atração do bem sensível, nosso apetite continuará agindo sobre a razão, depois de esta ter baixado sua sentença proibitiva, procurando arrastá-la. Daí, ou há uma férrea força de vontade — que só pela graça de Deus se obtém — para se opor às febricitações da sensibilidade, ou buscaremos uma justificativa para nosso comportamento ilícito.
Para nossa humildade e vigilância, Deus permite a permanência do joio da concupiscência em nós, pois seu aguilhão nos faz compreender a existência de um incentivo ao pecado no nosso próprio ser. E por isso necessitamos recorrer sempre ao
auxílio da graça divina que jamais faltará. Mas é preciso também sermos vigilantes, pois o inimigo quer conquistar nossa alma.
Extraído, com adaptações, de:
CLÁ DIAS, João Scognamiglio. O inédito sobre os Evangelhos: comentários aos Evangelhos dominicais. Città del Vaticano-São Paulo: LEV-Instituto Lumen Sapientiæ, 2012, v. 2, p. 218-225.
[1] Cf. TOMÁS DE AQUINO. Suma Teológica. II-II, q. 165, a. 1.
[2] Cf. TERESA DE LISIEUX. Manuscrito A. Bayeux. In: Obras Completas. São Paulo: Paulus, 2002, p.119.
[3] Cf. BERNARDO DE CLARAVAL. Lettre ou Traité de Guiges aux Frères du Mont-Dieu. In: Œuvres. Bar-le Duc: Louis Guérin, 1870, p. 610. Esta obra atualmente é atribuída a outro prior da Grande Cartuxa: SAINT-THIERRY, Guillaume de. De la vie solitaire. Lettre aux Frères du Mont-Dieu. Paris: J. Vrin, 1946.
[4] TERESA DE LISIEUX. Conseils et souvenirs. 2. ed. Lisieux: Carmel de Lisieux, 1952, p. 74.
[5] Cf. TOMÁS DE AQUINO. De Veritate. q. II, a. 3, ad 19.
Deixe seu comentário