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As crianças leem e… não entendem o que leem

Redação (Sexta-feira, 24-01-2020, Gaudium Press) Tempos houve, em que os pais de família remavam, ao lado dos professores, pela formação dos meninos e meninas; bem se dizia que a escola era um “segundo lar”. Os pequenos ficavam nas mãos de professores -pois geralmente assim era antigamente-, que cuidavam deles como se fossem seus pais. Havia um entregar a autoridade aos professores por um período do dia, em amistosa comunicação, uma verdadeira aliança em prol de ajudá-los para que se eduquem na escola.

Hoje, pena dizer, duro aos ouvidos de não poucas mães, esta coalizão se quebrou e os pobres educadores, em vez de ter o apoio dos pais, pois… são como que intrusos no âmbito familiar; não são mais aliados que complementam o desenvolvimento das crianças.

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Qualquer observação que façam aos pais, de comportamento ou de falhas na aprendizagem de seus filhos, é um incidente insuportável, porque, meu filho ou minha filha -dizem seus progenitores-, são únicos, muito inteligentes, não tem defeitos ou debilidades, não são mal comportados. Solidários às crianças contra os professores, o papel educador, em aspectos que a família não tem condições de levar adiante, fica desautorizado.

Isto tem levado muitos professores a um desalento em sua entrega abnegada, cheia de esforços e sacrifícios que não pagam, nem os fazem ricos, mas que é a essência da vocação de educador.

Se fosse somente isto o que enfrentam, alguém lhes diria: ponham a confiança em Deus, ofereçam os dissabores do trabalho, assim, pacientemente, poderiam continuar com seu trabalho, apesar das adversidades, e sairiam adiante em sua importante missão.

Outros são os obstáculos que apresenta a educação nos dias de hoje. Não somente a falta de elementos ou de infraestrutura adequada, mas que, como dizia o destacado educador Jaim Etcheverry, presidente da Academia Nacional de Educação na Argentina -autor do livro com singular título: “A tragédia educativa”-, em entrevista: “É um escândalo que as crianças saiam depois de 12 anos da escola sem entender o que leem ou sem poder fazer simples operações de abstração matemática” (La Nación de Bs. Aires, 9-6-2018). Quer dizer: as crianças leem e não entendem o que leem.

El Salvador não está isento desta problemática, é um fenômeno que está se generalizando pelo mundo. A maioria dos fracassos escolares, segundo o Instituto Nacional de Formação Docente (INFOD), ocorre no nível da educação básica. “A área de leitura-escrita nos programas de formação inicial docente é praticamente inexistente, no entanto, é uma área fundamental”, afirmava Carlos Rodríguez, coordenador deste Instituto, “não estamos conseguindo desenvolver as habilidades na leitura, na escrita e na matemática” (La Prensa Gráfica, 19/07/2019).

O papel do esforço na educação

Profundas são as razões. Primeiro, deve-se considerar que na educação desempenha seu papel o esforço e, dentro dele, a repetição, que dá lugar à memória. O conversar e o ler são fundamentais no desenvolvimento da capacidade de compreensão.

Mas, não é apenas a quantidade o que precisa ler, mas o que é lido, pois vivemos tempos de leituras segmentadas.

Se pensa que, pelo fato de manejar um tablet, um computador ou um celular, já é uma grande conquista. Mas, nas palavras de Jaim Etcheverry, isso “não é um sinal de inteligência”, “essas ferramentas são inteligentes porque quem as criou é inteligente, não quem as utiliza. Quem as utiliza pode ser inteligente ou desajeitado, o dispositivo não transmite inteligência “.

“Por enquanto eu ficaria satisfeito – continua o experiente acadêmico – com que ensinem a escrever, ler e entender o que é lido, a falar, a poder expressar-se oralmente com frases que tenham começo, desenvolvimento e fim, algo que se vê cada vez menos. Estamos retrocedendo a uma linguagem cada vez mais primária, cada vez se usam menos palavras”.

O impacto do mundo “on-line” produziu uma transformação de nossa cultura que, atropelada pelos avanços tecnológicos, dificulta a aprendizagem caracterizada como analógica, raciocinando através da capacidade de associação ou comparação com outro elemento semelhante mais familiar, para chegar a uma conclusão”.

Os conteúdos aprendidos com os meios digitais não permanecem na memória como os tradicionais. Eles são mais rápidos e visuais, mas duram menos na memória”, diz o professor Antón Álvarez, da Universidade Complutense, “tudo acontece ao mesmo tempo, sem estrutura, favorecendo a superficialidade” (El País. Madri. Rosario Gómez, 9-8-2012).

Catherine L’Ecuyer, especialista em primeira infância e aprendizagens, autora do livro “Educar com espanto. Como educar em um mundo frenético e hiperexigente?”, afirma que “a educação não é tecnológica, mas humana”, “o professor atua como facilitador, como intermediário entre a criança e a realidade”. Explica que muitas crianças estão entediadas e sem graça, devido à “super estimulação que sofrem como resultado da superexposição às telas” e que estes dispositivos “não acrescentam, mas subtraem”, “uma criança não precisa de educação digital” (Reportagem de Luciana Vázquez, La Nación de Bs. As., 21-9-2015).

A escola, portanto, deve ser um ambiente onde o conhecimento é desenvolvido, se estruture o que está escrito e se lê, para compreendê-lo.

Diante da desmotivação e dos problemas de aprendizado, educar com espanto é o que propõem o especialista L’Ecuyer; o que comove é a realidade, suscitando o desejo de conhecer a partir de dentro para fora. Se não há realidade, não há maravilha. O mundo moderno deixa pouco espaço para esses momentos de surpresa, por exemplo, com as maravilhas da criação que Deus fez para os homens. As crianças têm um instinto para o belo que as leva a uma atitude de admiração, mas, com a incursão do mundo tecnológico sobre elas não lhes damos a oportunidade de surpreender-se. Perdem o contato com a natureza, de impressionar-se com uma formiga carregando uma folha enorme, um beija-flor, uma borboleta sobre uma flor, um lago, um pôr do sol. Superexpostas à tela, não desenvolvem sua imaginação, não chegam ao espanto.

Não são poucos os psiquiatras que colocam em dúvida que a tecnologia seja o instrumento adequado para o desenvolvimento intelectual das crianças. Como veem, o tema é sumamente polêmico, de alta importância para o futuro das crianças e deve ser levado em consideração pelos educadores.

Por Padre Fernando Gioia, EP

www.reflexionando.org

Traduzido por Emílio Portugal Coutinho

(Publicado originalmente em La Prensa Gráfica de El Salvador, 19 de janeiro de 2020).

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