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A Origem do Latim

A Língua Latina deu origem a diversas línguas ocidentais. Percorramos um pouco de sua história.

 Fíbula Prenestina. Foto: Wikipedia

Fíbula Prenestina. Foto: Wikipedia

Redação (23/10/2023 16:01, Gaudium Press) Em meados da década de 1930, três eminentes matemáticos de renome internacional foram convocados para auxiliar nas aulas da recém-criada Faculdade de Filosofia de São Paulo. Eram eles Gleb Wataghin, Giacomo Albanese e Luigi Fantapié. Após os primeiros meses de aula, dirigiram um ofício ao Ministério da Educação, nos seguintes termos:

“Chegados ao Brasil, ficamos admirados com o cabedal de fórmulas decoradas de Matemática com que os estudantes brasileiros deixam o curso secundário, fórmulas que na Itália — os três professores eram catedráticos de diferentes faculdades italianas — são ensinadas só no segundo ano de faculdade; ficamos, porém, chocados com a pobreza de raciocínio, com a falta de ilação dos estudantes brasileiros; pedimos a Vossa Excelência que, na reforma que se projeta, se dê menos Matemática e mais Latim no curso secundário, para que possamos ensinar Matemática no curso superior”.[1]

O pedido pareceria inusual… Contudo, a estrutura e a construção gramatical do latim favorecem enormemente o desenvolvimento das faculdades intelectuais.

Ora, qual a origem deste idioma que deu origem e influenciou a formação de grande parte das línguas ocidentais?

Entre o Tibre e o Tirreno

A antiga região do Latium, por um lado, banhada pelas ondas do mar Tirreno e, por outro, sulcada pelas margens do Tibre, abrigava pequenos povoados de culturas distintas, porém, afins. Dentre eles destacava-se a tribo dos latinos, que por volta do ano 1000 a.C. teria imigrado do norte da Europa.

Naquele tempo, o latim era apenas um dialeto a mais entre outros, como o osco e o úmbrico. Foi acompanhando a marcha e as conquistas das legiões romanas que o latim cresceu e começou a reger o falar dos povos.

Os primórdios da escrita

Com efeito, as línguas clássicas conservam semelhanças entre si. Um exemplo disso é o alfabeto. De fato, as letras latinas têm sua origem nas gregas e, por isso, mantiveram certa proximidade tanto na escrita quanto na pronúncia.

O registro mais antigo da escrita latina foi encontrado em Preneste, atual Palestina, e data do século VI a.C. A curiosa inscrição está gravada numa fivela, grafada da direita para a esquerda, com os seguintes dizeres (transcritos da esquerda para a direita):

MANIOS: MED: FHE: FHAKED: NUMASIOI

Trata-se de um latim arcaico com construções muito próximas ao grego. Traduzido para o latim clássico, o trecho figura como:

Manius me fecit Numasio

Em português:

Manius me fez para Numásio

As principais proximidades com a língua helênica são a duplicação da sílaba radical que antecede o verbo, indicando pretérito perfeito: fhe fhaked. Em seguida, a terminação do objeto indireto em oi (νυμασιοι), própria do grego.

Aos poucos, a escrita passou a ser direcionada da esquerda para a direita. Contudo, outros documentos apresentam ainda uma forma especial, a chamada “bustrofédon”.[2]

A difusão do latim

O suceder dos anos aliado ao mérito militar conferiu a Roma uma preeminência entre as cidadelas do Latium. Poucos podiam conter seu avanço. Os etruscos, que distribuíam sua riqueza cultural e política nas cidades ao norte de Roma, representaram uma ameaça à ascensão romana. A língua por eles falada não possuía parentesco com os dialetos da região, nem sequer com as demais línguas do indo-europeu, a não ser certa semelhança com o alfabeto grego. Porém, após uma dura submissão imposta por Roma, a língua foi extinta.

Outro grande rival impedia o avanço do latim, Cartago. O poderoso império estava decidido a dominar o mundo. Contudo, a derrota de Aníbal às portas de Roma desmoralizou os cartagineses, pôs fim às Guerras Púnicas e eliminou os obstáculos da expansão romana.

Tendo dominado quase toda península itálica e anexado as ilhas de Sardenha, Córsega e Sicília, chegou a vez da Gália, Hispania, bem como os países a oriente do Mediterrâneo, o norte da África, a Grécia, os Bálcãs, a Germânia e a Bretanha.

O intenso fluxo de gente de todas as nações, o comércio e a colonização romana, foram favorecidos pelas estradas que interligavam os territórios conquistados à capital, o que concedeu à língua imperial a mais ampla divulgação.

Após a conquista dos povos às margens do Mediterrâneo, finalmente, os romanos puderam chamá-lo: Mare nostrum (o nosso mar).

O desenvolvimento do latim

O período que compreende o auge da erudição latina antiga foi de curta duração, iniciando com Cícero, em meados de 100 a.C, até a morte de César Augusto no ano 14 d.C. Os poetas Virgílio, Catulo e Horácio como também os historiadores Salústio e Lívio são exemplos da plêiade clássica.

De 200 a 500 d.C., durante o período pós-clássico, o latim sofreu profundas modificações, e as línguas românicas começam a surgir.

A extinção do latim enquanto língua falada por grande número de pessoas é datada entre 500 e 600 d.C., sendo uma consequência da queda do império ocidental ocasionado pelas invasões germânicas.

Pode-se falar, então, da morte do latim?

Em meados do séc. II, muitas comunidades cristãs nasceram e se desenvolveram dentro do império romano, onde o latim era a língua comum tanto para pagãos como para cristãos.

A Igreja Católica, na porção ocidental da Europa, imortalizou o latim ao designá-lo como o idioma oficial de comunicação com o mundo, figurando este na pregação eclesiástica, na liturgia, e nos documentos doutrinários. Mas a utilização deste idioma não ficou restrita neste âmbito.

Com efeito, a precisão da língua latina foi um recurso habilmente utilizado pelos Padres da Igreja. Por exemplo, a Vulgata, tradução das Sagradas Escrituras realizada por São Jerônimo, foi transcrita toda em latim. Durante muitos séculos, essa foi a versão oficial da Bíblia usada pela Igreja Católica, e ainda hoje é fonte para diversas traduções.

Ademais, séculos mais tarde, o imperador Carlos Magno concedeu grande impulso ao desenvolvimento da língua latina, ao convocar grandes sábios da Europa para renovar a cultura de seu império. Em consequência, o latim foi a língua empregada pela escolástica, a língua da filosofia cristã e de toda a sociedade mais culta, num vasto território.

Em síntese, o latim passou a ser a língua da instrução acadêmica, que abria as portas da formação intelectual superior.

Ditos célebres e provérbios

Nos tempos modernos, o latim não perdeu seu lugar privilegiado no uso das cortes, em grandes ocasiões. Por exemplo, quando Maria Teresa d’Áustria requisitou o auxílio magiar contra as hostes prussianas (em 1740), recebeu em latim a resposta da nação húngara: “Vitam nostram et sanguine consecramus” (nós lhe consagramos nossa vida e sangue).

Outros inúmeros usos do latim poderiam ser aqui declinados, mas citamos apenas alguns abaixo:

I.N.R.I.: Abreviatura de Iesus Nazarenus Rex Iudeorum “Jesus Nazareno Rei dos Judeus”, inscrição da placa que encimou a cruz de Jesus Cristo.

Alea jacta est: “A sorte está lançada”. Dito atribuído a César, quando em 49 a.C. atravessou o Rubicão, dando início a uma guerra civil.

Bella gerant alii, tu Felix Austria nube: “A guerra, façam os outros; tu, ditosa Áustria, casa-te!” Divisa da casa dos Habsburgos, que elucida a política de influência através de casamentos.

Non scholae sed vitae discimus: “Não aprendemos para a escola, mas para a vida”. Lema pedagógico.

Audiatur et altera pars: “Seja ouvida a outra parte”. Preceito do direito romano.

Por Rodrigo Siqueira


STÖRIG, Hans Joachim. A Aventura das Línguas, uma história dos idiomas do mundo. Trad: Glória Paschoal de Camargo e Saulo Krieger. São Paulo: Melhoramentos, 2003.

[1] MENDES DE ALMEIDA, Napoleão. Gramática Latina. 30. ed. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 8.

[2] Modo de escrever em que a direção da escrita é alternada a cada linha, espelhando as letras. De origem grega, βουστροφηδόν, é o resultado da construção de βους (“bous”, boi) e στροφή (“strophé”, virar) e o sufixo adverbial -δόν, significando “como um” ou “ao modo de”, pois tal escrita recorda o caminho aberto por um boi ao arar a terra, que ao chegar ao fim de um campo dá meia-volta e regressa para trás.

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